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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ CASO CELSO DANIEL
Na CPI dos Bingos, Gilberto Carvalho e irmãos de prefeito petista trocam acusações e mantêm versões contraditórias sobre o caso
Acareação não elimina dúvidas sobre crime
LILIAN CHRISTOFOLETTI
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
HUDSON CORRÊA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
Frente a frente por sete horas
com os irmãos do prefeito assassinado de Santo André, Celso Daniel (PT), o chefe-de-gabinete do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Gilberto Carvalho, os acusou
de servir a interesses da oposição
ao governo e negou ter entregue
R$ 1,2 milhão em propina ao deputado José Dirceu (PT-SP).
Na acareação promovida ontem
pela CPI dos Bingos, os irmãos
João Francisco e Bruno Daniel
disseram que Carvalho mente a
serviço do governo federal e do
PT. Os dois disseram que, em três
ocasiões logo após a morte de Daniel, Carvalho falou que transportava dinheiro desviado de Santo
André para Dirceu, então presidente do PT. Carvalho era o secretário de Governo da prefeitura.
"Você se esqueceu que, naquele
dia em casa [uma semana após o
crime], entre um pedaço de bolo
de aipim e outro, você não parava
de falar. Disse que tinha medo de
transportar tanto dinheiro para
José Dirceu num Corsa preto?",
perguntou João Francisco.
Carvalho respondeu que as declarações dos irmãos são criativas,
mentirosas e levianas.
João Francisco reagiu: "Eu desafio o senhor com um teste de polígrafo [detector de mentiras] de
organismo internacional, porque
em nacional não acredito. Vamos
ver quem está falando a verdade.
Vamos acabar com essa palhaçada aqui. Eu sabia que o senhor ia
negar. É homem de governo, assessor do Lula".
"Primeiro que isso aqui não se
trata de uma palhaçada", afirmou
Carvalho, voltando a negar a acusação. A princípio, ele não respondeu sobre o teste de mentira.
Depois, questionado pelo senador José Jorge (PFL-PE), afirmou:
"Eu não conheço essa prática do
polígrafo, mas não tenho medo de
participar, podemos fazer".
Ainda na versão de João Francisco, sua mulher Marguerita servia o bolo de aipim a Carvalho,
quando ele relatou a corrupção.
"Vou revelar: a outra testemunha
[da conversa, além de Bruno] está
aqui no Senado. É a minha mulher", afirmou. O senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA)
convenceu a CPI a não chamá-la.
"É esposa dele, qualquer um levantará suspeita", justificou.
A avaliação dos senadores é que
a acareação pouco contribuiu para elucidar os fatos. "Eu não espero milagre de acareação. Os dois
lados se equivaleram", afirmou o
relator da CPI, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN).
Celso Daniel foi encontrado
morto a tiros no dia 20 de janeiro
de 2002, após ser seqüestrado no
dia 18. Meses depois, o Ministério
Público de Santo André denunciou à Justiça um suposto esquema de corrupção na prefeitura da
cidade que teria sido montado para abastecer contas eleitorais do
PT. Ao tentar romper com o esquema que ele mesmo montou,
segundo o Ministério Público e
como admitem os irmãos, o prefeito teria sido assassinado.
A afirmação de Carvalho de que
os irmãos estariam fazendo parte
de um jogo político da oposição
colocou a CPI em ebulição. O presidente da CPI, Efraim Morais
(PFL-PB), disse: "Então o senhor
culpa a oposição por tudo". O líder do PT na Câmara, Henrique
Fontana (RS), quis falar a favor do
assessor de Lula. "O senhor é deputado, não fala, aqui é CPI, não
CPMI [mista], é só de senadores",
reagiu Efraim.
Filha
Enquanto os irmãos bateram de
frente com Carvalho, acusando-o
de ter participado da coleta de
propina na prefeitura e de ter agido de forma parcial na apuração
do crime, o chefe-de-gabinete
adotou uma estratégia diferente.
Disse que Bruno e João Francisco estavam distantes de Celso Daniel, que não havia intimidade entre eles e que, após o crime, os dois
"se voltaram contra todas as pessoas que Celso Daniel amou".
Uma dessas pessoas, disse Carvalho, é uma filha -Liora Mindrisz- que o ex-prefeito teria tido com a então namorada Ivone
de Santana.
"A família ignorou esta menina.
Nós do PT tivemos de auxiliá-la",
afirmou Carvalho.
O assessor de Lula também acusou João Francisco de ser movido
por interesses pessoais e de agir
como lobista de uma empresa de
transporte da cidade.
"Vocês nem tiveram interesse
em ver o corpo [de Daniel]", afirmou Carvalho, que se disse assustado com a "frieza" dos irmãos do
ex-prefeito.
Dirigindo-se a João Francisco,
Carvalho disse: "O senhor nunca
compareceu a nenhuma posse de
Celso Daniel, mas foi à prefeitura
diversas vezes defender seus interesses pessoais".
Irritado, Bruno afirmou que o
relevante é descobrir quem matou Daniel e o motivo de ele ter sido torturado. "O que é relevante?
Saber se a menina é filha de Daniel? Saber se João Francisco é lobista? Isso tudo parece ser uma
cortina de fumaça para atrapalhar
a investigação da morte".
Alma aprisionada
João Francisco acusou Carvalho
de ter a alma aprisionada pelas
coisas que não pode contar.
"Sinto que o senhor sofre, que
sua alma está aprisionada. Em
Santo André, o senhor fazia a ligação entre a quadrilha formada
por Klinger Luiz de Oliveira [ex-vereador do PT], Ronan Maria
Pinto [empresário] e Sérgio Gomes da Silva [ex-segurança, apontado como o mandante do crime]
com a cúpula do PT em São Paulo", afirmou João Francisco.
Carvalho disse se sentir "apavorado" com a "arrogância" do irmão do ex-prefeito.
"Minha alma está aprisionada
pela morte de Celso Daniel, que
foi meu amigo, a quem servi durante cinco anos", respondeu o
chefe-de-gabinete.
Em outro momento, os dois irmãos disseram que Carvalho é
"um homem decente", diferente
da "quadrilha de Santo André".
João Francisco disse: "É uma pessoa decente que está sendo obrigada a dizer não, não". Bruno
acrescentou: "Ocorre com Carvalho o que aconteceu com o meu
irmão [Celso Daniel]. Está empenhado pelo partido". Segundo os
irmãos, o prefeito achava um
"mal necessário" o esquema de
propina para alimentar o partido.
"O senador Tião Viana [PT-AC]
disse que o senhor é um exemplo
sagrado de cristão. O senhor tem
o direito de não produzir provas
contra o senhor, mas como cristão não pode mentir [sobre o esquema de propina]", disse Bruno.
"Eu queria reafirmar o que disse
desde o início, que não levei dinheiro nenhum ao deputado José
Dirceu. Eu não tenho a pretensão
de ser uma referência de cristão.
Tenho orgulho de estar no governo", rebateu Carvalho.
Ao responder por que acha que
os irmãos há três anos insistem na
versão sobre a propina e sobre o
relato sobre José Dirceu, Carvalho
declarou: "Eu não tenho condições de dizer quais as razões que
levaram a isso. Acho estranho".
Dossiês
No início da acareação, João
Francisco afirmou que na véspera
de seu aniversário, no dia 1º de
novembro de 2001, foi procurado
em sua casa pelo ex-prefeito, que
se mostrou muito preocupado.
"Ele estava muito triste, com
problemas na Prefeitura de Santo
André, e me disse: "Eu só gostaria
de dizer que estou fazendo um
dossiê contra Klinger, Ronan e
Sérgio". Aquela declaração dele
me deixou preocupado", disse.
Para a Promotoria Criminal de
Santo André, que investiga a morte de Daniel, o ex-prefeito foi torturado para que revelasse onde
havia guardado dossiês que estava preparando contra pessoas de
sua confiança.
Um envelope dirigido a Daniel,
com denúncias contra Gomes da
Silva, foi encontrado pela família
do ex-prefeito. Carvalho foi apontado como a pessoa que encaminhou o documento a Daniel.
"Sim, eu repassava tudo o que
chegava a Celso Daniel. E ele não
deu nenhum valor a esses documentos apócrifos. Foi assim que
ele tratou desse documento, ele
colocou em uma gaveta e pronto", rebateu o chefe-de-gabinete
de Lula.
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