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ELIO GASPARI
FFHH teve um enorme êxito, num assunto chato
Quem estiver cansado da obsessão pelos fracassos ganhou um assunto chato para
acompanhar a história de um
êxito. Depois de ter globalizado
a economia nacional na condição de cavalgado, FFHH, conseguiu um sucesso contra os cavalcanti. Os americanos desistiram
de brigar contra o seu decreto
que permite ao governo brasileiro quebrar patentes de medicamentos estrangeiros em caso de
"emergência nacional ou de interesse público".
No início de 1999, quando o
ministro José Serra procurava
interlocutores para discutir a
necessidade da quebra das patentes, dificilmente encontrava
quem lhe desse cinco minutos de
atenção. Ministro da Saúde falando de saúde é coisa chata.
Um almoço na casa de um senador pefelê para discutir a aliança do quase nada com pouca
coisa parece muito mais interessante. Se isso fosse pouco, o tema
das patentes de produtos farmacêuticos, além de chato, é complicado.
Serra teve em FFHH uma caneta amiga. Os dois juntaram-se
para desafiar a indústria farmacêutica americana, e, em novembro de 1999, o governo baixou o decreto que lhe permite
quebrar patentes de remédios.
Fizeram isso sem demagogia,
até com elegância. Na defesa do
interesse de seus industriais, o
governo americano foi à luta.
Deu queixa à Organização
Mundial do Comércio e mandou a Brasília o secretário do
Comércio, William Daley. Trouxe o presidente do laboratório
Merck e o vice do Pfizer na comitiva. Afora isso, recorreu-se ao
velho sistema dos ataques anônimos. Ora vinham de "empresários do setor", ora partiam de
"autoridades americanas".
Afora FFHH e Serra, poucas
foram as vozes do governo que
defenderam a posição brasileira.
Ressalve-se a cruzada heróica
do ex-ministro Rubens Ricupero, pois, toda vez que ele ouve a
acusação de que o Brasil protege
a pirataria, lembra que não
houve nos sete mares piratas
com nomes de brasileiros. Os famosos chamam-se Fenton, Cavendish, Morgan e Drake.
Passou por baixo das pernas
da indignação nacional a acusação feita ao governo de FFHH
pelo equivalente ao ministério
do comércio exterior americano
de que a lei destinava-se a "criar
empregos para brasileiros". Como se isso fosse crime.
Tudo indicava que os EUA esmigalhariam o pleito brasileiro.
Ia mal a coisa até que num domingo de janeiro passado a revista dominical do "The New
York Times" trouxe uma reportagem de capa intitulada
"Olhem para o Brasil". Assinava-a Tina Rosenberg. Num esplêndido trabalho, ela foi de
Brasília a Nova Iguaçu. No andar de cima, entrevistou o ex-presidente José Sarney (autor do
projeto que assegurou tratamento público e gratuito aos
portadores de HIV). Foi ao de
baixo ver como viviam os aidéticos na Baixada Fluminense.
Mostrou os absurdos que os laboratórios queriam empacotar
numa discussão pretensamente
relacionada com a liberdade de
comércio e o direito de remuneração da pesquisa.
Ela informava: "A principal
razão pela qual só o Brasil oferece a terapia tripla é que, até agora, não havia um Brasil para
mostrar que isso é possível. Há
um ano e meio praticamente
ninguém falava em usar essa terapia nos países pobres".
Entre janeiro e o início desta
semana, quando os EUA jogaram a toalha, a posição brasileira foi apoiada por ONGs, governos e entidades internacionais.
O ministro Paulo Renato de
Souza poderia pensar que a reportagem de Tina Rosenberg foi
coisa do seu colega Andrea Matarazzo, para proteger José Serra. Pois, para desencanto de seus
inimigos e gargalhadas de seus
amigos, Serra não sabia quem
era Tina Rosenberg e não achou
tempo em sua agenda para recebê-la quando passou por Brasília. Conseguiu não ser citado na
reportagem mais importante de
sua vida pública.
Poucas políticas sociais do governo produziram resultados
tão bonitos quanto a dos remédios genéricos. Nenhuma negociação internacional de sua
banda cosmopolita teve êxito semelhante ao dessa disputa com
o governo americano.
Faz tempo, desde o dólar intocável a R$ 1,20 que convém ouvir FFHH com um pé atrás. Mesmo assim, é de justiça reconhecer que ele tinha razão quando
anunciou, em maio: "Vamos enfrentar a questão (da reclamação americana) com firmeza, serenidade, sem bazófia, mas não
cederemos um milímetros daquilo que é interesse do nosso
país e do nosso povo".
Parecia lero-lero, mas não era.
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