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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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REGIME MILITAR

Diante de decisão judicial, Planalto encampa versão do Exército

Governo vai defender que não há arquivo do Araguaia

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Palácio do Planalto, os ministérios envolvidos, a direção do PT e os comandos militares acertaram um discurso e uma ação comum diante da decisão judicial de quebra de sigilo das informações militares sobre a guerrilha do Araguaia: não entrar com recurso e alegar que os documentos simplesmente não existem.
Conforme a Folha apurou, o governo e o PT decidiram encampar o discurso habitual do Exército de que não havia documentos e, se havia, eles foram destruídos e não existem mais. Além disso, encampam a versão militar de que as testemunhas ainda vivas da guerrilha não conseguem identificar as covas improvisadas para os 61 desaparecidos cujas famílias, 30 anos depois, ainda reclamam seus restos mortais ao Estado.
O grande temor do governo é que essa questão detone manifestações "raivosas", "revanchistas" e "fora de hora" de setores da esquerda e do próprio PT, criando constrangimentos para o Planalto, inclusive nas suas relações com os militares. Esse movimento viria num momento já delicado, com o recrudescimento de invasões e confrontos tanto nas áreas rurais, sob o comando do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), quanto nas regiões urbanas, por estímulo de difusos grupos de sem-teto.
Assim, a possibilidade de o governo entrar com recurso contra a determinação judicial, proferida pela juíza federal Solange Salgado, da 1ª Vara Federal do Distrito Federal, é praticamente zero.
Na avaliação política dos setores envolvidos, o governo e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderiam ser acusados de "traição às bandeiras históricas do PT", partido que sempre encampou a defesa da abertura de documentos da guerrilha e da entrega definitiva dos restos mortais dos guerrilheiros.
Não faltam acusadores potenciais: além dos radicais do próprio partido, como a senadora Heloísa Helena (AL) e um grupo de deputados, os movimentos de direitos humanos, o MST e até os juízes e servidores públicos contrários à reforma da Previdência.
Entrar com recurso "seria dar carne aos leões", ouviu a Folha num gabinete chamado a participar das discussões e da decisão de como agir diante da complexa questão da guerrilha do Araguaia, movimento armado contra o regime militar conduzido pelo PC do B (aliado do governo Lula) na região do Bico do Papagaio, entre Tocantins, Pará e Maranhão.
A dedução em diferentes setores ligados à questão é que o Araguaia foi o assunto predominante da reunião de sexta, no Planalto, entre Lula, o ministro da Defesa, embaixador José Viegas, e os três comandantes militares -general Francisco Roberto de Albuquerque (Exército), brigadeiro Luiz Carlos da Silva Bueno (Aeronáutica) e almirante Roberto de Guimarães Carvalho (Marinha).
Oficialmente, porém, a reunião foi convocada para repassar a nova lista de promoções de oficiais das três Forças, e nenhum dos participantes comentou a questão do Araguaia, nem antes nem depois. Mas o fato é que o discurso vem sendo unificado no governo e no PT, e estão previstas novas rodadas de conversa na próxima terça-feira entre, por exemplo, Viegas, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e o advogado-geral da União, Álvaro Ribeiro da Costa.
O governo também tem mantido contato com o presidente do PT, José Genoino (ele próprio um dos guerrilheiros do Araguaia), com o secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, e com o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Luiz Eduardo Greenhalgh.
Os petistas Miranda e Greenhalgh têm liderado, ao longo dos anos, o movimento para a abertura dos documentos sigilosos do Araguaia e da entrega das ossadas às famílias. A posição deles agora, portanto, é especialmente embaraçosa. O governo aceita que eles mantenham o discurso para o "público externo", mas espera que não ajudem a botar Lula e o Planalto contra a parede.
A questão é tratada com cuidado e atenção em Brasília, principalmente porque envolve um outro Poder, o Judiciário. Não há como, por exemplo, enviar um emissário para conversar com a juíza e tentar colocar argumentos políticos. Isso poderia ser interpretado (e até divulgado) como pressão ou interferência indevida.


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