|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CELSO PINTO
Berlim, dez anos sem Muro
Berlim - Em Berlim dividida, a
história estava no Leste e o dinheiro no Oeste. Dez anos depois
da queda do Muro, em 9 de novembro de 1989, Berlim Ocidental
reencontrou sua história, e Berlim Oriental, o dinheiro. As divisões, contudo, não acabaram.
Para quem, como eu, conheceu
Berlim pouco antes da queda do
Muro e a revê hoje, é impossível
não ficar assombrado com a
transformação. As mudanças
mais espetaculares estão nas
enormes áreas vazias centrais onde antes reinava o Muro e a vasta
terra de ninguém, ao seu redor,
guardada à bala.
Nestes dez anos, Berlim foi o
maior canteiro de obras do mundo e, em boa medida, continua a
ser. Investiu-se US$ 16 bilhões para criar novos espaços; recuperar
o Leste, com seus horríveis prédios
stalinistas, cinzas e mal conservados; e reerguer monumentos históricos e culturais. A cidade nasceu no Leste, no século 13, e lá estão as principais marcas arquitetônicas de sua história.
Três conjuntos de obras marcam a nova Berlim. A enorme
praça de Postdam foi entregue a
três multinacionais (Daimler-Chrysler, Sony e ABB) e virou um
conjunto futurista de arranha-céus, escritórios, teatros, bares e
restaurantes. Um projeto de US$
4,5 bilhões, em boa parte já concluído.
Outro enorme conjunto de
obras está na região do Tiergarten e do Mitten, centrado no
Reichstag, a sede do Parlamento,
cuja nova cúpula (projeto do arquiteto inglês Norman Foster) virou o principal centro de atração
turística da cidade. Em torno dele
estão sendo erguidos os novos
prédios federais, para acolher a
burocracia de Bonn que está chegando à cidade desde maio,
quando a capital mudou para
Berlim. O conjunto inclui uma gigantesca estação de trens, em
construção, o novo palácio do primeiro-ministro e o futuro monumento contra o Holocausto.
A terceira área onde a transformação já está quase completa é a
da praça Paris. Onde antes havia
apenas o histórico Portal de Brandenburgo e o Muro, foram reconstruídos os elegantes prédios
originais e erguidos novos.
O Leste recebeu a maior parte
do dinheiro e é lá que a mudança
na aparência é mais notável. Embora ainda existam bairros decadentes, algumas áreas se valorizaram e outras viraram agitados
centros noturnos.
No entanto, por trás dessa enorme transformação, ainda existe
uma cidade dividida em muitos
aspectos. É bem mais barato morar no Leste, mas nem sempre é
viável. É comum haver hostilidades contra gente do Oeste. Muitos
do Oeste retomaram suas casas
no Leste, depois da reunificação,
o que criou ressentimentos.
Famílias do Oeste evitam as escolas do Leste. Se a mudança econômica no Leste foi traumática e
perdeu-se algo como 80% dos empregos públicos, na área da educação ela ainda não acabou.
Depois da reunificação, 190 mil
professores do Leste foram avaliados por comissões especiais e
3.000 foram demitidos, lembra
Werner Nagel, do órgão que reúne os secretários estaduais de
educação e cultura dos Estados,
em Bonn. Foram considerados
comunistas ativos, perderam o
emprego e muitos deles lutam até
hoje nos tribunais.
Não existe um currículo único
na Alemanha e o sistema do Leste
mantém características próprias.
É verdade que o ensino na área
de exatas era de boa qualidade
no Leste, diz Nagel, "mas a tarefa
de reciclagem continua necessária: vai levar uma geração até termos uma nação homogênea".
Funcionários do Leste ainda
ganham menos do que os do Oeste. O desemprego é 16% na cidade
e pesa mais em regiões do Leste.
Politicamente, a cidade está rachada. Nas eleições deste mês,
40% do Leste (especialmente os
eleitores mais velhos) votou nos
ex-comunistas do PDS, que tiveram apenas 4% dos votos do Oeste. O Oeste, por sua vez, apoiou
maciçamente os conservadores
do CDU, que ganharam as eleições.
A onda da "Ostalgie" (um trocadilho que junta "Ost", ou "Leste", com nostalgia) vai além da
política. Ostalgie é o nome de
uma loja de sucesso, no Leste, onde vende-se todo tipo de quinquilharia do velho regime, de detergentes a revistas em quadrinhos.
A irritação, em boa medida, é
contra a política de austeridade
do governo social-democrata eleito no ano passado. Na semana
passada, houve a primeira manifestação de rua, em Berlim, contra o atual governo.
A construção civil disparou,
mas os empregos industriais sumiram de Berlim. A economia
caiu 0,3% no ano passado e 0,8%
no primeiro semestre deste ano.
Os subsídios federais, que chegavam a 50% do Orçamento da cidade, caíram para 20%.
Berlim não é uma metrópole
acabada, como Paris e Londres, e
mantém o espírito de rebeldia e
ousadia que caracterizava o Oeste quando o Muro existia. Dos
seus 3,4 milhões de habitantes,
140 mil são universitários e 13%
estrangeiros (exatos 1.481 brasileiros, na conta de Elke Pohl, do
escritório para estrangeiros do Senado de Berlim).
A euforia com o fim do Muro há
muito já acabou, mas não a vivacidade de Berlim.
Texto Anterior: Judiciário: Juízes votam hoje início de paralisação Próximo Texto: Minas Gerais: Itamar muda Cemig e desagrada a EUA Índice
|