São Paulo, sábado, 26 de outubro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

Revisitando Roberto Campos

JARBAS PASSARINHO

Privei da companhia de Roberto Campos nas lides políticas. Fui seu líder no PDS, que foi uma dos melhores braços políticos no regime autoritário, de que ele dizia com sua ironia fina, que lembrava Anatole France: "Um autoritarismo encabulado, que se sabia biodegradável, admitia o pluralismo, que postulava a restauração democrática, diferente dos autoritarismos totalitários, ideologicamente rígidos, sanguinários quanto a dissidentes e convictos de que o determinismo histórico asseguraria a ditadura da classe eleita -o proletariado". Ingressando na política algo tardiamente, ria-se dela. Lembrava Krushev para quem os políticos são capazes de grandes ousadias, como oferecer pontes onde não há rio... Casado há 60 anos, com Stela, não contou que ela procurasse dissuadi-lo, devolvendo-lhe um sarcasmo. É que, na Constituinte, Roberto fizera troça quando os constituintes aprovaram o Art. 230, "que assegura aos idosos o direito à vida". D. Stela, então, lhe disse a candidatura à Academia Brasileira de Letras "só podia ser uma ambição senil de quem satirizara os constituintes tornando os idosos imortais".
Não poupava a sua formação de economista: "A economia dizem ser a ciência de alcançar a miséria com o auxílio da estatística". Do planejamento, repetia um chiste comum em Moscou. Uma professora pediu a um aluno conjugar o verbo planejar. Mal começou o aluno a balbuciar: eu planejo, tu planejas, a professora interrompeu e perguntou-lhe o tempo do verbo. "Tempo perdido", respondeu ele... Igualmente sorria-se dos anos de seminário católico: "Foram dez anos de castidade, durante os quais acumulei enorme direito de pecar, que nunca pude usar, por falta de cooperação complacente".
Liberal irredutível, cutucava os socialistas defensores da igualdade: "Deus não é socialista. Criou os homens profundamente desiguais". Seus artigos nos jornais costumavam começar por uma epígrafe adequada ao texto a seguir. Uma delas, relativamente frequente, era um provérbio chinês. Certo dia, comentei com ele que deveria ter o melhor dicionário de provérbios chineses. Roberto, com um sorriso maroto, retrucou: "Você acha que num país com mais de um bilhão de habitantes, alguém não terá dito o que ponho na epígrafe?".


JARBAS PASSARINHO, 82, ex-governador do Pará (1964 a 1966), ex-ministro do Trabalho no governo de Costa e Silva e da Justiça no governo de Fernando Collor, escreve aos sábados nesta seção


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