São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 2002

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EXUBERÂNCIA ELEITORAL

Gerente da crise e administrador do caos

VINICIUS TORRES FREIRE

O novo presidente vai ter de assumir o governo em outubro. Se o novo presidente vier a ser Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu governo terá de começar com as urnas ainda quentes. Isto é, vai ter de anunciar equipe e linhas gerais de política econômica imediatamente, de modo a ter condições de dar início a seu governo de fato, em janeiro de 2003. De outro modo, em vez de ser apenas o "gerente da crise" que Fernando Henrique Cardoso prometeu não ser em 1998, o novo presidente, Lula da Silva em especial, será o administrador do caos.
A demonização de Lula da Silva, a especulação típica de períodos de volatilidade e incerteza e a tormenta financeira mundial, tornaram-se mais agudas nas duas últimas semanas. Tais fatores (e em especial o baixo crescimento do país), contribuem para aumentar a aversão dos investidores a colocar dinheiro no Brasil e levar o dólar à Lua. Em decorrência, será conveniente que o país consiga ainda mais dólares por meio do comércio e que economize ainda mais para conter a dívida do governo (que cresce com a alta do dólar). O que fazer?
Ontem, o Banco Central mostrou que a aversão a colocar dinheiro no Brasil avança por todas as frentes: caem os investimentos diretos (para investir em novas empresas, ampliá-las ou comprar as existentes), foge mais dinheiro e as empresas e o governo não têm condições de tomar mais dólares emprestados. O país precisa de uns US$ 45 bilhões por ano para fechar suas contas (pagar dívidas, remeter lucros das empresas estrangeiras, pagar os navios que transportam nossas mercadorias e os cartões de crédito dos turistas etc). De outro modo, quebramos.
Para evitar o pior e ter condições de governar no primeiro ano, o novo presidente terá de anunciar um choque radical tão cedo quanto possível. O novo governo terá de afogar o mercado com seu próprio remédio -administrar de maneira ortodoxa a ponto de derrubar o dólar e permitir que os juros possam cair. Isso implica: 1. Cortar mais despesas do governo. O superávit de 3,88% do PIB já é história, 4% é o patamar mínimo da discussão; 2. De início, não mexer na taxa de juros, para baixo ou para cima; 3. Anunciar equipe econômica respeitável.
Cortar despesas vai contribuir para conter a dívida e vai dar folga para que o país continue a exportar sem que a inflação seja mais pressionada e sem reduzir o potencial (pequeno) de crescimento de 2003. Vai acalmar os bucaneiros do mercado e, tudo o mais constante, pode até permitir corte de juros no final do primeiro trimestre, o que ajudaria também a desafogar as despesas do governo. Com sorte, isso poderia ser até o início de um círculo vicioso. Mas meias medidas quanto ao gasto do governo vão colocar tudo a perder. O choque terá de ser radical, tanto mais radical se Lula da Silva for eleito.
Aloizio Mercadante, candidato a senador e aspirante a ministro da Fazenda de Lula, tem dito ao mercado que o PT anuncia o presidente do BC logo depois da eleição. Ok. Falta só a diretoria do BC e o ministro da Fazenda. E convencer Lula e o resto do PT e agregados que o governo vai passar a pão e água no ano que vem, que é o que uma equipe econômica respeitável vai sugerir.
Tudo isso parece o que o FMI sugere, arrocho doloroso? Não parece, é. Não que o FMI esteja certo. O Fundo sempre diz a mesma coisa, não importa a situação. O problema é que o país foi à breca sob FHC e Pedro Malan. Se o presidente eleito quiser governar e tocar o seu programa, antes terá de tirar o país da UTI.


VINICIUS TORRES FREIRE, editor de Dinheiro, escreve às sextas-feiras


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