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FOLCLORE POLÍTICO
Revisitando Roberto Campos
JARBAS PASSARINHO
Privei da companhia de Roberto Campos nas lides políticas. Fui seu líder no PDS, que foi uma dos melhores braços políticos no regime autoritário, de que
ele dizia com sua ironia fina, que
lembrava Anatole France: "Um
autoritarismo encabulado, que se
sabia biodegradável, admitia o
pluralismo, que postulava a restauração democrática, diferente
dos autoritarismos totalitários,
ideologicamente rígidos, sanguinários quanto a dissidentes e convictos de que o determinismo histórico asseguraria a ditadura da
classe eleita -o proletariado".
Ingressando na política algo tardiamente, ria-se dela. Lembrava
Krushev para quem os políticos
são capazes de grandes ousadias,
como oferecer pontes onde não há
rio... Casado há 60 anos, com Stela, não contou que ela procurasse
dissuadi-lo, devolvendo-lhe um
sarcasmo. É que, na Constituinte,
Roberto fizera troça quando os
constituintes aprovaram o Art.
230, "que assegura aos idosos o
direito à vida". D. Stela, então, lhe
disse a candidatura à Academia
Brasileira de Letras "só podia ser
uma ambição senil de quem satirizara os constituintes tornando
os idosos imortais".
Não poupava a sua formação
de economista: "A economia dizem ser a ciência de alcançar a
miséria com o auxílio da estatística". Do planejamento, repetia um
chiste comum em Moscou. Uma
professora pediu a um aluno conjugar o verbo planejar. Mal começou o aluno a balbuciar: eu planejo, tu planejas, a professora interrompeu e perguntou-lhe o tempo
do verbo. "Tempo perdido", respondeu ele... Igualmente sorria-se
dos anos de seminário católico:
"Foram dez anos de castidade,
durante os quais acumulei enorme direito de pecar, que nunca
pude usar, por falta de cooperação complacente".
Liberal irredutível, cutucava os
socialistas defensores da igualdade: "Deus não é socialista. Criou
os homens profundamente desiguais". Seus artigos nos jornais
costumavam começar por uma
epígrafe adequada ao texto a seguir. Uma delas, relativamente
frequente, era um provérbio chinês. Certo dia, comentei com ele
que deveria ter o melhor dicionário de provérbios chineses. Roberto, com um sorriso maroto, retrucou: "Você acha que num país
com mais de um bilhão de habitantes, alguém não terá dito o que
ponho na epígrafe?".
JARBAS PASSARINHO, 82, ex-governador do Pará (1964 a 1966), ex-ministro
do Trabalho no governo de Costa e Silva
e da Justiça no governo de Fernando
Collor, escreve aos sábados nesta seção
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