São Paulo, terça-feira, 27 de janeiro de 2004

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DANÇA DOS MINISTROS

Cristovam deixa pasta dizendo que Dirceu e presidente não são sensíveis aos excluídos e têm "cabeça paulista"

Lula não tem sensibilidade social, diz demitido

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Na véspera de deixar o Ministério da Educação, o senador, engenheiro, economista e ex-governador Cristovam Buarque (DF), 59, acusou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o chefe da Casa Civil, José Dirceu, de terem "uma cabeça paulista" e de não terem "sensibilidade para os excluídos".
"Falando com franqueza, aliás, essa falta de sensibilidade é característica dos políticos de São Paulo. Dirceu e o próprio Lula têm cabeça de paulista", disse ontem. Ele assume no Senado certo de que Lula fala muito de economia, mas quase nada de social. "Ninguém fala da área social. Qual o discurso de educação do presidente Lula?"
 

Folha - O que aconteceu?
Cristovam Buarque -
Eu estava em Lisboa dando uma entrevista para uma jornalista portuguesa sobre o projeto educacional do presidente Lula e de como esse projeto trabalharia para acabar a exclusão social. O presidente ligou e disse, de uma maneira muito agradável, simpática, que ele precisava fazer a reforma universitária e queria uma pessoa que não fosse ligada à área.

Folha - Como é uma maneira agradável de demitir?
Cristovam -
Sem grandes arroubos de carinho, mas de maneira simples e direta. Aí, eu voltei para a jornalista e expliquei: "Vamos ter que parar, porque eu não sou mais ministro". Ela, surpresa: "O Brasil é muito engraçado, mesmo. Isso não parece coisa séria".

Folha - O sr. não esperava?
Cristovam -
Se fosse uns seis meses atrás, até acho que havia possibilidade mais concreta, porque ficou aquela imagem de que eu vivia pedindo dinheiro. Depois, num encontro com estudantes, uma menina me perguntou como poderia ajudar no projeto de educação, e eu disse aquilo: "Tem que se mobilizar, reclamar, pedir mais verba". Depois disso, eu tenho colecionadas aqui dezenas de notinhas de jornais contra mim.

Folha - O presidente ou alguém ligado a ele falou alguma coisa?
Cristovam -
Pelo contrário. O que me diziam era: "O presidente não vai tocar em você".

Folha - Quem dizia?
Cristovam -
O Gilberto Carvalho [chefe-de-gabinete de Lula] me disse isso no dia 13, quando fui à Guatemala. E, na volta, o presidente trocou uma reunião que seria de manhã para a tarde, para que eu pudesse estar.

Folha - De onde saíam as notinhas? O sr. se queixou?
Cristovam -
Uma vez, fui ao José Dirceu, entreguei isso aí [as notas] e expliquei que esse tipo de coisa criava um clima horrível. Um ministério é formado por gente que vem de outros Estados, que deixa seus empregos. Cada vez que você fragiliza um ministro, desarticula a vida de centenas de pessoas.

Folha - O que o Dirceu disse?
Cristovam -
Ele dizia: "Não é daqui que isso sai". Mas, após nossa conversa, as notinhas sumiram.

Folha - Por que o sr. escreveu uma carta ao ministro Luiz Gushiken reclamando de isolamento e da falta de diálogo com a área econômica?
Cristovam -
Eu não sou o único. Quase todos os ministros reclamam de isolamento. É como se a esperança estivesse prisioneira. A quantidade de propostas que eu tentei executar, sem conseguir... Vou dar um exemplo: está no plano de governo que toda criança tem direito a uma vaga na escola pública, e eu propus que fosse a partir dos quatro anos. Isso mudaria a educação brasileira. Bastava um decreto, mas eu não consegui passar. A idéia foi devolvida.

Folha - Por quem?
Cristovam -
Pela Casa Civil. Diziam que era inconstitucional. Ora, se a gente fez uma reforma da Previdência, por que não pode aprovar uma emenda constitucional para botar menino na escola? Aí me responderam: "Precisa de dinheiro". Na última reunião ministerial, fui o 13º a falar e perguntei como nós, do governo, tínhamos conseguido fazer tanto em tão pouco tempo. Reclamei que nós não conseguíamos mostrar isso e falei para o presidente: "O sr. mesmo só fala de economia, política externa e fome". Ninguém fala da área social. Qual o discurso de educação do presidente Lula? E qual o gesto simbólico que tivemos na área social? A educação é a marca do PT. Mas aí... Nem a tese de toda criança na escola aos quatro anos passou.

Folha - O fato de o sr. só ter entrado no PT dez anos após a criação do partido não explica o isolamento?
Cristovam -
É, pode ser. Eu votei no Brizola em 89, não sou da turma, e política é muito de turma. Nunca consegui penetrar, e acho que nunca me esforcei muito também. Mas acho que o governo Lula tem de dar um salto para ficar à altura do Lula. Aliás, eu falava o mesmo do governo FHC.

Folha - Alguma chance de reaproximação do PDT e de Leonel Brizola, que estão na oposição?
Cristovam -
Eu sou petista, sou da base de apoio do presidente Lula. Defendi a expulsão da senadora Heloísa Helena, como vou agora fazer tudo diferente?

Folha - Uma crítica é que o sr. é bom pensador e mau gerente.
Cristovam -
Como? Mau gerente? Fui governador, fui reitor. Diga um administrador brasileiro que realizou o que formulou? Pois está aqui [mostra outra pilha de papéis] o que formulei e o que realizei. A Bolsa-Escola, eu inventei quando era reitor da UnB.

Folha - O que o sr. espera do seu sucessor, Tarso Genro?
Cristovam -
Muita coisa, porque ele vai estar dentro do poder e porque o governo vai querer mostrar que eu não fiz e poderia fazer.

Folha - Ele vai dar uma guinada e priorizar as universidades?
Cristovam -
Não acredito. Ele vai cuidar das duas. Um governo como o de Lula não pode ficar cuidando só dos incluídos. Aliás, o que mais me incomodou na reforma foi a demissão da Benedita [da Silva]. Ela é um símbolo, tinha orgulho de sentar ao lado dela.

Folha - E Dirceu?
Cristovam -
Um político competentíssimo, mas não tem sensibilidade para os excluídos. Falando com franqueza, essa falta de sensibilidade é característica dos políticos de São Paulo. Dirceu e o próprio Lula têm cabeça de paulista.

Folha - O que se esperar do senador Cristovam Buarque?
Cristovam -
No Senado, vou ter voz. Até agora, só tive arroubos.


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