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HERANÇA E OMISSÃO
Acordo vetava menção de petista de polêmicas da era tucana
Lula e FHC rompem pacto de não-agressão de 2002
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em dezembro de 2002, nos bastidores de uma inédita transição
civilizada entre governos, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva selaram um pacto pelo qual a gestão petista não
mexeria em temas polêmicos da
tucana que pudessem ressuscitar
supostos casos de corrupção.
Em troca, seria facilitado todo o
acesso a informações e a adoção
imediata de medidas duras, como
a elevação dos juros para 25% ao
ano em 18 de dezembro de 2002.
Nas noites de 27 e 29 de dezembro, quando o casal Cardoso e o
casal Lula da Silva jantaram juntos sem a presença de outras pessoas, o tucano e o petista tiveram
conversas explícitas sobre assuntos da esfera privada, como a incômoda restrição da liberdade individual de um presidente, e da
esfera pública, como o acerto para
não tocar em assuntos que pudessem gerar crises no país, especialmente requentando denúncias e
instaurando clima de revanche.
Auxiliares de FHC e de Lula
confirmaram à Folha que ouviram dos dois relatos sobre os dois
jantares nos quais concordaram
em preservar um ao outro. O primeiro, numa sexta, foi oferecido
por FHC e Ruth Cardoso, ocasião
na qual a então primeira-dama
mostrou a Marisa Letícia da Silva
as dependências do Palácio da Alvorada. O segundo jantar, já no
domingo, aconteceu na Granja do
Torto, onde o casal Lula da Silva
viveu no período de transição.
A Folha apurou que FHC relatou a Lula como crises, algumas
motivadas por problemas na economia, outras derivadas de acusações de corrupção, tiraram energia do governo. O petista assegurou que não lhe interessava "olhar
para trás", até porque ele tinha
ciência da delicadeza econômica
em que pegava o país. O dólar e o
risco-país estavam em elevado
patamar, por exemplo.
Ressalvadas as trocas de farpas
públicas entre o petista e o tucano,
no qual Lula usava o discurso de
"herança maldita" e FHC rebatia
dizendo que o PT copiara sua gestão e nada avançara no social, o
acordo selado em dezembro de
2002 foi cumprido à risca até
quinta-feira, quando o atual presidente relatou ter evitado investigar uma suposta denúncia de corrupção da gestão passada.
Nos encontros que tiveram na
época da transição, Lula e FHC
acertaram que trocariam telefonemas, que teriam encontros, que
buscariam manter um clima cordial. No entanto, apesar de terem
boa relação pessoal, os dois travam uma disputa política que às
vezes beira a infantilidade, dizem
auxiliares de ambos.
FHC recebeu o apoio de Lula
quando candidato ao Senado em
1978. O petista perdeu duas eleições presidenciais para o tucano
(1994 e 1998), mas se elegeu seu
sucessor em 2002 com fortes críticas ao governo do PSDB. Nas conversas reservadas, FHC diz que
partiu de Lula o primeiro tiro para
quebrar a cordialidade, dando-lhe alfinetadas em discursos. O
petista diz que foi o tucano quem
atirou a primeira pedra, estimulando a subida de tom da oposição ao seu governo.
Recado e encontro
Apesar do clima ruim, auxiliares de Lula defendiam uma tentativa de aproximação com FHC,
por meio de um convite para uma
conversa ou até um telefonema.
Avaliavam que não interessa ao
governo estender um clima de crise política.
O petista está particularmente
contrariado com as críticas de
FHC em entrevistas recentes e
com a informação de que o tucano ajudou muito nos bastidores a
eleger Severino Cavalcanti (PP-PE) presidente da Câmara.
Por isso, membros do governo
disseram que Lula quis dar um recado a FHC. Na quarta, bateu duro em discurso lido e encomendado para atacar. Na quinta, improvisou e admitiu que mandou um
auxiliar fechar a boca a respeito de
suposto processo de corrupção
numa instituição (BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social) no processo
de privatização.
O ataque, calculado, saiu acima
do tom. Lula admitiu o erro, mas
na noite de sexta disse a auxiliares
que não atenderia ao pedido de
FHC para que se retratasse.
(KENNEDY ALENCAR)
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