|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
QUESTÃO INDÍGENA
Iniciativa, que visa a formar professores da língua, é inédita
Homem branco ensinará
tupi a índios na Paraíba
LUCAS FIGUEIREDO
DA REPORTAGEM LOCAL
Karaíba amõ osó apyaba mbo'ebo abá nhe'enga resé petiguara retãme. Isso mesmo: um branco vai
ensinar tupi para os índios da Paraíba.
A iniciativa -que visa a formar
professores de tupi entre os índios
e recuperar o uso da língua, quase
morta- é inédita no país.
Daqui a duas semanas, o professor de tupi do Departamento de
Letras Clássicas da USP, Eduardo
de Almeida Navarro, partirá para
Baía da Traição, a 80 km de João
Pessoa, para dar início ao projeto.
Numa primeira fase, 60 índios
potiguara -os futuros professores de tupi- vão estudar a língua
em aulas diárias de três horas de
duração, durante seis meses. Depois, serão abertos cursos para
crianças e adultos.
"As crianças é que vão fazer a
língua ressuscitar. Será uma iniciativa histórica. É a primeira vez
que isso acontece no Brasil", afirma o professor Navarro.
O projeto foi idealizado no início deste ano, quando o professor
foi convidado a falar numa sessão
da Assembléia Legislativa da Paraíba.
Ele aproveitou a presença de vários índios potiguara (ainda restam cerca 8.000 no país) e fez parte do seu discurso em tupi.
Vários índios choraram de
emoção ao ouvir a língua que um
dia seus ancestrais falaram. Alguns deles então pediram ao professor que lhes ensinasse a língua.
O projeto tomou corpo, e a Comissão de Direitos Humanos da
Mulher Potiguara, com o aval da
Funai (Fundação Nacional do Índio), convidou Navarro para lecionar o tupi para os potiguaras.
Dos 40 grupos indígenas do
Nordeste, somente 1 conserva a
língua original -a nação fulnio,
que fala a língua de mesmo nome.
Concentrados nos Estados do
Amazonas e de Sergipe, poucos
são os índios que ainda falam tupi. "Eles, no entanto, têm a sorte
de o tupi ser uma língua gramaticalizada", afirma Navarro.
O tupi, língua clássica, foi a mais
estudada entre todas as faladas
pelos indígenas do país.
Na verdade, foi a língua mais
utilizada no Brasil até meados do
século 17.
"Os portugueses tiveram de
aprender o tupi -chamada na
época da colônia de "língua brasílica'- porque, do contrário, seria
impossível colonizar o país. Muitos africanos também falaram o
tupi", afirma Navarro.
Como herança dessa época, há
milhares de palavras e expressões
em tupi usadas até hoje, como
Pernambuco (fenda de mar),
nhenhenhém (falar, falar, falar),
pitanga (vermelho), Maracanã
(uma espécie de periquito), mirim (pequeno) e mingau.
No século 16, padre Anchieta
chegou a escrever peças de teatro
e poesias líricas em tupi e a traduzir o pai-nosso.
Mais que isso: o único livro que
padre Anchieta escreveu e viu ser
editado foi um manual de tupi, intitulado "A arte da gramática da
língua mais usada na corte do
Brasil".
A morte do tupi foi decretada
em 1758, quando o marquês de
Pombal, ministro do rei dom José
1º, proibiu o ensino da língua no
Brasil. "A língua portuguesa precisou ser imposta para ser de fato
adotada. Naquele momento, perdemos a oportunidade histórica
de ser um país bilíngue, como o
Paraguai (onde além do espanhol,
fala-se guarani)", diz Navarro.
Além de estudar a língua, o professor formará uma comissão de
índios para nominar, em tupi, palavras "modernas". "Vamos ter
de respeitar a língua e usar a criatividade. Por exemplo, não existe
a palavra geladeira em tupi. Vou
sugerir que se use, no seu lugar,
mba'emoróysara (algo como
"coisa de esfriar")", diz ele.
Navarro também prepara um
dicionário de tupi para ser usado
pelos futuros índios professores.
"Será um instrumento para eles
enfrentarem os novos tempos."
Texto Anterior: Histórico de desconfianças entre os países Próximo Texto: Imprensa: Treinamento da Folha abre inscrições Índice
|