São Paulo, terça-feira, 26 de outubro de 2004

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JANIO DE FREITAS

Mudar por mudar

O governo Lula está sendo conduzido para uma providência que, na melhor hipótese, ficará como um risco desnecessário e, com muita probabilidade, será um erro com variadas conseqüências prejudiciais. A providência leva o nome genérico de reforma ministerial e, a depender dos seus adeptos mais inflamados, começa em seguida ao segundo turno; pelos outros, é discutida em novembro e dezembro e aplicada com o novo ano.
A pressa é defendida como solução para recompor as forças do governo, desarranjadas pelas eleições, em tempo de aprovarem ainda neste ano projetos e medidas provisórias que dormitam no Congresso, mas consideradas urgentes pelo governo (poucas o são, de fato). Qualquer passo apressado para a recomposição será, porém, uma temeridade. Os ressentimentos são muito difundidos e às vezes fortes, além das valorizações de diversos grupos que, vitoriosos, saem da eleição com novas perspectivas e ambições. E há ainda que acomodar a efetivação dos compromissos eleitorais, alguns complicados, como no caso dos malufistas, se cumprido o acordo de um ministério. Apesar disso tudo, não é aí que está o problema maior de uma reforma ministerial.
Findo o primeiro ano do mandato, Lula fez uma semi-reforma ministerial. Houve alguma mudança notável no desempenho do governo? Não, e o primeiro a dizê-lo é o próprio Lula, ao adotar a idéia de outra reforma ministerial para tornar o governo mais eficaz. O que se passou é que o ministério atual não poderia escapar ao destino médio do primeiro. Ambos ficaram condicionados pela política mais geral do governo, que provém da força determinante concentrada na chamada área econômica, com predominância de Ministério da Fazenda e Banco Central.
Talvez só o Ministério de Relações Exteriores, em que Celso Amorim aplica o seu brilho e, até que afinal, uma linha autenticamente brasileira, independa da delimitação de desempenho imposta pela política econômica, por intermédio da repressão de verbas essenciais, até ao nível da paralisação de inúmeros programas e atividades indispensáveis. Como não há prenúncio de modificações na política econômica, os componentes de um novo ministério estarão sob o mesmo condicionamento paralisante padecido pelo atual e pelo primeiro ministério.
Para quê, então, o custo de uma reforma ministerial, sabido que cada mudança de ministro significa o recomeço de nomeações burocráticas, de novas assessorias, de novos planos? Uma reforma por ano é um recomeço por ano, ou seja, recomeço quando o anterior se completou. Tudo isso com o risco de que a substituição não seja para melhor.
Nomeado para a Ciência e Tecnologia porque neto de Miguel Arraes, Eduardo Campos, por exemplo, até agora leva a ouvir-se, no setor científico, referências muito boas ao seu desempenho, pela aplicação e pela orientação. É uma área de máxima importância para o país, mas, com tantas enrolações políticas do grupo central do governo, em reforma ministerial dificilmente escaparia de servir a um arranjo de conveniência, com menos sorte que o anterior.
O mais difícil dos ministérios é o da Defesa. Lidar com os militares é uma dificuldade mesmo para outros militares, quanto mais para um ministro civil de um governo civil. É exatamente esse ministério que os políticos desejosos de mudar o coordenador político, hoje Aldo Rebelo, pretendem que inaugure a reforma ministerial. A cada dia há uma nota plantada, em algum jornal, falando em Aldo Rebelo na Defesa. É conveniente, porém, saber-se desde logo que os militares considerariam uma provocação a escolha de um integrante do PC do B para ministro da Defesa. E alguma razão teriam, sim. Por quê e para quê Aldo Rebelo, com inúmeras escolhas disponíveis? Se é para dizer que se trata de um governo de esquerda, não dirá. Primeiro porque não é, segundo porque o flexível coordenador Aldo Rebelo não se porta como homem de esquerda.
Todos os informados sabem que o problema na Defesa não é o hábil ministro José Viegas, é o comandante do Exército, Francisco Albuquerque. Assim como o problema do ministério não é do ministério, é das dificuldades que lhe são criadas - como serão ao próximo, se houver.


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