São Paulo, Domingo, 26 de Setembro de 1999
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NO SERTÃO
Em cidade pernambucana afetada pela falta de cestas básicas, dinheiro do Incra engrossa movimento
MST dá emprego com verba do governo

Niels Andreas/Folha Imagem
Manoel Ferreira dos Santos (à dir. de barba), com funcionários que emprega, com dinheiro do Incra, em Bezerros


PATRICIA ZORZAN
enviada especial a Bezerros (PE)

Com recursos fornecidos do governo federal, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) vem se transformando em contratador de mão-de-obra remunerada em um assentamento localizado na cidade de Bezerros (a 100 km de Recife).
Considerada a ""porta de entrada" do semi-árido nordestino, a cidade sofre com o atraso na entrega de cestas básicas e com os baixos salários (R$ 48) pagos pelas frentes de trabalho implementadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
Assentados em um terreno de 1.006 hectares, os ex-sem-terra de Mundo Novo fornecem postos de trabalho a habitantes de Bezerros -que registra índices de desemprego entre 20% e 30%, segundo dados da prefeitura- e de outros municípios da região.
De acordo com os próprios assentados, os salários são pagos com recursos repassados pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) por meio de linhas de crédito especiais para o custeio das safras e para investimentos.
Responsável pelo departamento de apoio a projetos de assentamentos do Incra em Recife, o engenheiro agrônomo José Douglas Araújo Cachilé afirma que, desde a criação de Mundo Novo, em 96, já foram liberados R$ 418.172,86 em verbas de custeio e de investimento para as 50 famílias estabelecidas na área desapropriada.
Segundo Orlando Muniz, diretor de assentamento do Incra, o uso desses recursos para a contratação é regular. ""Essa verba é para isso mesmo. O objetivo é possibilitar que os assentados tenham renda para fazer melhorias."
""Se há alguém que emprega ainda aqui no Estado é a gente", diz Jaime Amorim, membro da coordenação nacional do movimento sem terra em Pernambuco.
Apesar de o MST não possuir dados sobre o número de postos de trabalho criados no assentamento, Amorim estima que cada família deverá ainda contratar pelo menos um empregado para a instalação de um projeto de criação de caprinos na propriedade.
Os contratados hoje recebem pela prestação de serviços como corte de madeira, plantação de palma para a alimentação do gado e construção de cercas.
O valor dos pagamentos varia conforme a função desempenhada pelo ""funcionário", mas, em alguns casos, supera os R$ 48 mensais pagos pelas frentes de trabalho do governo federal.
O assentado Heleno Francisco Pereira, tem três ""funcionários" em sua parcela de terra, contratados por R$ 30 por semana.
""Sozinho eu não tenho condição de fazer tudo. Quando vem um dinheiro (do Incra), eu contrato", explica ele, que conta com a ajuda remunerada do genro, do filho e de um amigo para a construção de cercas.
Desempregado há mais de um ano, José Genivaldo Bezerra de França, se diz satisfeito com o salário pago pelo sogro.
""O trabalho é mais ou menos, mas é bom porque a gente ganha dinheiro", declara França.
Mesmo sendo proprietário de uma fração de terra no assentamento Mundo Novo, Manoel Ferreira dos Santos, 36, trabalha como contratado de um outro assentado -um morador de Bezerros identificado como Manoel.
Há cerca de um mês recebendo R$ 40 por semana para a limpeza da área, Santos trabalha até as 11h como empregado e depois se dedica a sua propriedade.
""Esse salário ajuda. Tenho sete filhos e mulher para sustentar. Na minha terra agora eu trabalho sozinho, mas também já paguei trabalhador para fazer cocheira, horta e cerca. Isso é normal. Fazer tudo sozinho é ruim", diz.


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