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ELIO GASPARI
Com vocês, Bita do Barão
Deve-se à repórter Elvira
Lobato a apresentação de
Bita do Barão ao distinto público deste Brasil globalizado, com
presidente que fala inglês na Coréia e diz "Vive la France" em
Paris e ministro da Fazenda que
coloca artigos em inglês na rede
oficial da internet.
Bita tem esse nome porque segue a orientação espiritual do
barão do Guaré. É o pai-de-santo da Tenda Rainha de Iemanjá, na cidade de Codó, no cerrado maranhense, a 305 quilômetros de São Luís. Sua idade fica
ao gosto do freguês. Pode ter 89
anos, 84, 73 ou também 69. Intitula-se "comendador da República", por conta de uma condecoração federal, e está no ramo
desde 1954. Ele acaba de prever
um "reinado feminino", informando que, se votasse "cem vezes", "cem vezes" votaria em
Roseana Sarney.
Para quem já sacrificou sete
bois pela salvação da candidatura de um deputado federal,
Bita não está para brincadeira.
Não é um pai-de-santo qualquer. Seu negócio é o terecô,
uma modalidade de macumba
com um pé na magia negra. Numa das poucas entrevistas que
deu, revelou que é "muito procurado por causa da corrente de
esquerda (nada a ver com o PT)
para trabalhos de vingança".
Acusam-no de ter trato com o
Coisa Ruim, e já revelou que,
com sangue de bode de boa criação, torna-se senhor da vida e
da morte. Pelas lendas do pedaço, seu duelo de pragas com o
curador Tobias é de fazer inveja
ao duelo de versos do Cego Aderaldo com Zé Pretinho.
Bita é um dos principais personagens do livro "Encantaria
de Barba Soeira - Codó, Capital
da Magia Negra?", co-editado
pela governo do Maranhão e escrito pela antropóloga Mundicarmo Ferretti. Coisa fina. Vale
um trecho:
"O grande destaque do ritual
foi o Bita com Tranca Rua. Estava ricamente vestido e usava
jóias de ouro e pedras preciosas
de grande valor. Tinha um
olhar aterrorizante e andava
pelo salão. Em um dado momento, um homem, que foi falar
com ele, entregou várias cédulas
de dinheiro a uma das moças
que o assistia, e ela passou a
contá-las no salão. Pelo volume
das notas, a quantia que estava
sendo entregue parecia elevada.
Em seguida, alguém entregou a
Tranca Rua uma galinha preta,
e ele mordeu o pescoço dela, fazendo barulho como se estivesse
sugando e engolindo o sangue
da ave e, em seguida, saiu com
ela na boca para sua "tronqueira" (casa), que ficava à esquerda, na entrada do terreiro. Voltando ao salão, convidou todos
os exus e pombagiras ("escravos" da linha negra) a pegar
seus inimigos nas encruzilhadas, ao que responderam pulando de alegria e todos saíram
juntos em transe".
A professora Ferretti virou Codó pelo avesso. Chegou à porta
da magia negra, registrando-a,
sem satanizar os cultos. Afinal
de contas, se na tenda de Bita do
Barão reelege-se um deputado
com sete bois, isso custa menos
do que reeleger um presidente
com dólar de R$ 1,20 na tenda
do terecô financeiro.
No mundo de crenças e magias percorrido pela professora,
há uma divindade pairando sobre todas as bruxarias. Chama-se algodão. Talvez não explique
tudo, mas certamente explica
um pedaço da grande Codó que
há em Pindorama. Ele foi a
principal riqueza agrícola da região e, em 1892, um empreendedor ergueu na cidade a chaminé
da Companhia Manufatureira
e Agrícola. Segundo mãe Antoninha, veneranda mãe-de-santo, a fábrica trabalhava em dois
turnos, das 6 da manhã às 10 da
noite, rodando 12 máquinas de
fuso e seis de trama. Faliu pela
primeira vez nos anos 40. Tornou-se um espeto para o Banco
do Estado do Maranhão. Hoje
seu prédio é uma ruína. O dono
da fábrica foi Sebastião Archer,
que governou o Maranhão. O
prefeito de Codó chama-se Ricardo Archer.
Codó tem 100 mil habitantes e
218 leitos hospitalares. Em 1995,
tinha 18 mil pessoas trabalhando na agropecuária (2.300 com
menos de 14 anos) contra 44 tratores, três máquinas de plantio e
zero de colheita. Seus 6.500 estabelecimentos pagaram R$ 30
mil de Imposto Territorial Rural
em 1998. Nas cinco agências
bancárias do lugar, havia aplicações no valor de R$ 12,6 milhões (em muitos casos, a juros
de 20% ao ano).
Segundo os número do IBGE
de 1997, um em cada dois domicílios da terra encantada de Bita
do Barão era chefiado por uma
pessoa sem escolaridade alguma. FFHH venceu a eleição de
1998 em Codó com 13.400 votos,
contra 2.600 dados a Luiz Inácio
Lula da Silva.
Desse jeito, o negócio é cantar
com o pessoal da Tenda Santa
Bárbara, fundada por Dona
Antoninha:
"O ano é novo, o ano é novo
(ê)
Meu são Sebastião,
Que foi preso e amarrado,
Me livrai-me [sic] dos inimigos,
Ô das sete encruzilhada [sic],
Meu são Sebastião".
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