São Paulo, Segunda-feira, 27 de Setembro de 1999
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IGREJA
Expoente da ala "conservadora", d. Boaventura defende que sacerdócio possa ser exercido só por certo período
Bispo propõe padres "temporários"

CARLOS ALBERTO DE SOUZA
da Agência Folha, em Porto Alegre

No Brasil, falta médico, professor e padre também, segundo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Atualmente, são 15 mil sacerdotes. A Igreja Católica estima que precisaria dobrar esse número para atender suas necessidades pastorais e enfrentar o crescimento dos concorrentes evangélicos.
A solução inovadora para enfrentar a falta de novas vocações é apresentada por d. Boaventura Kloppenburg, 79, um dos expoentes do "conservadorismo" católico: a ordenação de padres por tempo determinado.
Pela proposta, o sacerdócio seria exercido, por exemplo, por dez anos. Ao final do período, o religioso poderia renovar a opção pelo celibato ou encerrá-la, ficando livre para constituir família.
"É uma idéia de vanguarda", avalia o ex-frei Leonardo Boff, arqui-rival ideológico do bispo emérito (aposentado) de Novo Hamburgo (RS).
"É algo que não existe hoje. Quem propõe isso, propõe uma coisa que nem os protestantes têm. Por que não? As pessoas podem ser médico por dez anos, militar por 15", disse Boff.
Kloppenburg foi o mais ativo crítico da Teologia da Libertação no auge dessa corrente, nas décadas de 70 e 80. Boff foi um dos principais teóricos da chamada ala "progressista", que defendia maior politização do discurso da igreja e crítica à estruturação da sociedade capitalista.
A proposta de mudança na ordenação sacerdotal está contida no livro "Frei Boaventura Kloppenburg, OFM - 80 Anos por Cristo em Sua Igreja" (editora Metrópole, 448 páginas). As iniciais OFM referem-se à Ordem dos Frades Menores, à qual o religioso franciscano pertence.
É a primeira biografia do bispo, escrita pelo ex-padre e professor de filosofia José Alfredo Schierholt, seu sobrinho. O prefácio é do próprio Kloppenburg, cuja trajetória teve como primeiro grande momento a sua participação, ainda padre, como perito no Concílio Vaticano 2º (1962/1965), assembléia geral da cúpula da igreja que definiu a modernização de sua linha de evangelização.

Livre opção
O livro é resultado de consultas a diários e correspondências de Kloppenburg e também de conversas com ele. Nos bate-papos, o bispo formalizou sua idéia de sacerdócio por prazo determinado.
"Terminado esse tempo, o padre teria a livre opção de continuar por um novo prazo ou deixar o exercício do ministério para constituir família", disse Kloppenburg. Para ele, a maioria "certamente renovará sua opção, quando passar o prazo, até o fim da vida".
Dessa forma, de acordo com o bispo, os padres viveriam "sempre numa opção conscientemente renovada". Ele citou o caso das Irmãs Vicentinas. "Só fazem o voto por um ano e cada ano podem deixar a congregação."
Segundo Kloppenburg, a congregação das Vicentinas é a mais numerosa entre as ordens femininas da igreja.
O bispo afirmou que a maior dificuldade hoje para ordenar padres é a rejeição das novas gerações a compromisso para a vida inteira. Ele cita como exemplo o crescimento de uniões informais, nas quais os jovens preferem não formalizar o casamento.
"Conheci seminaristas que terminaram o curso de teologia, mas tinham medo de talvez não serem fiéis e preferiram não se ordenar, sem ter razões válidas para essa atitude. Se tivessem a possibilidade de opção para determinado tempo, solicitariam a ordenação e muito provavelmente a renovariam até morrer."
A idéia do bispo não deixa de ser também uma saída para a igreja contornar a polêmica sobre a exigência de vida celibatária para os quadros de sua hierarquia.
Sobre a proposta, a CNBB, por meio de d. Angélico Bernardino (encarregado do setor de Vocações e Ministérios), preferiu apenas dizer que há "espaço democrático" para discuti-la.

Redução de vocações
Kloppenburg foi reitor por cerca de dez anos do Instituto de Teologia e Pastoral para a América Latina, em Medellín (Colômbia), indicado pelo Celam (Conselho Episcopal Latino-Americano). A falta de padres é uma antiga preocupação sua.
"Hoje soube que nos últimos quatro anos saíram 24,6% das freiras de todo o mundo. Devem ser mais de 200 mil. E um monsenhor da Congregação para a Doutrina da Fé nos revelou que já são 30 mil os padres oficialmente reduzidos ao estado laical", escreveu em 26 de setembro de 75.
"Para mim, esses números revelam que deve haver uma falha grave no "sistema" e que todos esses casos já não são "pessoais'", completou.

Boa saúde
A exposição dessas idéias inovadoras mostra que Kloppenburg continua ativo, buscando influenciar os rumos da igreja mesmo aposentado desde 1995.
Durante 15 anos, o bispo foi membro da Comissão Teológica Internacional (órgão de assessoramento do papa, integrado por 30 membros), em três mandatos consecutivos de cinco anos, iniciados com uma indicação de Paulo 6º, em agosto de 1974.
Desconversando sobre sua atividade religiosa, Kloppenburg afirma que está "de malas prontas para a eternidade", mas não descuida da saúde. Recentemente, um check-up mostrou que "está tudo bem".
Pretende comemorar os 80 anos, em 1º de novembro, dando um mergulho na piscina que mandou construir no pátio de sua casa. Ele mora no prédio de uma escola desativada em frente à catedral de Novo Hamburgo (região metropolitana de Porto Alegre).
Aparenta ser forte e saudável, mas a idade lhe trouxe uma surdez, que exige o uso de aparelho auditivo. Há poucos dias, tropeçou caminhando na rua e sofreu luxação no braço direito.
O bispo cuida da alimentação para se manter com 82 quilos. À noite não come nada além de uma fatia de pão. À tarde, no dia em que recebeu a Agência Folha, serviram-lhe café com leite (em uma xícara com o distintivo do Grêmio, clube para o qual torce) e uma mexerica.
O religioso passa boa parte do tempo em um gabinete tomado por livros, revistas e fotografias (entre outras, dos seus pais e uma em que aparece com o papa João Paulo 2º). Desde o início da década de 50, já publicou 70 livros. Atualmente, gosta de usar o computador em suas atividades.
Ao reconhecer a importância de Kloppenburg para o pensamento católico, o "progressista" Boff disse que ele defendeu teses "importantes", que o credenciaram como um "teólogo singular", com "senso pastoral".
"Ele é um trabalhador infatigável, um escritor obstinado, dentro do parâmetro estritamente católico, ortodoxo", afirmou.
Boff, no entanto, evitou comentar a avaliação feita pelo bispo ao papa João Paulo 2º que desencadeou processo contra ele no Vaticano. Segundo a biografia, Kloppenburg disse ao papa que o então frei tinha "uma influência muito grande e nefasta" na Igreja Católica no Brasil.
"Só quero que ele vá para a eternidade feliz e tenha coragem de enfrentar o juízo. Ele foi um homem duro contra todo mundo. Ele precisa sempre de um inimigo para combater. O último inimigo dele vai ser a morte", sentencia o "progressista".
O lançamento oficial da biografia, que será enviada a todos os bispos brasileiros, ocorrerá no dia em que Kloppenburg completar seus 80 anos. Novas polêmicas o aguardam enquanto ele inaugura sua piscina.


Onde comprar: no momento, o livro está sendo comercializado só pelo autor, por R$ 40. Fone (0xx51) 714-3695. Rua Olavo Bilac, 491, Lajeado (RS). CEP: 95.900-000


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