São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2005

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HERANÇA E OMISSÃO

Acordo vetava menção de petista de polêmicas da era tucana

Lula e FHC rompem pacto de não-agressão de 2002

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em dezembro de 2002, nos bastidores de uma inédita transição civilizada entre governos, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva selaram um pacto pelo qual a gestão petista não mexeria em temas polêmicos da tucana que pudessem ressuscitar supostos casos de corrupção.
Em troca, seria facilitado todo o acesso a informações e a adoção imediata de medidas duras, como a elevação dos juros para 25% ao ano em 18 de dezembro de 2002.
Nas noites de 27 e 29 de dezembro, quando o casal Cardoso e o casal Lula da Silva jantaram juntos sem a presença de outras pessoas, o tucano e o petista tiveram conversas explícitas sobre assuntos da esfera privada, como a incômoda restrição da liberdade individual de um presidente, e da esfera pública, como o acerto para não tocar em assuntos que pudessem gerar crises no país, especialmente requentando denúncias e instaurando clima de revanche.
Auxiliares de FHC e de Lula confirmaram à Folha que ouviram dos dois relatos sobre os dois jantares nos quais concordaram em preservar um ao outro. O primeiro, numa sexta, foi oferecido por FHC e Ruth Cardoso, ocasião na qual a então primeira-dama mostrou a Marisa Letícia da Silva as dependências do Palácio da Alvorada. O segundo jantar, já no domingo, aconteceu na Granja do Torto, onde o casal Lula da Silva viveu no período de transição.
A Folha apurou que FHC relatou a Lula como crises, algumas motivadas por problemas na economia, outras derivadas de acusações de corrupção, tiraram energia do governo. O petista assegurou que não lhe interessava "olhar para trás", até porque ele tinha ciência da delicadeza econômica em que pegava o país. O dólar e o risco-país estavam em elevado patamar, por exemplo.
Ressalvadas as trocas de farpas públicas entre o petista e o tucano, no qual Lula usava o discurso de "herança maldita" e FHC rebatia dizendo que o PT copiara sua gestão e nada avançara no social, o acordo selado em dezembro de 2002 foi cumprido à risca até quinta-feira, quando o atual presidente relatou ter evitado investigar uma suposta denúncia de corrupção da gestão passada.
Nos encontros que tiveram na época da transição, Lula e FHC acertaram que trocariam telefonemas, que teriam encontros, que buscariam manter um clima cordial. No entanto, apesar de terem boa relação pessoal, os dois travam uma disputa política que às vezes beira a infantilidade, dizem auxiliares de ambos.
FHC recebeu o apoio de Lula quando candidato ao Senado em 1978. O petista perdeu duas eleições presidenciais para o tucano (1994 e 1998), mas se elegeu seu sucessor em 2002 com fortes críticas ao governo do PSDB. Nas conversas reservadas, FHC diz que partiu de Lula o primeiro tiro para quebrar a cordialidade, dando-lhe alfinetadas em discursos. O petista diz que foi o tucano quem atirou a primeira pedra, estimulando a subida de tom da oposição ao seu governo.

Recado e encontro
Apesar do clima ruim, auxiliares de Lula defendiam uma tentativa de aproximação com FHC, por meio de um convite para uma conversa ou até um telefonema. Avaliavam que não interessa ao governo estender um clima de crise política.
O petista está particularmente contrariado com as críticas de FHC em entrevistas recentes e com a informação de que o tucano ajudou muito nos bastidores a eleger Severino Cavalcanti (PP-PE) presidente da Câmara.
Por isso, membros do governo disseram que Lula quis dar um recado a FHC. Na quarta, bateu duro em discurso lido e encomendado para atacar. Na quinta, improvisou e admitiu que mandou um auxiliar fechar a boca a respeito de suposto processo de corrupção numa instituição (BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) no processo de privatização.
O ataque, calculado, saiu acima do tom. Lula admitiu o erro, mas na noite de sexta disse a auxiliares que não atenderia ao pedido de FHC para que se retratasse.
(KENNEDY ALENCAR)

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