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DANÇA DOS MINISTROS
Cristovam deixa pasta dizendo que Dirceu e presidente não são sensíveis aos excluídos e têm "cabeça paulista"
Lula não tem sensibilidade social, diz demitido
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Na véspera de deixar o Ministério da Educação, o senador, engenheiro, economista e ex-governador Cristovam Buarque (DF), 59,
acusou o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva e o chefe da Casa Civil, José Dirceu, de terem "uma
cabeça paulista" e de não terem
"sensibilidade para os excluídos".
"Falando com franqueza, aliás,
essa falta de sensibilidade é característica dos políticos de São Paulo. Dirceu e o próprio Lula têm cabeça de paulista", disse ontem. Ele
assume no Senado certo de que
Lula fala muito de economia, mas
quase nada de social. "Ninguém
fala da área social. Qual o discurso
de educação do presidente Lula?"
Folha - O que aconteceu?
Cristovam Buarque - Eu estava
em Lisboa dando uma entrevista
para uma jornalista portuguesa
sobre o projeto educacional do
presidente Lula e de como esse
projeto trabalharia para acabar a
exclusão social. O presidente ligou e disse, de uma maneira muito agradável, simpática, que ele
precisava fazer a reforma universitária e queria uma pessoa que
não fosse ligada à área.
Folha - Como é uma maneira
agradável de demitir?
Cristovam - Sem grandes arroubos de carinho, mas de maneira
simples e direta. Aí, eu voltei para
a jornalista e expliquei: "Vamos
ter que parar, porque eu não sou
mais ministro". Ela, surpresa: "O
Brasil é muito engraçado, mesmo.
Isso não parece coisa séria".
Folha - O sr. não esperava?
Cristovam - Se fosse uns seis meses atrás, até acho que havia possibilidade mais concreta, porque ficou aquela imagem de que eu vivia pedindo dinheiro. Depois,
num encontro com estudantes,
uma menina me perguntou como
poderia ajudar no projeto de educação, e eu disse aquilo: "Tem que
se mobilizar, reclamar, pedir mais
verba". Depois disso, eu tenho colecionadas aqui dezenas de notinhas de jornais contra mim.
Folha - O presidente ou alguém ligado a ele falou alguma coisa?
Cristovam - Pelo contrário. O
que me diziam era: "O presidente
não vai tocar em você".
Folha - Quem dizia?
Cristovam - O Gilberto Carvalho
[chefe-de-gabinete de Lula] me
disse isso no dia 13, quando fui à
Guatemala. E, na volta, o presidente trocou uma reunião que seria de manhã para a tarde, para
que eu pudesse estar.
Folha - De onde saíam as notinhas? O sr. se queixou?
Cristovam - Uma vez, fui ao José
Dirceu, entreguei isso aí [as notas]
e expliquei que esse tipo de coisa
criava um clima horrível. Um ministério é formado por gente que
vem de outros Estados, que deixa
seus empregos. Cada vez que você
fragiliza um ministro, desarticula
a vida de centenas de pessoas.
Folha - O que o Dirceu disse?
Cristovam - Ele dizia: "Não é daqui que isso sai". Mas, após nossa
conversa, as notinhas sumiram.
Folha - Por que o sr. escreveu uma
carta ao ministro Luiz Gushiken reclamando de isolamento e da falta
de diálogo com a área econômica?
Cristovam - Eu não sou o único.
Quase todos os ministros reclamam de isolamento. É como se a
esperança estivesse prisioneira. A
quantidade de propostas que eu
tentei executar, sem conseguir...
Vou dar um exemplo: está no plano de governo que toda criança
tem direito a uma vaga na escola
pública, e eu propus que fosse a
partir dos quatro anos. Isso mudaria a educação brasileira. Bastava um decreto, mas eu não consegui passar. A idéia foi devolvida.
Folha - Por quem?
Cristovam - Pela Casa Civil. Diziam que era inconstitucional.
Ora, se a gente fez uma reforma
da Previdência, por que não pode
aprovar uma emenda constitucional para botar menino na escola? Aí me responderam: "Precisa
de dinheiro". Na última reunião
ministerial, fui o 13º a falar e perguntei como nós, do governo, tínhamos conseguido fazer tanto
em tão pouco tempo. Reclamei
que nós não conseguíamos mostrar isso e falei para o presidente:
"O sr. mesmo só fala de economia, política externa e fome".
Ninguém fala da área social. Qual
o discurso de educação do presidente Lula? E qual o gesto simbólico que tivemos na área social? A
educação é a marca do PT. Mas
aí... Nem a tese de toda criança na
escola aos quatro anos passou.
Folha - O fato de o sr. só ter entrado no PT dez anos após a criação do
partido não explica o isolamento?
Cristovam - É, pode ser. Eu votei
no Brizola em 89, não sou da turma, e política é muito de turma.
Nunca consegui penetrar, e acho
que nunca me esforcei muito
também. Mas acho que o governo
Lula tem de dar um salto para ficar à altura do Lula. Aliás, eu falava o mesmo do governo FHC.
Folha - Alguma chance de reaproximação do PDT e de Leonel Brizola, que estão na oposição?
Cristovam - Eu sou petista, sou
da base de apoio do presidente
Lula. Defendi a expulsão da senadora Heloísa Helena, como vou
agora fazer tudo diferente?
Folha - Uma crítica é que o sr. é
bom pensador e mau gerente.
Cristovam - Como? Mau gerente? Fui governador, fui reitor. Diga um administrador brasileiro
que realizou o que formulou? Pois
está aqui [mostra outra pilha de
papéis] o que formulei e o que
realizei. A Bolsa-Escola, eu inventei quando era reitor da UnB.
Folha - O que o sr. espera do seu
sucessor, Tarso Genro?
Cristovam - Muita coisa, porque
ele vai estar dentro do poder e
porque o governo vai querer mostrar que eu não fiz e poderia fazer.
Folha - Ele vai dar uma guinada e
priorizar as universidades?
Cristovam - Não acredito. Ele vai
cuidar das duas. Um governo como o de Lula não pode ficar cuidando só dos incluídos. Aliás, o
que mais me incomodou na reforma foi a demissão da Benedita
[da Silva]. Ela é um símbolo, tinha
orgulho de sentar ao lado dela.
Folha - E Dirceu?
Cristovam - Um político competentíssimo, mas não tem sensibilidade para os excluídos. Falando
com franqueza, essa falta de sensibilidade é característica dos políticos de São Paulo. Dirceu e o próprio Lula têm cabeça de paulista.
Folha - O que se esperar do senador Cristovam Buarque?
Cristovam - No Senado, vou ter
voz. Até agora, só tive arroubos.
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