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ENTREVISTA DA 2ª
CAMILLE PAGLIA
Autora de "Personas Sexuais" diz que banalização do politicamente correto dogmatiza a educação
Para feminista, esquerdismo acadêmico bloqueia debate
LEILA SUWWAN
DE NOVA YORK
A feminista Camille Paglia, 58,
não esconde o rancor quando o
assunto é o "politicamente correto" do establishment liberal dos
Estados Unidos, grupo cujo pensamento está mais associado à esquerda no país e que se contrapõe
aos conservadores. Com língua
afiada, queixa-se da uniformização e esterilidade do pensamento
acadêmico, da lavagem cerebral
feminista, da hipocrisia da esquerda moderna e resume o problema: "O liberalismo está intelectualmente exausto".
A derrota mais recente aconteceu mês passado, quando Larry
Summers, reitor da Universidade
Harvard, sucumbiu à pressão e
decidiu deixar o cargo. Poucos se
atreveram a defendê-lo em público e incorrer na mesma pecha de
preconceito, racismo e falta de sofisticação acadêmica. Entre esses
poucos, Paglia, mulher que se
descreve como persona non grata
dos campi mais prestigiosos dos
Estados Unidos, mas é uma das
intelectuais mais influentes no
país pela atitude libertária.
Para ela, Summers, que foi também secretário do Tesouro do governo Bill Clinton, errou apenas
na conduta, não no mérito das
polêmicas que criou. Acovardou-se diante de uma luta válida contra o "politicamente correto entrincheirado" de Harvard, que
também corrói outras faculdades
de elite do país. Arquiinimiga do
feminismo tradicional e "estalinista", considera que a "gafe" de
Summers sobre as diferenças inatas de aptidão científica entre homens e mulheres deveria ter suscitado a inclusão da biologia no
currículo de estudos de gênero,
não num pedido de desculpas.
Em palestra em janeiro de 2005,
Summers causou polêmica internacional ao propor uma investigação sobre as diferenças e a variabilidade dessas habilidades entre os sexos para explicar o número inferior de mulheres cientistas
e engenheiras. "Nada me agradaria mais do que estar errado", disse Summers então. Porém foi
pressionado a recuar e dizer que
foi simplista e não tinha embasamento empírico para sustentar
sua afirmação. Nisso, Paglia viu
mais uma vitória do politicamente correto feminista que promove
teses de que todas as diferenças de
gênero são resultado de condicionamento social.
Em 2001, Summers confrontou
o notório professor Cornel West,
cuja produção acadêmica considerava insuficiente para seu posto. West, acadêmico negro, trocou Harvard por Princeton, na esteira de um debate mal resolvido
sobre raça e mérito. Para Paglia,
um exemplo de mimos dados a
acadêmicos medíocres, protegidos pelo politicamente correto.
Paglia não poupa ataques a Harvard. Avalia que Summers fracassou na reforma de uma instituição mais prezada pela tradição e
rede de contatos profissionais do
que pela qualidade de educação.
Autora dos livros "Personas Sexuais", "Sexo, Arte e Cultura
Americana" e "Vamps e Vadias",
Paglia está promover seu novo
best-seller de análise poética,
"Break Blow Burn" (sem título
em português). Entre aulas e viagens, concordou em responder
por escrito a perguntas da Folha.
Leia a seguir trechos.
Folha - O que você acha que Larry
Summers estava tentando mudar
em Harvard?
Camille Paglia - O politicamente
correto entrincheirado, o elitismo
arrogante e uma indiferença
quanto à qualidade do curso de
graduação.
Folha - Por que ele fracassou?
Paglia - Ele teve pouca habilidade diplomática. Ele cometeu fiasco após fiasco, recorreu a brados
casuais e espontâneos em vez de
apresentar posicionamentos públicos razoáveis para estimular
uma política de reforma.
Folha - O episódio Cornel West foi
um exemplo de hipocrisia liberal?
Paglia - Eu não sou uma admiradora de West, que nunca produziu livros do porte de seu ranking
acadêmico cômodo e salário estonteante. Mas eu também não
acho que cabe a um reitor de uma
universidade cutucar ou provocar
um professor sênior da forma que
Summers fez com West.
Se o Summers quisesse travar
uma guerra contra a superpolitização do recrutamento de acadêmicos em Harvard, deveria ter
anunciado um programa de ação.
Agora, a fúria de West e sua ida
para Princeton foram uma eloqüente demonstração da indulgência e do mimo aos quais essas
estrelas estão acostumadas.
Folha - E o chamado episódio das
"mulheres na ciência"?
- O Summers também errou no
tratamento da questão de mulheres na ciência. Ele estava correto
em levantar a questão biológica
como fator de diferença entre os
sexos, algo que as feministas atribuem unicamente à injustiça social. Mas ele estava ingenuamente
despreparado para o bombardeio
e se entregou a seus críticos numa
rapidez vergonhosa, como um
cão com o rabo entre as pernas.
Poderia ter sido um momento
importante para o feminismo
americano, a introdução de biologia nos estudos de gênero. Hoje a
palavra "natureza" sequer pode
ser pronunciada. Essa área está
cheia de propaganda, retórica e
pensamento em grupo. Os alunos
estão sofrendo lavagem cerebral.
A maternidade é desprezada e os
homens são vilanizados.
Folha - Você avalia que a graduação de Harvard depende muito de
reputação e virou um ímã de alunos e professores carreiristas?
Paglia - A educação universitária de elite nos Estados Unidos virou uma indústria comercial frenética, um espetáculo repulsivo
de esnobismo de marca e materialismo explícito. Pais que pagam mais de US$ 40 mil ao ano
por um diploma de Harvard para
seus filhos estão ávidos por status,
mas não há evidência de que a
educação em Harvard seja superior à de centenas de outras boas
universidades.
Folha - Há recompensa para pensamento independente no mundo
acadêmico?
Paglia - Certamente não. O pensamento independente foi universalmente silenciado ou isolado. Eu sou persona non grata em
quase todos os campi no país, e leciono em uma pequena faculdade
de artes. A educação universitária
está cada vez mais estéril por causa da autodestruição das ciências
humanas desde os anos 70.
Folha - O que está acontecendo
com o politicamente correto no
mundo acadêmico?
Paglia - Muito pouca diversidade de opinião política é permitida
entre os professores de humanidades nos Estados Unidos. Só há
uma forma de pensar para uma
variedade de assuntos, de geopolítica a gênero.
Folha - Isso se traduz em que para
os alunos?
Paglia - Os estudantes estão sendo doutrinados pelo dogma do
relativismo e do niilismo por professores pós-estruturalistas ou
pós-construtivistas que parecem
não ter valores ou paixão real pelo
aprendizado. Por exemplo, Michel Foucault considerou "Esperando Godot", de Samuel Beckett,
uma influência marcante na geração de pensadores da França pós-guerra. Eu sempre desprezei Godot pelo pessimismo reacionário
e visão neurótica da fragmentação da cultura. A grande forma de
arte da minha geração foi o rock,
música empática, emocional, sensorial e conduzida pelos ritmos
sublimes da natureza.
Folha - E como o feminismo se
moldou pelo politicamente correto
nos últimos anos?
Paglia - No começo dos anos 90
eu declarei guerra contra o estalinismo do politicamente correto
no establishment feminista. Isso
causou controvérsia, especialmente minha defesa da pornografia e das revistas de moda. Mas,
graças à Madonna, minha ala do
feminismo ganhou a batalha. Ela
influenciou uma geração de mulheres que abraçou novamente o
sexo e a beleza.
Folha - E hoje? As mulheres não
estão se focando demais no chauvinismo americano?
Paglia - As feministas foram
marginalizadas nos Estados Unidos por causa dos excessos dos
anos 80 e início dos 90. A visão é
negativa, de estridência e extremismo. É uma situação desconcertante, mas é culpa das próprias
líderes feministas. Elas ficaram
obcecadas com aborto e assédio
sexual e negligenciaram assuntos
muito mais importantes que afetam as mulheres no mundo. Eu
acredito em igualdade de oportunidade: os obstáculos para o
avanço devem ser removidos,
mas sem proteções especiais.
Folha - E as cotas raciais, ajudaram ou atrapalharam?
Paglia - A ação afirmativa, como
diretriz federal, nunca deveria ter
se tornado um sistema de cotas.
Deveria apenas ter auxiliado negros da classe trabalhadora a obter acesso à educação universitária que não poderia ser bancada
por outros meios. Mas a ação afirmativa foi seqüestrada por mulheres brancas no meio acadêmico; esse é o verdadeiro escândalo.
Em todo campus da Ivy League
[designação das mais prestigiosas
universidades norte-americanas]
há exemplos gritantes de mulheres brancas e medíocres que fizeram chantagem para obter cargos
altos e lucrativos. São elas a pior
fonte do politicamente correto.
Folha - Você é democrata?
Paglia - Registrada e horrorizada com a desordem do partido.
Folha - Por que os democratas
não conseguem reagir?
Paglia - Não há liderança, coragem, programa para o futuro. É
assustadora a patética inabilidade
dos nossos senadores de capitalizar os erros de George W. Bush.
Folha - Como vê a ascensão do
neoconservadorismo?
Paglia - Eu respeito, mas não
concordo com o ponto de vista
conservador. Eles estão certos ao
dizer que "o liberalismo está intelectualmente exausto". Os democratas já perderam o apelo com o
público. Estamos numa era de
terrorismo, e isso pode durar um
século. Após o fiasco do Vietnã, os
democratas ficaram antimilitares,
e essa é uma das razões pela qual
são vistos como incompetentes.
Folha - E a questão religiosa?
Paglia - Essa é a segunda razão
pela qual o neoconservadorismo
aumentou seu poder. O humanismo secular, com o qual estou
comprometida, tornou-se vazio.
Eu sou atéia, mas reverencio as
grandes religiões como formas espirituais de relacionar a humanidade e o cosmos. Os neoconservadores oferecem a sensação de tradição, estabilidade e propósito
para quem repele o individualismo narcisista e hedonista do nosso tempo. Minha estratégia como
escritora é oferecer a arte como
uma alternativa à religião.
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