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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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Ministro do Trabalho atribui aumento do número das pessoas que procuram emprego à queda da renda em 2002

"Não sou ministro paliativo", diz Wagner

MARCIO AITH
EDITOR DE DINHEIRO

O ministro do Trabalho, Jaques Wagner, 52, admite que os primeiros meses do governo Lula, marcados por medidas econômicas restritivas, não foram propícios à geração de empregos. "Adotamos um modelo com a preocupação de não permitir que se desorganizasse a economia", disse ele em entrevista à Folha. "E é óbvio que esse modelo tem dois lados...É óbvio que, nesse aspecto, o modelo não contribui."
Apesar disso, Wagner sustenta que uma das razões para o aumento no número de brasileiros procurando emprego foi a queda da renda durante o último ano do governo anterior.
Com menos dinheiro em casa, mais pessoas foram trabalhar para manter o padrão de vida. O ministro citou vários esforços oficiais para reduzir o desemprego no Brasil, mas reconheceu que, se o país não voltar a crescer, todos fracassarão. "Se o êxito da primeira etapa não tiver como consequência o retorno do investimento e o crescimento econômico, o esforço terá sido inútil."
Wagner disse que não ingressou no governo para ser uma espécie de "ministro paliativo". Segundo ele, o emprego deve ser uma das "variáveis" principais da política econômica.
 

Folha - A política econômica do presidente Lula adicionou 287 mil novos desempregados às estatísticas, se compararmos o começo do governo ao primeiro semestre de 2002. Não são dados inquietantes para um governo que prometeu criar 10 milhões de empregos?
Jaques Wagner -
Qualquer desemprego é preocupante, nem que seja de uma só pessoa. E aí não estou falando só da questão do dinheiro. Refiro-me ao fato de o desempregado não se sentir útil na sociedade. É um drama para qualquer pessoa. Do ponto de vista do governo Lula, é preciso lembrar que a economia não se interrompe quando um governo novo é eleito. Ela é uma continuidade.
Nós tivemos, no ano passado, uma perda de 14% da renda em consequência da inflação. Esse dado, por si só, obrigou as famílias a colocar mais membros atrás de empregos para complementar a renda familiar. Isso explica, em parte, por que os dados, desde janeiro, apontam para uma subida da ocupação e, ao mesmo tempo, para uma subida do desemprego. Ou seja, temos mais gente ocupada e, ao mesmo tempo, mais gente desempregada, porque quem está ocupado está ganhando menos do que ganhava antes. Além disso, houve também a expectativa de um governo novo e, portanto, esperança nova. Pessoas que tinham abandonado a procura voltaram a buscar emprego.

Folha - O sr. disse que a economia não se interrompe quando um governo novo é eleito. Mas Lula foi eleito justamente para interromper os efeitos negativos de um modelo econômico. Quais ações o governo está tomando para cumprir essa promessa?
Wagner -
A primeira ação foi controlar a inflação, medida que corta a perda salarial. Com inflação menor, fica mais fácil a negociação salarial entre trabalhadores e empresários para recuperar essa perda -ou parte dessa perda. A primeira ação do governo foi organizar a economia e reduzir a inflação. Tivemos sucesso nisso. Também estamos fazendo várias ações pontuais na alavancagem do investimento produtivo e da geração do emprego. Aqui citaria a agricultura familiar, o Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar], onde colocamos R$ 5 bilhões, o microcrédito e a microfinança. Estamos ajudando pessoas de faixas salariais mais baixas a ter acesso ao financiamento, o que, consequentemente, alavanca o consumo e melhora a economia. Tivemos as ações do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador], que dará R$ 5,3 bilhões a diversos programas de turismo, de habitação e de revitalização de centros históricos. Assim, estamos focando os segmentos que são mais geradores de empregos. O programa do primeiro emprego foca nisso também. A expectativa é atender aproximadamente 90 mil jovens ainda neste ano.

Folha - O sr. acredita sinceramente que esses programas vão gerar postos de trabalho sólidos num ambiente de restrição ao crédito, aperto fiscal e estagnação?
Wagner -
Não somos vendedores de ilusão. O problema do desemprego é o maior drama social da humanidade neste começo de terceiro milênio. Digo da humanidade porque ele está presente em todos os países, desenvolvidos ou não. Os Estados Unidos estão com as taxas mais altas de desemprego em anos. Esse é um problema cuja matriz, na minha opinião, está no modelo econômico preponderante hoje, que é o modelo de globalização excludente.

Folha - Cite uma medida que o governo está tomando para se contrapor a esse "modelo de globalização excludente".
Wagner -
Economia, como a medicina, não é uma ciência exata. Concordo que adotamos um modelo com a preocupação de não permitir que se desorganizasse a economia completamente, e é óbvio que esse modelo tem dois lados. Para fazermos isso, restringimos o Orçamento e o investimento público. E é óbvio que, nesse aspecto, o modelo não contribui. Mas a economia não trabalha com uma só variável, seja ela juros altos, inflação, taxa de câmbio ou restrição orçamentária.
Estamos tentando encontrar o equilíbrio para ter o menor preço social num processo de arrumação. Mas não acho que o Brasil saia desse ciclo isoladamente. Estamos tentando rompê-lo com a posição do presidente da República, de líder mundial. Estamos preparando a Conferência dos ministros do Trabalho das Américas, para setembro, no Brasil. Vamos assumir a presidência. O foco da discussão é a globalização e a exclusão.

Folha - Não seria mais útil reunir ministros da Fazenda nesse fórum, já que são eles, e não vocês, os únicos ministros com poder e recursos em países que passam por ajustes, como o Brasil?
Wagner -
Esse era o script anterior. Agora quero dizer que quem manda é o presidente da República. Ele toma a decisão final e é óbvio que, no mundo inteiro, há uma tensão entre ministérios da área social e o da Fazenda. Rejeito a hipótese de ser um ministro para tratar das consequências negativas de decisões da Fazenda.

Folha - O senhor então não é um ministro paliativo?
Wagner -
Não, não sou um ministro paliativo. Não foi para isso que vim ao governo. Estamos trabalhando para que o emprego e a renda sejam variáveis tão importantes quanto as outras dentro das decisões de governo. Caso contrário, é como você falou: se eu não fizer isso, fico somente responsável para cuidar das consequências negativas.

Folha - O senhor mencionou o fato de a ocupação ter aumentado durante o governo Lula, juntamente com o desemprego. De fato, houve aumento da ocupação. Mas 68% desse aumento deu-se em áreas precárias: trabalhadores sem carteira assinada, por conta própria, subocupados...
Wagner -
Não contesto esse dado, mas os números do Caged [Cadastro Geral de Empregados e Desempregados], que é o sistema público de intermediação do Ministério do Trabalho, registram, nos primeiros seis meses do ano, um saldo líquido, positivo, de mais de de 500 mil novas carteiras assinadas. Nem todas essas carteiras são novos empregos. Dentro disso, você tem também a ação da fiscalização do Ministério do Trabalho, que, na minha opinião, é mais eficaz do que a anterior. Portanto aproximadamente 150 mil são trabalhadores que já estavam na informalidade e que, pela ação da fiscalização, foram legalizados. Mas houve um saldo líquido positivo nos empregos formais.

Folha - Mas o sr. concorda que o aumento da ocupação se deu basicamente em áreas precárias?
Wagner -
Concordo, mas, se você verificar essa mesma pesquisa do Caged, verá que os empregos no setor do agronegócio, comparados com dezembro de 2002, tiveram acréscimo de 17%. Houve um deslocamento dos empregos. O setor econômico que mais está puxando é o agronegócio.

Folha - Mas o trabalho rural é um dos mais informais...
Wagner -
É verdade, ele agrega muita gente do trabalho informal porque é sazonal. Tem o cidadão que vai para a colheita. Mas há outros esforços. Há medidas que eu acho que vão produzir resultados. Por exemplo, na Petrobras, empresa da qual sou conselheiro, há o investimento nas plataformas, que foram nacionalizadas -pelo menos parte delas. Estamos em fase final de licitação para a construção. Estamos investindo em segmentos que dão maior retorno à geração de emprego.

Folha - O sr. concorda que, se não tiver crescimento, todos esses esforços vão ser tragados pelo efeito colateral do ajuste, ou da arrumação, como o sr. diz?
Wagner -
Não tenho a menor dúvida. Na verdade, tínhamos o cenário de 1º de janeiro. Poderíamos ter feito duas apostas. Ou renegociávamos a dívida brasileira e, eventualmente, chegaríamos ao caos, à desarrumação total, ou tomávamos a decisão que acabamos tomando. Falamos: "Vamos ter que fazer um ajuste duro para arrumar as contas do Brasil". Tivemos êxito nesse aspecto.
Agora, concordo com você: se o êxito da primeira etapa não tiver como consequência o retorno do investimento e o crescimento econômico, o esforço terá sido inútil. Estamos numa lógica de mercado, numa economia globalizada. Estamos fazendo uma aposta com segurança. Mas vocês têm que registrar, ao mesmo tempo, o fato de o FAT nunca ter liberado tanto dinheiro para um investimento produtivo quanto neste ano. O presidente Lula faz questão de garantir que esses recursos cheguem ao destino. Falo como participante de todas as reuniões. O Banco do Brasil está construindo o Banco Popular do Brasil para capilarizar o crédito. Autorizamos também cooperativas de crédito abertas. Estamos desburocratizando, eliminando dificuldades. Nas áreas de microcrédito e de microfinança, bastará ao cidadão chegar ao banco, dizer o nome, endereço e pegar o dinheiro. Isso é inédito.


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