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ENTREVISTA DA 2ª
MARINA SILVA
Ela defende o governo e o presidente Lula, mas apóia ONGs que criticam a política ambiental
Ministra diz que não vai engolir princípios e descarta pirotecnia
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A ministra Marina Silva (Meio
Ambiente) vai ter uma semana
decisiva no governo e avisa que
não vai fazer "pirotecnia ambiental", mas também não aceita "engolir princípios".
Em entrevista à Folha no sábado, na casa de uma assessora em
Brasília, a ministra deixou claro:
"Engolir sapo, vaidade e algumas
derrotas faz parte, mas engolir
princípios, jamais. É preciso que o
dirigente maior banque suas posições. E eu não vou fazer pirotecnia ambiental".
Aos 45 anos, Marina é uma espécie de ícone dos ambientalistas,
mas tem perdido batalhas importantes no governo do seu partido,
o PT. Uma delas, a importação de
pneus usados. Outra, o plantio de
soja transgênica.
Ela, porém, faz uma distinção
entre medidas conjunturais, como a que permitiu o plantio, e as
estruturais, que vão definir limites de poderes e de áreas para o
avanço dos transgênicos no país.
Um passo importante será dado
amanhã, em nova reunião de 11
ministros no Palácio do Planalto,
para acertar se a CTNBio (a comissão de biossegurança) terá
efeito vinculante, ou seja, estará
acima dos ministérios, ou se apenas dará pareceres.
Na entrevista, Marina defendeu
o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e o governo, mas também
apoiou os movimentos das ONGs
que criticam a política ambiental.
Abaixo, trechos da entrevista:
Folha - O núcleo duro do governo
define as políticas, e os ministros
das áreas são periféricos. A sra. se
sente periférica?
Marina Silva - Ter uma coordenação de governo que puxa os temas para ela dá a idéia de uma
centralização exagerada. Ter 11
ministros por nove meses debatendo o que fazer em relação aos
organismos geneticamente modificados é algo inovador.
Folha - O que se propõe é que a
decisão vá para um conselho de ministros. Isso não significa jogá-la
para o núcleo duro?
Marina - O projeto ainda está
sendo definido. Mas posso dizer
que será uma decisão consistente.
Folha - O que é uma solução positiva para a sra.?
Marina - É aquela que criará um
marco legal adequado, que considere os avanços da legislação ambiental. A sociedade, inclusive o
setor produtivo, às vezes tem medo quando se fala da implementação e da conquista da legislação
ambiental. Mas esse é o caminho
correto. Quando se fala em princípio da precaução e do licenciamento ambiental, as pessoas lêem
que isso é desculpa para não
fazer. Durante
sete anos, tentou-se um atalho, ou seja, foram dados poderes à
CTNBio para
que ela dissesse
se precisava ou
não de licenciamento. Isso,
no entendimento das pessoas, seria a
forma de viabilizar sem os
"obstáculos
ambientais".
Mas a história
mostrou que
não. O processo foi à Justiça
e o caso parou.
Folha - Como compartilhar interesses ambientais e do agribusiness?
Marina - Os conflitos de interesse vão existir sempre. Não é errado ter interesses. O problema é
quando o interesse de um setor se
sobrepõe a todos os demais. O Estado entra como mediador.
Folha - Como se explica que as
ONGs façam um manifesto tão duro
contra o governo?
Marina - Qualquer sinalização
que pareça a não-implementação
dessa agenda dispara alertas. Isso
não é negativo. Quero ser alertada
o tempo todo.
Folha - A saída do deputado Fernando Gabeira do PT não foi um
alerta?
Marina - Ele entendeu que a forma de contribuir com o governo
foi mostrar que estamos no sinal
amarelo para algumas questões:
transgênicos, pneus. Mas tenho
certeza de que na história, prevalecendo o processo de construção
de política integrada, ele estará
junto. Se fomos capazes de compor o tempo todo na questão ambiental com o governo Fernando
Henrique Cardoso, porque não
no governo Lula?
Folha - Quem está sendo incoerente: Gabeira ou governo?
Marina - Os dois estão sendo
coerentes. O Gabeira está coerente com suas posições históricas. Já
o governo Lula está em um processo de estabelecimento de um
novo paradigma. Havia 22 anos
tentávamos implementar essas
idéias. Sair dos instrumentos de
comando e controle para o diálogo entre meio ambiente e desenvolvimento requer processo.
Folha - A sra. busca alianças com
ministros para reagir a imposições
do núcleo duro?
Marina - As alianças têm a concordância do governo. A palavra
final sempre foi do presidente,
com ou sem discussão. A diferença é que o presidente está se expondo nos debates.
Folha - Marcelo Furtado, do
Greenpeace, diz que o presidente
não entende nada de desenvolvimento sustentável.
Marina - Vamos pegar o exemplo do mogno. Lula ouviu o Ministério do Meio Ambiente e fez
um decreto para resolver esse
problema. Ou seja, em cinco meses o presidente Lula tomou a decisão e nos colocou para operá-la.
Vocês acham que eu e Roberto
Rodrigues [Agricultura] só brigamos o tempo todo, mas, no caso
do mogno, os dois ministérios
trabalharam juntos.
Folha - A sra. e Rodrigues "brigam" no grande tema do momento: transgênicos.
Marina - Quando a gente tem
uma cabeça de processo, não joga
a criança junto com a água do banho. Há divergências, mas, naquilo em que a gente pode trabalhar
junto, a gente está trabalhando de
forma pacífica.
Folha - Que acordo é possível para os transgênicos?
Marina - É preciso ver que há
duas situações distintas. Uma,
conjuntural, e outra, estrutural.
Houve uma medida provisória favorável [ao plantio dos transgênicos na próxima safra], porque era
preciso escoar a produção. A segunda eu não
quero comentar porque
todos sabem o que penso. Nesses dois casos, o
governo dialogou com a
conjuntura. O ministro
da Agricultura se fixou
muito na conjuntura e
teve as respostas que
buscou para o seu setor.
Eu me coloquei sob a
perspectiva da estrutura. O que eu busco? Um
marco legal adequado.
Há um esforço do governo para definir outras questões, como a
composição e o raio de
ação da CTNBio.
Folha - É possível decidir já na reunião de terça
[amanhã]?
Marina - Sim. O ministro José Dirceu ficou de fazer a
síntese das contribuições e apresentar já na terça. Está demorando tanto tempo justamente por isso. O presidente Lula quer dar importância à questão ambiental,
mas também à agricultura.
Folha - Mas as decisões conjunturais não condicionam e definem as
estruturais?
Marina - Eu divergi da medida
provisória, mas o Meio Ambiente
não se eximiu de apresentar propostas que mantivessem limites:
não plantar em áreas de proteção,
indígenas, de abastecimento público e estratégicas para análise de
biodiversidade. Essa foi uma ponte para o estrutural, para o licenciamento ambiental.
Folha - E a falta de adesão? No RS,
só 1% dos que pretendem plantar
soja transgênica aderiram.
Marina - Está muito baixo. Dirceu já conversou com o grupo de
implementação da MP e com o
governo gaúcho, senão não terão
direito a crédito.
Folha - Por que ninguém se interessa em assinar?
Marina - Consolidou-se depois
de sete anos, a cultura do fato consumado. Criou-se um atalho e daí
a desobediência civil. O governo
atual poderia fazer a mesma coisa.
Não estavam plantando, não estavam vendendo? Então, para que
todo esse desgaste? A coragem foi
chamar para discutir.
Folha - Quem garante que não
vão continuar sendo plantados?
Marina - Além da fiscalização,
tem de haver lei com dente e unha
afiada. Quem desobedece e não
faz os ajustamentos de conduta fica sem crédito. E o que se busca é
uma transição, porque a legislação tem de ser cumprida.
Folha - A sra. defende linha dura
para sem-terra como para agricultores dos transgênicos?
Marina - Não é linha dura. Vem
uma linha dura do setor ruralista
dizendo que a lei tem que ser
cumprida ao pé da letra com os
sem-terra, porque a propriedade
privada é sagrada e valem até milícias particulares. Mas, quando é
para cumprir a legislação ambiental no caso dos transgênicos,
aí eles vêm com a desobediência
civil. A lei tem de ser cumprida
por ruralistas, ambientalistas e
sem-terra. Não pode é a lei só valer para os excluídos. Os ruralistas
tiveram várias oportunidades: da
comercialização, do termo de
ajustamento de conduta. E continuam pregando desobediência.
Folha - A sra. defende tanto a lei,
mas ambientalistas acusam Lula
de jogar a Constituição no lixo para
dar superpoderes à CTNBio.
Marina - Isso em relação aos
transgênicos, mas estamos fazendo um debate de oito meses e todos nós amadurecemos e poderemos ficar positivamente surpreendidos com os resultados de
terça. Resultados que trouxeram
muito desgastes quando resolveram os problemas de conjuntura
e que necessariamente terão que
dialogar com os avanços da legislação na questão estrutural.
Folha - Idealmente, o que a sra.
espera da CTNBio?
Marina - A comissão deve se manifestar quanto aos aspectos de
biossegurança, dando parecer favorável ou não, e aí ele deve subir
para os órgãos de registro e fiscalização. Esse não é só o meu entendimento, mas da lei que foi aprovada anteriormente, com veto em
dois artigos. O problema é que as
pessoas pensam que não dá para
cumprir a lei e inventam atalhos.
Conheço muitos atalhos que nos
levaram a abismos. Também não
podemos transformar isso num
cabo-de-guerra ideológico. Trata-se de uma questão técnica.
Folha - O que a sra. acha das críticas que as ONGs vêm fazendo a decisões ambientais do governo?
Marina - Elas
estão dando os
alertas que precisam ser dados, estão criticando num
sentido positivo. Quando eu
criticava no
governo FHC,
era num sentido positivo,
mesmo quando era dura. E
muitas vezes
foram vitoriosas, como no
caso dos subsídios da borracha na Amazônia.
Folha - Ou seja, a sra. defende o
governo, mas também concorda
com a pressão das ONGs.
Marina - A pressão é sobre mim,
porque eu sou governo e concordo com ela. As pessoas não estão
apenas criticando. Elas estão nos
cobrando coisas que são monstros sagrados da política ambiental. São coisas que, se não forem
seguidas agora, vão fazer muitas
outras coisas irem por água abaixo ao longo do tempo. E que bom
que elas estejam nos dizendo isso
nos primeiros dez meses de governo, enquanto dá tempo de fazer, de mudar, de ouvir.
Folha - De certa forma, portanto,
a pressão das ONGs é boa para a
sra., fortalece sua trincheira dentro do governo?
Marina - Elas dão um sinal necessário para o governo, e eu disse: "Eu vou fazer política de governo, não política de ministério.
E não me disponho a ser presidente da ONG do governo". O
que eu quero é interagir com todos os ministérios, de infra-estrutura a turismo, para colocar meio
ambiente no coração do governo.
Ministério do Meio Ambiente
tem de ter interlocução dentro do
governo, e o papel das organizações sociais é seu legítimo papel
de interação com o governo. Em
alguns aspectos, eles vão estar
sempre à frente do governo.
Folha - Um dos problemas da sua
área não é o carimbo de que meio
ambiente é perfumaria?
Marina - A melhor forma quando você quer destruir seu interlocutor é vulgarizar o argumento
dele, e eu fui vítima disso a minha
vida toda, mas eu não tenho medo. No Acre, quando eu defendia
fazer estrada com demarcação de
terras indígenas, preservando as
reservas, espalhavam que eu era
contra o desenvolvimento. Queriam me
apedrejar. Hoje, estamos fazendo as estradas
com todos os cuidados.
E, graças a Deus, nenhum dos políticos que
diziam que eu era contra
foi eleito.
Folha - Como a sra. se
sentiu sabendo sobre a
importação dos pneus
usados pelos jornais?
Marina - Eu aprendi
muitas vezes a engolir
meu orgulho, minha
vaidade. Aquela foi uma
situação muito delicada
de início de governo. O
ministro Celso Amorim
[Relações Exteriores] e
eu estamos conversando e acho possível reverter essa situação.
Folha - A sra. acha que poderá ter
de engolir o orgulho e a vaidade na
terça [amanhã], com a decisão do
Planalto sobre a CTNBio?
Marina - Engolir orgulho, vaidade e algumas derrotas faz parte,
mas engolir princípios, jamais. É
preciso que o dirigente maior
banque suas posições. E eu não
vou fazer pirotecnia ambiental.
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