São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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NO PLANALTO

Ex-PT é inimigo que sonegador pediu a Deus

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A vida flui mais suave para os que sabem escolher os inimigos. Bem-aventurados os sonegadores de impostos, que elegem o Estado como adversário.
Aqui se revelou, há três meses, a existência de um dique tributário na Receita Federal. Represaram-se débitos de 706.932 contribuintes.
São pessoas físicas e empresas. Juntas, devem R$ 8,5 bilhões ao fisco. Repetindo: R$ 8,5 bilhões. Embora incontroversa, a dívida não é cobrada.
Intrigado, o procurador da República Jefferson Aparecido Dias, de Marília (SP), foi à Justiça. Requereu o óbvio: que os passivos fiscais sejam executados.
O juiz federal Alexandre Sormani, também de Marília, achou que a barragem da Receita "foge à razoabilidade". E condenou Brasília a arregaçar as mangas.
Vence em 27 de julho, daqui a um mês, o prazo dado pelo magistrado para que os R$ 8,5 bilhões sejam inscritos em dívida ativa. O registro antecede a fase da cobrança judicial. Em vez de chamar à fala os mais de 700 mil contribuintes relapsos, a Fazenda achou melhor comprar briga com o juiz de Marília. Caso típico de escolha equivocada do inimigo.
Em recurso ao Tribunal Regional Federal (São Paulo), a Procuradoria da Fazenda Nacional pediu a revogação da sentença do juiz Sormani. Autor do texto, o procurador fazendário Cláudio Xavier Seefelder Filho esgrimiu uma tese curiosa.
Ele disse que o ajuizamento simultâneo de 700 mil "créditos tributários" provocaria "queda da arrecadação". Seria provocada pela "previsível lentidão na tramitação das cobranças".
É a primeira vez que a Fazenda vai ao Judiciário para demonstrar que a cobrança intensiva de tributos é prejudicial à saúde do erário. Para infortúnio dos sonegadores, o TRF não engoliu o argumento.
A juíza Consuelo Yoshida manteve a sentença de primeiro grau. Considerou que a situação "exige a imediata adoção de medidas", que levem "à formalização" dos créditos tributários.
Foi a segunda derrota judicial do governo neste caso. Antes do procurador Seefelder, um colega dele havia tentado, sem sucesso, barrar o processo.
Chama-se Luciano José de Brito. No afã de defender a Fazenda, acabou investindo contra a política de arrocho do chefe Antonio Palocci.
José de Brito reconheceu em seu texto a existência do estoque de débitos (R$ 8,5 bilhões). Admitiu "falhas" na cobrança. Atribuiu-as a "entraves burocráticos sistêmicos, orçamentários, administrativos e até mesmo políticos".
Vale recordar-lhe as palavras, reproduzidas aqui em março: "[...] A questão é muito mais política do que meramente administrativa, pois a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional luta bravamente por um acréscimo orçamentário para que possa desenvolver suas atividades com maior eficiência, mas sempre esbarra nos cortes orçamentários em prol de um superávit primário".
José de Brito lavou a alma da Esplanada: "Tal fato é de conhecimento público, pois a todo momento se escuta sobre cortes nos orçamentos, não só na Procuradoria, mas também em áreas sociais, como a educação e a saúde".
Governos anteriores notabilizaram-se por não encontrar soluções para os problemas. A administração do ex-PT inova. Recusa-se a enxergar o problema.
Nada deveria chamar mais a atenção do Ministério da Fazenda do que uma pendência tributária de R$ 8,5 bilhões. É como se um elefante passeasse pelos corredores da pasta de Palocci.
Súbito, a Procuradoria da República apontou o dedo para o elefante. E a equipe da Fazenda, em uníssono: "Elefante, que elefante?"
A Justiça, que é cega, também viu o elefante. Forçada a reconhecer que ocultava um elefante, a Fazenda ainda tentou embromar. Mas não há o que dizer quando se é pilhado escondendo um elefante.
Qualquer explicação soaria despropositada. Beira o escárnio o argumento de que o esforço para reforçar a bilheteria pode tumultuar o circo.
Lula já ornou a biografia com o título de algoz dos trabalhadores de salário mínimo. Se não tomar cuidado, a equipe da Fazenda irá presenteá-lo com a reputação de amigo dos sonegadores.


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