São Paulo, domingo, 27 de outubro de 2002

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ALCKMIN

PERFIL

Tucano mantém perfil moldado na 'revolução de Pinda'

JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL
JOSÉ ALBERTO BOMBIG
ENVIADO ESPECIAL A PINDAMONHANGABA

No início dos 70, quando boa parte dos jovens sonhava mudar o Brasil, ou, quem sabe, o mundo, Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho queria transformar a pequena Pindamonhangaba.
O então estudante de medicina, nascido em 7 de novembro de 1952 na cidade paulista, não militava em organizações de esquerda e tinha discreta participação no movimento estudantil. Recebeu de um amigo o convite para se candidatar a vereador. Foi eleito com cerca de 5.000 votos -um recorde para a Pinda da época.
Começava assim, meio por acaso, naquele 1972, a carreira política de Geraldo Alckmin, 49, que hoje, pelo PSDB, está próximo de ser reeleito governador paulista.
Geraldinho, como o governador ainda é conhecido em Pindamonhangaba, a 145 km de São Paulo, no Vale do Paraíba, cursava medicina na vizinha Taubaté e, segundo seus colegas da época, não pensava -e se pensava não contava a ninguém- em se candidatar sequer ao grêmio estudantil da faculdade.
Por conta disso, foi com surpresa que a família ouviu do rapaz magro a notícia de que havia aceitado o convite do então presidente do MDB de Pindamonhangaba, Paulo Delgado, para tentar uma vaga na Câmara Municipal.
Delgado arregimentava jovens para a disputa das eleições nas fileiras do Movimento Democrático Brasileiro, o MDB, que fazia oposição à Arena (Aliança Renovadora Nacional) e ao regime militar (1964-1985).
O objetivo de Delgado e seu grupo era renovar a cena política de Pindamonhangaba e deixar para trás nas urnas velhos caciques arenistas. Por conta do bipartidarismo imposto pela lei, os jovens da cidade se abrigaram sob a mesma legenda que deu guarida nos anos 70 a radicais de esquerda e a adeptos da luta armada.
A "revolução" dos "moços de Pinda", como diz o engenheiro Eduardo San Martin, 49, amigo de Alckmin, foi vitoriosa e a turma chegava ao poder com muito idealismo e pouca ideologia.
"Nós entramos na política não por uma questão nacional, mas para mudar a cidade", conta San Martin. Vizinhos quando crianças, os dois viajavam juntos para Parati, litoral do Rio de Janeiro, durante a juventude.
Após ter presidido a Câmara, Alckmin dizia aos colegas: "Vou ser médico, não político". O jovem vereador Alckmin Filho havia sido sondado pelo partido para ser candidato a prefeito.
Um dos principais articuladores foi o então prefeito, João Bosco Nogueira, que havia sido eleito na chapa da renovação. Depois de muita insistência dos colegas, disse: "Tudo bem, mas temos de falar com o meu pai".
A consulta ao "doutor" Geraldo, antes de decidir aceitar o convite para disputar a prefeitura, não era mais uma firula de um candidato titubeante. Alckmin perdera a mãe cedo. Miriam Penteado Alckmin tinha 49 anos quando morreu de complicações cardíacas agravadas por uma bronquite asmática.

"Palhacinho da mamãe"
Aos 10 anos, Geraldinho, o caçula do casal, só foi informado no final da tarde daquele 12 de junho que a mãe amanhecera morta. "Ele ficou muito abalado, sofreu de verdade e passou a ficar apegado demais com nosso pai, que viraria mãe e amigo", conta Maria Isabel Alckmin, 56, a Bebé, irmã mais velha do governador.
Apesar da forte ascendência sobre o filho, o velho Geraldo, agrônomo do Estado, enxadrista exímio, costumava não interferir nas decisões do filho. Alckmin aceitou o convite e, aos 23 anos, em 1976, foi eleito prefeito. O pai o acompanhou na prefeitura, onde foi chefe de gabinete de Alckmin.
O procurador de Justiça Thiers Fernandes Lobo, que seria o candidato a prefeito, acabou saindo como vice. "Na campanha, eu comia pão com mortadela. Ele não. Ficava apenas na garapa."
Alckmin é comedido na alimentação. Jovem, não bebia nem fumava. Sugeria aos amigos mamão depois almoço. "É digestivo", dizia. Um dia na casa da avó, já prefeito, ele sumiu. Foi encontrado em uma árvore, de terno e gravata, comendo jabuticabas.
Depois de Bebé, nasceu Mimi, Maria Aparecida Alckmin, hoje com 52 anos. "Eles queriam o primeiro filho homem. Só na terceira tentativa é que o Geraldinho nasceu. Foi o xodó da mamãe", diz a irmã mais velha do governador, que era chamado de "Palhacinho da Mamãe". Como Mimi, criança, não sabia repetir a brincadeira, chamava o caçula de "Paiau", apelido que duraria entre os três irmãos até os dias de hoje.
Apesar de tranquilo, Alckmin também aprontava. "Ele reinava. Pegava nosso batom e escrevia em uma penteadeira", disse Bebé.
As molecagens do menino eram encobertas por Thereza Faria Santos, 62, a Nhá, a pajem que ajudou a criar Alckmin e mora com a família em Pindamonhangaba. Até hoje ela recebe telefonemas das cozinheiras do Palácio dos Bandeirantes em busca das receitas preferidas do tucano.
Do pai, que era católico franciscano, herdou a religiosidade. Em um filme 16 mm, guardado por San Martin, é possível ver Alckmin aos seis anos fazendo a primeira comunhão.
Com a morte da mãe, a família deixou o sítio onde vivia e foi morar com os avós maternos de Alckmin no centro de Pinda. É dessa época a professora mais brava que o menino teve: a freira alemã Sigsberta, que colocava as crianças de castigo no canto da sala e era o motivo de calafrios.
No colégio, o governador não era o primeiro da turma, mas se destacava pela boa memória. Dizia-se santista, como o pai, mas não era muito fã das partidas de futebol. Jogava apenas quando elas eram no campinho do sítio.
Mesmo prefeito, Alckmin concluiu a residência e tornou-se anestesista. Chegou a exercer a profissão na Santa Casa de Pinda, mas, em 1982, se elegeu deputado estadual pela primeira vez.
Antes, em 1979, casara-se com Maria Lúcia, que ele conhecera em um baile em Pinda. "Eu lembro que no dia seguinte ao baile o Paiau já falou dela para mim. Estava apaixonado", diz Mimi. Ele e "dona Lú", como a primeira-dama ficou conhecida, têm três filhos - Sophia, 22, Geraldo Neto, 21, e Thomaz, 19, estudantes.
Na Assembléia, Alckmin expandiu sua base eleitoral, reelegeu-se e, em 1986, lançou-se candidato à Constituinte. Eleito para a Câmara dos Deputados, aproximou-se de Mário Covas (1930-2001), Franco Montoro (1916-1999) e Fernando Henrique Cardoso, o grupo de cardeais do então PMDB que, com o atual governador, fundaria em 1988 o PSDB.
Em Brasília, não chamou a atenção do grupo pela habilidade política, mas pela dedicação e pelo espírito apaziguador. O trabalho no Congresso ajudou Alckmin a ganhar a indicação dos tucanos para ser vice de Covas em 1994 e 1998.
Em 2000, candidatou-se à Prefeitura de São Paulo, mas perdeu a vaga no segundo turno para Marta Suplicy (PT) por 7.691 votos. Covas, satisfeito com o desempenho de seu vice, comentava: "Não disse que ele era bom?".
No Palácio dos Bandeirantes, coordenou o processo de desestatização e assumiu o comando em março do ano passado, com a morte de Covas. Em janeiro, a crise da segurança colocou em xeque sua capacidade de liderança.
Alckmin começou a campanha em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás de Paulo Maluf (PPB). Na TV, propagandeou à exaustão as realizações da gestão tucana. Discreto, Alckmin construiu uma extensa rede de apoio político no Estado, formada por prefeitos e deputados. Essa será sua base nas eleições de 2006.


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