São Paulo, quarta-feira, 27 de junho de 2001

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ELIO GASPARI

FFHH teve um enorme êxito, num assunto chato

Quem estiver cansado da obsessão pelos fracassos ganhou um assunto chato para acompanhar a história de um êxito. Depois de ter globalizado a economia nacional na condição de cavalgado, FFHH, conseguiu um sucesso contra os cavalcanti. Os americanos desistiram de brigar contra o seu decreto que permite ao governo brasileiro quebrar patentes de medicamentos estrangeiros em caso de "emergência nacional ou de interesse público".
No início de 1999, quando o ministro José Serra procurava interlocutores para discutir a necessidade da quebra das patentes, dificilmente encontrava quem lhe desse cinco minutos de atenção. Ministro da Saúde falando de saúde é coisa chata. Um almoço na casa de um senador pefelê para discutir a aliança do quase nada com pouca coisa parece muito mais interessante. Se isso fosse pouco, o tema das patentes de produtos farmacêuticos, além de chato, é complicado.
Serra teve em FFHH uma caneta amiga. Os dois juntaram-se para desafiar a indústria farmacêutica americana, e, em novembro de 1999, o governo baixou o decreto que lhe permite quebrar patentes de remédios. Fizeram isso sem demagogia, até com elegância. Na defesa do interesse de seus industriais, o governo americano foi à luta. Deu queixa à Organização Mundial do Comércio e mandou a Brasília o secretário do Comércio, William Daley. Trouxe o presidente do laboratório Merck e o vice do Pfizer na comitiva. Afora isso, recorreu-se ao velho sistema dos ataques anônimos. Ora vinham de "empresários do setor", ora partiam de "autoridades americanas".
Afora FFHH e Serra, poucas foram as vozes do governo que defenderam a posição brasileira. Ressalve-se a cruzada heróica do ex-ministro Rubens Ricupero, pois, toda vez que ele ouve a acusação de que o Brasil protege a pirataria, lembra que não houve nos sete mares piratas com nomes de brasileiros. Os famosos chamam-se Fenton, Cavendish, Morgan e Drake.
Passou por baixo das pernas da indignação nacional a acusação feita ao governo de FFHH pelo equivalente ao ministério do comércio exterior americano de que a lei destinava-se a "criar empregos para brasileiros". Como se isso fosse crime.
Tudo indicava que os EUA esmigalhariam o pleito brasileiro. Ia mal a coisa até que num domingo de janeiro passado a revista dominical do "The New York Times" trouxe uma reportagem de capa intitulada "Olhem para o Brasil". Assinava-a Tina Rosenberg. Num esplêndido trabalho, ela foi de Brasília a Nova Iguaçu. No andar de cima, entrevistou o ex-presidente José Sarney (autor do projeto que assegurou tratamento público e gratuito aos portadores de HIV). Foi ao de baixo ver como viviam os aidéticos na Baixada Fluminense. Mostrou os absurdos que os laboratórios queriam empacotar numa discussão pretensamente relacionada com a liberdade de comércio e o direito de remuneração da pesquisa.
Ela informava: "A principal razão pela qual só o Brasil oferece a terapia tripla é que, até agora, não havia um Brasil para mostrar que isso é possível. Há um ano e meio praticamente ninguém falava em usar essa terapia nos países pobres".
Entre janeiro e o início desta semana, quando os EUA jogaram a toalha, a posição brasileira foi apoiada por ONGs, governos e entidades internacionais.
O ministro Paulo Renato de Souza poderia pensar que a reportagem de Tina Rosenberg foi coisa do seu colega Andrea Matarazzo, para proteger José Serra. Pois, para desencanto de seus inimigos e gargalhadas de seus amigos, Serra não sabia quem era Tina Rosenberg e não achou tempo em sua agenda para recebê-la quando passou por Brasília. Conseguiu não ser citado na reportagem mais importante de sua vida pública.
Poucas políticas sociais do governo produziram resultados tão bonitos quanto a dos remédios genéricos. Nenhuma negociação internacional de sua banda cosmopolita teve êxito semelhante ao dessa disputa com o governo americano.
Faz tempo, desde o dólar intocável a R$ 1,20 que convém ouvir FFHH com um pé atrás. Mesmo assim, é de justiça reconhecer que ele tinha razão quando anunciou, em maio: "Vamos enfrentar a questão (da reclamação americana) com firmeza, serenidade, sem bazófia, mas não cederemos um milímetros daquilo que é interesse do nosso país e do nosso povo".
Parecia lero-lero, mas não era.


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