São Paulo, Terça-feira, 26 de Outubro de 1999
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CELSO PINTO
Berlim, dez anos sem Muro

Berlim - Em Berlim dividida, a história estava no Leste e o dinheiro no Oeste. Dez anos depois da queda do Muro, em 9 de novembro de 1989, Berlim Ocidental reencontrou sua história, e Berlim Oriental, o dinheiro. As divisões, contudo, não acabaram.
Para quem, como eu, conheceu Berlim pouco antes da queda do Muro e a revê hoje, é impossível não ficar assombrado com a transformação. As mudanças mais espetaculares estão nas enormes áreas vazias centrais onde antes reinava o Muro e a vasta terra de ninguém, ao seu redor, guardada à bala.
Nestes dez anos, Berlim foi o maior canteiro de obras do mundo e, em boa medida, continua a ser. Investiu-se US$ 16 bilhões para criar novos espaços; recuperar o Leste, com seus horríveis prédios stalinistas, cinzas e mal conservados; e reerguer monumentos históricos e culturais. A cidade nasceu no Leste, no século 13, e lá estão as principais marcas arquitetônicas de sua história.
Três conjuntos de obras marcam a nova Berlim. A enorme praça de Postdam foi entregue a três multinacionais (Daimler-Chrysler, Sony e ABB) e virou um conjunto futurista de arranha-céus, escritórios, teatros, bares e restaurantes. Um projeto de US$ 4,5 bilhões, em boa parte já concluído.
Outro enorme conjunto de obras está na região do Tiergarten e do Mitten, centrado no Reichstag, a sede do Parlamento, cuja nova cúpula (projeto do arquiteto inglês Norman Foster) virou o principal centro de atração turística da cidade. Em torno dele estão sendo erguidos os novos prédios federais, para acolher a burocracia de Bonn que está chegando à cidade desde maio, quando a capital mudou para Berlim. O conjunto inclui uma gigantesca estação de trens, em construção, o novo palácio do primeiro-ministro e o futuro monumento contra o Holocausto.
A terceira área onde a transformação já está quase completa é a da praça Paris. Onde antes havia apenas o histórico Portal de Brandenburgo e o Muro, foram reconstruídos os elegantes prédios originais e erguidos novos.
O Leste recebeu a maior parte do dinheiro e é lá que a mudança na aparência é mais notável. Embora ainda existam bairros decadentes, algumas áreas se valorizaram e outras viraram agitados centros noturnos.
No entanto, por trás dessa enorme transformação, ainda existe uma cidade dividida em muitos aspectos. É bem mais barato morar no Leste, mas nem sempre é viável. É comum haver hostilidades contra gente do Oeste. Muitos do Oeste retomaram suas casas no Leste, depois da reunificação, o que criou ressentimentos.
Famílias do Oeste evitam as escolas do Leste. Se a mudança econômica no Leste foi traumática e perdeu-se algo como 80% dos empregos públicos, na área da educação ela ainda não acabou.
Depois da reunificação, 190 mil professores do Leste foram avaliados por comissões especiais e 3.000 foram demitidos, lembra Werner Nagel, do órgão que reúne os secretários estaduais de educação e cultura dos Estados, em Bonn. Foram considerados comunistas ativos, perderam o emprego e muitos deles lutam até hoje nos tribunais.
Não existe um currículo único na Alemanha e o sistema do Leste mantém características próprias. É verdade que o ensino na área de exatas era de boa qualidade no Leste, diz Nagel, "mas a tarefa de reciclagem continua necessária: vai levar uma geração até termos uma nação homogênea".
Funcionários do Leste ainda ganham menos do que os do Oeste. O desemprego é 16% na cidade e pesa mais em regiões do Leste.
Politicamente, a cidade está rachada. Nas eleições deste mês, 40% do Leste (especialmente os eleitores mais velhos) votou nos ex-comunistas do PDS, que tiveram apenas 4% dos votos do Oeste. O Oeste, por sua vez, apoiou maciçamente os conservadores do CDU, que ganharam as eleições.
A onda da "Ostalgie" (um trocadilho que junta "Ost", ou "Leste", com nostalgia) vai além da política. Ostalgie é o nome de uma loja de sucesso, no Leste, onde vende-se todo tipo de quinquilharia do velho regime, de detergentes a revistas em quadrinhos.
A irritação, em boa medida, é contra a política de austeridade do governo social-democrata eleito no ano passado. Na semana passada, houve a primeira manifestação de rua, em Berlim, contra o atual governo.
A construção civil disparou, mas os empregos industriais sumiram de Berlim. A economia caiu 0,3% no ano passado e 0,8% no primeiro semestre deste ano. Os subsídios federais, que chegavam a 50% do Orçamento da cidade, caíram para 20%.
Berlim não é uma metrópole acabada, como Paris e Londres, e mantém o espírito de rebeldia e ousadia que caracterizava o Oeste quando o Muro existia. Dos seus 3,4 milhões de habitantes, 140 mil são universitários e 13% estrangeiros (exatos 1.481 brasileiros, na conta de Elke Pohl, do escritório para estrangeiros do Senado de Berlim).
A euforia com o fim do Muro há muito já acabou, mas não a vivacidade de Berlim.


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