São Paulo, quarta-feira, 26 de dezembro de 2001

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ELIO GASPARI

Com vocês, Bita do Barão

Deve-se à repórter Elvira Lobato a apresentação de Bita do Barão ao distinto público deste Brasil globalizado, com presidente que fala inglês na Coréia e diz "Vive la France" em Paris e ministro da Fazenda que coloca artigos em inglês na rede oficial da internet.
Bita tem esse nome porque segue a orientação espiritual do barão do Guaré. É o pai-de-santo da Tenda Rainha de Iemanjá, na cidade de Codó, no cerrado maranhense, a 305 quilômetros de São Luís. Sua idade fica ao gosto do freguês. Pode ter 89 anos, 84, 73 ou também 69. Intitula-se "comendador da República", por conta de uma condecoração federal, e está no ramo desde 1954. Ele acaba de prever um "reinado feminino", informando que, se votasse "cem vezes", "cem vezes" votaria em Roseana Sarney.
Para quem já sacrificou sete bois pela salvação da candidatura de um deputado federal, Bita não está para brincadeira. Não é um pai-de-santo qualquer. Seu negócio é o terecô, uma modalidade de macumba com um pé na magia negra. Numa das poucas entrevistas que deu, revelou que é "muito procurado por causa da corrente de esquerda (nada a ver com o PT) para trabalhos de vingança". Acusam-no de ter trato com o Coisa Ruim, e já revelou que, com sangue de bode de boa criação, torna-se senhor da vida e da morte. Pelas lendas do pedaço, seu duelo de pragas com o curador Tobias é de fazer inveja ao duelo de versos do Cego Aderaldo com Zé Pretinho.
Bita é um dos principais personagens do livro "Encantaria de Barba Soeira - Codó, Capital da Magia Negra?", co-editado pela governo do Maranhão e escrito pela antropóloga Mundicarmo Ferretti. Coisa fina. Vale um trecho:
"O grande destaque do ritual foi o Bita com Tranca Rua. Estava ricamente vestido e usava jóias de ouro e pedras preciosas de grande valor. Tinha um olhar aterrorizante e andava pelo salão. Em um dado momento, um homem, que foi falar com ele, entregou várias cédulas de dinheiro a uma das moças que o assistia, e ela passou a contá-las no salão. Pelo volume das notas, a quantia que estava sendo entregue parecia elevada. Em seguida, alguém entregou a Tranca Rua uma galinha preta, e ele mordeu o pescoço dela, fazendo barulho como se estivesse sugando e engolindo o sangue da ave e, em seguida, saiu com ela na boca para sua "tronqueira" (casa), que ficava à esquerda, na entrada do terreiro. Voltando ao salão, convidou todos os exus e pombagiras ("escravos" da linha negra) a pegar seus inimigos nas encruzilhadas, ao que responderam pulando de alegria e todos saíram juntos em transe".
A professora Ferretti virou Codó pelo avesso. Chegou à porta da magia negra, registrando-a, sem satanizar os cultos. Afinal de contas, se na tenda de Bita do Barão reelege-se um deputado com sete bois, isso custa menos do que reeleger um presidente com dólar de R$ 1,20 na tenda do terecô financeiro.
No mundo de crenças e magias percorrido pela professora, há uma divindade pairando sobre todas as bruxarias. Chama-se algodão. Talvez não explique tudo, mas certamente explica um pedaço da grande Codó que há em Pindorama. Ele foi a principal riqueza agrícola da região e, em 1892, um empreendedor ergueu na cidade a chaminé da Companhia Manufatureira e Agrícola. Segundo mãe Antoninha, veneranda mãe-de-santo, a fábrica trabalhava em dois turnos, das 6 da manhã às 10 da noite, rodando 12 máquinas de fuso e seis de trama. Faliu pela primeira vez nos anos 40. Tornou-se um espeto para o Banco do Estado do Maranhão. Hoje seu prédio é uma ruína. O dono da fábrica foi Sebastião Archer, que governou o Maranhão. O prefeito de Codó chama-se Ricardo Archer.
Codó tem 100 mil habitantes e 218 leitos hospitalares. Em 1995, tinha 18 mil pessoas trabalhando na agropecuária (2.300 com menos de 14 anos) contra 44 tratores, três máquinas de plantio e zero de colheita. Seus 6.500 estabelecimentos pagaram R$ 30 mil de Imposto Territorial Rural em 1998. Nas cinco agências bancárias do lugar, havia aplicações no valor de R$ 12,6 milhões (em muitos casos, a juros de 20% ao ano).
Segundo os número do IBGE de 1997, um em cada dois domicílios da terra encantada de Bita do Barão era chefiado por uma pessoa sem escolaridade alguma. FFHH venceu a eleição de 1998 em Codó com 13.400 votos, contra 2.600 dados a Luiz Inácio Lula da Silva.
Desse jeito, o negócio é cantar com o pessoal da Tenda Santa Bárbara, fundada por Dona Antoninha:
"O ano é novo, o ano é novo (ê)
Meu são Sebastião,
Que foi preso e amarrado,
Me livrai-me [sic] dos inimigos,
Ô das sete encruzilhada [sic],
Meu são Sebastião".


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