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GOVERNO
Segundo Moreira Lima, ministro tem presença "marcante" na Anvisa
Serra interfere em atuação
de agência, afirma diretor
WLADIMIR GRAMACHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Sem escolher palavras, o diretor
de Medicamentos da Anvisa, Luiz
Felipe Moreira Lima, decidiu encerrar o que chama de "fase de hipocrisia" na política de saúde do
governo, dirigida pelo ministro
José Serra, um dos pré-candidatos do PSDB à sucessão presidencial do próximo ano.
Ele diz que a Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária)
deveria ser independente, mas
não é. Sustenta que ela deveria ter
controle sobre os medicamentos
vendidos nas farmácias de todo o
país, mas não tem. Afirma que a
existência de um lobby nas imediações da agência é muito maior
do que se imagina. E considera a
Gerência Geral de Medicamentos,
onde os produtos são registrados,
um balcão de negócios. Lima não
quis revelar casos concretos que
demonstrem o que diz.
Aos 53 anos, o doutor em medicina pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (Uerj), ex-secretário de Vigilância Sanitária do
governo Sarney, está se preparando para deixar a Anvisa em maio.
Lima foi secretário de Vigilância
Sanitária entre 1985 e 1987, nas
gestões dos ministros Carlos Santana e Roberto Santos. Nessa época, as funções que atualmente são
da Anvisa ficavam sob responsabilidade da Vigilância Sanitária.
Ele deixou o cargo após a entrada
de Roberto Santos na Saúde.
Há dez dias, divulgou uma lista
de medicamentos produzidos por
grandes laboratórios que tinham
composição diferente da aprovada pela Anvisa. Leia a seguir trechos da entrevista à Folha.
Folha - O ministro José Serra
(Saúde) ficou irritado com a divulgação dos medicamentos irregulares identificados pela Anvisa?
Luiz Felipe Moreira Lima - Soube
que ele é contra a divulgação por
motivos eleitorais. Mas não tem
como não dizer a verdade. Paciência.
Folha - Como o sr. classifica a relação entre o ministro e a Anvisa?
Lima - A personalidade do Serra
é muito exuberante e, quando ele
sentia alguma dificuldade no que
queria, tentava fazer prevalecer o
desejo dele. Isso é uma coisa natural, que aconteceu nas outras
agências. Sei que na Agência Nacional de Telecomunicações
[Anatel" houve um problema do
Renato Guerreiro [presidente"
com o ministro [Pimenta da Veiga, Comunicações".
Folha - Mas, na Anatel, Renato
Guerreiro encerrou a polêmica dizendo que ali mandava ele. Aqui
ocorreu o mesmo?
Lima - Não. Aqui foi um pouco
mais conflituoso. Diretamente, o
Serra nunca interferiu [no trabalho dos demais diretores". O contato dele, em 99% das vezes, foi
com o diretor-presidente [Gonzalo Vecina Neto", que é um homem da confiança dele, e um outro diretor, o Ricardo Oliva, da
área de alimentos, que é de São
Paulo, é filiado ao PSDB, participou da campanha do Serra em
São Paulo e tem uma grande proximidade com ele.
Folha - Mas, apesar disso, a presença dele é...
Lima - A presença dele é marcante. Tanto que, no ano passado,
o ministro Serra conseguiu uma
medida provisória na qual retirava poderes da diretoria colegiada
e passava os poderes para o diretor-presidente. A justificativa era
a de que ele [Serra", para impor o
ritmo que ele queria, precisava de
maior autonomia.
E, como eu era diretor de Medicamentos e essa era uma área em
que ele estava querendo atuar,
chegaram à conclusão de que minha presença não era desejada. Ia
virar um marajá oficial, não fosse
a decisão da Justiça que me devolveu a Diretoria de Medicamentos.
Folha - Que novos poderes o Serra
passou a ter na Anvisa?
Lima - A rotina da área de medicamentos ficou subordinada ao
Vecina. Para a área que inclui genéricos, em que o ministro queria
ter maior controle, foi nomeada a
Vera Valente. Ela teve uma série
de dificuldades pelo fato de não
ser farmacêutica [é advogada".
Folha - O "aprovo" dos registros
de medicamentos é dela?
Lima - Não. É do diretor-presidente, após o ofício dela. Ela leva
os dados para o ministro, para
discutir com ele como ele quer
que faça ou que não faça as coisas
todas. Essa é uma área que a gente
chama carinhosamente de purgatório, porque ali é onde as empresas vão pedir as coisas.
Folha - E são muitos pedidos?
Lima - É uma avalanche. A pressão é tão grande que os funcionários mal têm tempo para estudar
os casos. É óbvio que você acaba
tomando decisões que depois se
mostram inadequadas. Mas aí o
produto já saiu e está no mercado.
Folha - A gerência de medicamentos, ao mesmo tempo em que
é, segundo o sr., um purgatório,
também é um balcão de negócios?
Lima - Depois de 20 anos trabalhando na vigilância sanitária eu
tenho moral e conhecimento para
dizer que é, sim.
Folha - Há corrupção na Anvisa?
Lima - Um funcionário burocrático não tem poder para decidir
nada. O máximo que ele pode fazer é pegar um processo e furar a
fila. Então a gente não deve se
preocupar muito com isso. Já um
funcionário mais graduado pode
dar um parecer que não condiga,
aí é mais complicado. Mas isso
não é freqüente. Os casos de pareceres que percebemos que foram
encomendados são raríssimos.
Que eu me lembre, em umas duas
ou três oportunidades.
Folha - De onde vem a pressão?
Lima - De toda parte. Em certo
momento, minha mãe me pediu
para ver um caso porque a amiga
tinha um filho que trabalhava numa empresa de alimentos que estava com problemas. Chegou até
na mãe o negócio!
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