São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 2002

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GOVERNO PETISTA

Futuro ministro admite "adequar" leis para reforma agrária avançar

Rossetto vê "fronteira clara" entre novo governo e MST

Alan Marques - 23.dez.02/Folha Imagem
Miguel Rossetto, futuro ministro do Desenvolvimento Agrário e atual vice-governador gaúcho


ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Único integrante da esquerda petista no primeiro escalão do governo, o sindicalista Miguel Rossetto, 42 anos, ignora as críticas que sofreu de produtores rurais, tem pouca experiência na área em que vai atuar e vê no diálogo e no apoio à agricultura familiar os caminhos para conseguir dar terra e trabalho no campo a quem reivindica e, até "por ética e exigência constitucional", deve ter seu lote.
Vice-governador do Rio Grande do Sul e integrante da Democracia Socialista, corrente da ala mais radical petista, ele ainda não tem opinião formada sobre a medida provisória que exclui do programa de assentamentos as famílias que ocuparam terras.
Rossetto espera uma "mudança fundamental" no relacionamento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) com o novo governo, do radicalismo e embates para o diálogo. Ele baseia suas expectativas na história do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, que teria um compromisso de vida e programático com a reforma agrária.
Quanto ao chamado "gauchério", a forte presença de ministros do Rio Grande do Sul, ele desconversa. "Os paulistas são infinitamente superiores...".
Depois de uma rápida pausa para o Natal com a família, Rossetto retorna hoje a Brasília para analisar as informações produzidas pela equipe de transição -do que irá surgir até uma reestruturação do ministério- e conversar com o futuro ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues.
Ao contrário de Rossetto, Rodrigues foi aplaudido pelos produtores rurais. Mas o novo ministro do Desenvolvimento Agrário ignora as críticas.
Rossetto diz que pretende firmar seu trabalho economizando com eficiência de gestão e acredita que, na base do diálogo, será possível construir, em nome de um projeto pelo país, as bases da reforma agrária.
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.
 

Folha - Ao anunciar o seu nome, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, disse que o senhor seria ministro para realizar um sonho: a reforma agrária. Qual sua experiência na área?
Rossetto
- A experiência mais forte que eu tenho diretamente, além de acompanhar o movimento por conta da ação sindical que tive na CUT [Central Única dos Trabalhadores], foi no nosso governo [de Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul]. Temos experiências que são referenciais. Assentamos mais de 6.000 famílias.

Folha - Mas a meta era de 10 mil famílias.
Rossetto
- Isso. Mas eu vou te dizer por que 6.000 famílias, que é uma marca histórica no Estado. Os Estados não dispõem de instituições para produzir esse tipo de política. Os instrumentos são da União. Mas não só nós avançamos na democratização do acesso à terra, na constituição de assentamentos que estão produzindo, e bem, como construímos -e achamos que isso é fundamental- toda uma infra-estrutura, como habitação, saneamento, estradas, energia elétrica, capacitação técnica, custeio e, principalmente, conseguimos o envolvimento com as comunidades. Avançamos, e isso é uma pauta nacional, nas áreas dos quilombolas, nas comunidades indígenas, onde temos ainda um contencioso muito importante.

Folha - O MST vai tratar o presidente Lula como tratou Fernando Henrique Cardoso?
Rossetto
- É evidente que há uma mudança fundamental. O presidente Lula tem na sua história, no seu programa [de governo], um compromisso com a reforma agrária, com o respeito aos trabalhadores e trabalhadoras do campo. É evidente que a minha expectativa é de uma relação política claramente diferenciada e positiva. Agora, nós sabemos que há uma fronteira clara entre governo e movimentos.
Governos respondem pelo conjunto da sociedade, por exigências e limites legais e constitucionais. Movimentos guardam sua autonomia e independência. Minha expectativa é que nós possamos, com o conjunto dos movimentos sociais, com todos aqueles que compreendem a importância da construção da paz no campo a partir de uma democratização do acesso à terra, ao trabalho e à renda, possamos construir e preservar uma grande unidade de trabalho.

Folha - Seu nome mal foi anunciado e, como primeiros efeitos, houve elogios do MST e críticas dos produtores rurais.
Rossetto
- Eu te confesso que não li nem acompanhei as críticas. Tenho dito que a reforma agrária e o fortalecimento da agricultura familiar interessam ao país, à sociedade brasileira. Acho lamentável... Além de ser uma exigência constitucional, [a reforma agrária] é uma exigência ética. Nós temos que entrar no século 21 deixando para trás o que, infelizmente, nos acompanha desde o século 18. Um país que queira virar nação, que respeite o seu povo, não pode deixar tanta gente para trás. Vamos avançar na reforma agrária neste país, fortalecer a agricultura familiar e construir a paz no campo, com justiça e dignidade.

Folha - O sr. vai pedir a revogação da medida provisória que exclui por dois anos da reforma agrária as famílias que invadiram terras?
Rossetto
- Eu pedi para a equipe de transição fazer um agregado de toda a legislação desse último período em relação ao tema terra. O sentido é que nós possamos aproveitar toda a legislação existente e adequá-la a partir de uma diretriz clara: responder a uma expectativa do povo brasileiro de que a reforma agrária avance positivamente, garantindo terra para quem quer trabalhar. Isso significa assentar, dar crédito, assistência técnica, garantir a comercialização, incentivar cooperativismo -faz bem à sociedade, ao campo, à nossa economia.

Folha - Pelas suas respostas, haverá muito apoio à agricultura familiar.
Rossetto
- Muito, muito. O Pronaf [Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar] será ampliado. Na verdade, esse é um programa que se constitui basicamente de linhas de crédito. Vamos ampliá-lo com assistência técnica. Teremos uma forte orientação e estímulo ao associativismo e ao cooperativismo. Precisamos criar mecanismos de comercialização. Nosso projeto estratégico [da reforma agrária] é intimamente ligado ao projeto Fome Zero [de combate à fome, prioridade do novo governo]. E essa estratégia de fortalecimento da agricultura familiar dialoga com um projeto de desenvolvimento geral do país.

Folha - O ano é anunciadamente de restrições. Quais suas expectativas de obter recursos para fazer seu sonho virar realidade?
Rossetto
- Eu não tenho essas informações. O Palocci vai nos informar na reunião [ministerial] do dia 27, para todo mundo estar avisado antes que assuma... [risos] Sabemos que vamos conviver com restrições, mas numa perspectiva de superação. Aposto muito numa eficiência de gestão para avançarmos mesmo neste primeiro ano.


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