São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2005

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RELIGIÃO

Censo diz que representação no clero é menor que na população brasileira; frei fala de "ideologia do embranquecimento"

Negros são minoria na igreja, revela estudo

FERNANDO MAGALHÃES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A representação de negros e pardos no clero católico brasileiro está muito aquém de sua presença na população brasileira. A informação foi obtida no Censo Anual da Igreja no Brasil, que foi concluído em janeiro e pela primeira vez perguntou a cor-raça de padres, diáconos, irmãos (religiosos não padres) e freiras.
O censo, realizado pelo Ceris (Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais), órgão da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), constatou que, entre os padres brasileiros, apenas 5,5% se declaram negros, e 14,14%, pardos, enquanto 78,9% são brancos.
Na população brasileira, esses percentuais são de 5,9%, 41,4% e 52,1%, respectivamente.
Para determinar a cor dos religiosos, o levantamento da Igreja Católica usou o critério da autodeclaração, o mesmo que é utilizado pelo IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O censo não incluiu os bispos, por considerar o contingente irrelevante para o trabalho de pesquisa.
Do total de 17.985 padres seculares (ligados ao bispo diocesano) e religiosos (ligados às ordens e às congregações), 14.059 responderam à pergunta sobre cor e raça. Desses, 78,9% se declararam brancos, enquanto 0,7% se disseram indígenas, e 0,4%, amarelos. Essas últimas categorias são as únicas em que a presença no clero equivale à encontrada na população brasileira em geral.
Um dos representantes da Pastoral Afro na Baixada Fluminense, frei Athyton Jorge Monteiro, o Frei Tatá, disse que o religioso negro precisa de valorização da sua auto-estima, devido a uma " forte ideologia do embranquecimento existente no Brasil ".
"É difícil para muitas pessoas admitirem sacerdotes negros. Um padre relatou, recentemente, que um fiel disse a terceiros na igreja que não o escolhia para celebrar o casamento para a foto não sair feia", relatou.
Frei Tatá referia-se aos depoimentos dados pelos padres negros, durante o 4º Encontro das Entidades Negras Católicas, que no mês passado reuniu 450 lideranças leigas e religiosas em Porto Alegre (RS).
A perspectiva de que a distribuição do clero por cor mude a curto prazo é pequena, a julgar pela distribuição racial dos diáconos, religiosos no estágio anterior ao sacerdócio. Entre eles, a presença de brancos é ainda maior, 86,6%, em detrimento de negros (3,7%) e pardos (12,6%).
A situação não é diferente entre os irmãos, religiosos não padres que vivem nos mosteiros e conventos. Desses, 76% são brancos, 6,4% são negros, 16,3%, pardos, enquanto amarelos são 0,4%, e indígenas, 0,9%. Entre as 31.861 freiras que responderam sobre cor e raça, 77,3% são brancas, 5,6% negras e 15% pardas.

Preconceito vocacional
"Isso tudo demonstra a dificuldade estrutural dos negros de estudarem e os preconceitos vocacionais que existem ainda hoje", analisa o padre Jurandir Azevedo, que é o coordenador da Pastoral Afro da CNBB.
A inclusão da pergunta sobre cor e raça no censo foi realizada a pedido da Pastoral Afro, que alegou precisar dos dados para realizar ações pastorais com a população negra. Segundo padre Jurandir, a pastoral pedirá à Ceris uma outra pesquisa, agora qualitativa.
A questão racial sempre foi motivo de certo mal-estar entre alguns integrantes da hierarquia religiosa no Brasil.
Em 1988, ano em que o Brasil comemorava o centenário da Abolição, a CNBB dedicou a Campanha da Fraternidade ao negro, com o lema "Ouvi o clamor deste povo".
O tema proposto provocou controvérsia na época. Na Arquidiocese do Rio de Janeiro, por exemplo, o então cardeal-arcebispo, dom Eugenio Sales, proibiu o texto-base da CNBB e adotou um texto próprio com outro lema, "Defenda as Cores".
Na época, o cardeal disse considerar o texto da CNBB fora de propósito, por supostamente privilegiar ideologias em detrimento da mensagem cristã.
Para o bispo de Bagé (RS), dom Gílio Felício, as descobertas do censo são de grande relevância. "Várias questões serão revividas, mas a pesquisa apresentada é uma contribuição para que se reflita sobre a valorização e estima do negro", afirmou.
Dom Gílio representa a Pastoral Afro no episcopado. A entidade recebeu no início deste ano carta do Vaticano, assinada pelo Prefeito da Congregação para os Bispos, cardeal Giovanni Battista Re, que incentivava o trabalho da pastoral brasileira, mas alertava para possíveis exageros.
Em resposta à carta, a Pastoral Afro disse que "no trabalho de inculturação vem tomando alguns cuidados para que em celebrações religiosas fique claro que o elemento afro presente é cultural e não cultual".
Os dados do censo serão apresentados em abril, na Assembléia Geral da CNBB, em Itaici, no município de Indaiatuba (SP).


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