São Paulo, terça-feira, 27 de novembro de 2001

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GOVERNO

Segundo Moreira Lima, ministro tem presença "marcante" na Anvisa

Serra interfere em atuação de agência, afirma diretor

WLADIMIR GRAMACHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Sem escolher palavras, o diretor de Medicamentos da Anvisa, Luiz Felipe Moreira Lima, decidiu encerrar o que chama de "fase de hipocrisia" na política de saúde do governo, dirigida pelo ministro José Serra, um dos pré-candidatos do PSDB à sucessão presidencial do próximo ano.
Ele diz que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) deveria ser independente, mas não é. Sustenta que ela deveria ter controle sobre os medicamentos vendidos nas farmácias de todo o país, mas não tem. Afirma que a existência de um lobby nas imediações da agência é muito maior do que se imagina. E considera a Gerência Geral de Medicamentos, onde os produtos são registrados, um balcão de negócios. Lima não quis revelar casos concretos que demonstrem o que diz.
Aos 53 anos, o doutor em medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), ex-secretário de Vigilância Sanitária do governo Sarney, está se preparando para deixar a Anvisa em maio.
Lima foi secretário de Vigilância Sanitária entre 1985 e 1987, nas gestões dos ministros Carlos Santana e Roberto Santos. Nessa época, as funções que atualmente são da Anvisa ficavam sob responsabilidade da Vigilância Sanitária. Ele deixou o cargo após a entrada de Roberto Santos na Saúde.
Há dez dias, divulgou uma lista de medicamentos produzidos por grandes laboratórios que tinham composição diferente da aprovada pela Anvisa. Leia a seguir trechos da entrevista à Folha.

 

Folha - O ministro José Serra (Saúde) ficou irritado com a divulgação dos medicamentos irregulares identificados pela Anvisa?
Luiz Felipe Moreira Lima
- Soube que ele é contra a divulgação por motivos eleitorais. Mas não tem como não dizer a verdade. Paciência.

Folha - Como o sr. classifica a relação entre o ministro e a Anvisa?
Lima
- A personalidade do Serra é muito exuberante e, quando ele sentia alguma dificuldade no que queria, tentava fazer prevalecer o desejo dele. Isso é uma coisa natural, que aconteceu nas outras agências. Sei que na Agência Nacional de Telecomunicações [Anatel" houve um problema do Renato Guerreiro [presidente" com o ministro [Pimenta da Veiga, Comunicações".

Folha - Mas, na Anatel, Renato Guerreiro encerrou a polêmica dizendo que ali mandava ele. Aqui ocorreu o mesmo?
Lima
- Não. Aqui foi um pouco mais conflituoso. Diretamente, o Serra nunca interferiu [no trabalho dos demais diretores". O contato dele, em 99% das vezes, foi com o diretor-presidente [Gonzalo Vecina Neto", que é um homem da confiança dele, e um outro diretor, o Ricardo Oliva, da área de alimentos, que é de São Paulo, é filiado ao PSDB, participou da campanha do Serra em São Paulo e tem uma grande proximidade com ele.

Folha - Mas, apesar disso, a presença dele é...
Lima
- A presença dele é marcante. Tanto que, no ano passado, o ministro Serra conseguiu uma medida provisória na qual retirava poderes da diretoria colegiada e passava os poderes para o diretor-presidente. A justificativa era a de que ele [Serra", para impor o ritmo que ele queria, precisava de maior autonomia.
E, como eu era diretor de Medicamentos e essa era uma área em que ele estava querendo atuar, chegaram à conclusão de que minha presença não era desejada. Ia virar um marajá oficial, não fosse a decisão da Justiça que me devolveu a Diretoria de Medicamentos.

Folha - Que novos poderes o Serra passou a ter na Anvisa?
Lima
- A rotina da área de medicamentos ficou subordinada ao Vecina. Para a área que inclui genéricos, em que o ministro queria ter maior controle, foi nomeada a Vera Valente. Ela teve uma série de dificuldades pelo fato de não ser farmacêutica [é advogada".

Folha - O "aprovo" dos registros de medicamentos é dela?
Lima
- Não. É do diretor-presidente, após o ofício dela. Ela leva os dados para o ministro, para discutir com ele como ele quer que faça ou que não faça as coisas todas. Essa é uma área que a gente chama carinhosamente de purgatório, porque ali é onde as empresas vão pedir as coisas.

Folha - E são muitos pedidos?
Lima
- É uma avalanche. A pressão é tão grande que os funcionários mal têm tempo para estudar os casos. É óbvio que você acaba tomando decisões que depois se mostram inadequadas. Mas aí o produto já saiu e está no mercado.

Folha - A gerência de medicamentos, ao mesmo tempo em que é, segundo o sr., um purgatório, também é um balcão de negócios?
Lima
- Depois de 20 anos trabalhando na vigilância sanitária eu tenho moral e conhecimento para dizer que é, sim.

Folha - Há corrupção na Anvisa?
Lima
- Um funcionário burocrático não tem poder para decidir nada. O máximo que ele pode fazer é pegar um processo e furar a fila. Então a gente não deve se preocupar muito com isso. Já um funcionário mais graduado pode dar um parecer que não condiga, aí é mais complicado. Mas isso não é freqüente. Os casos de pareceres que percebemos que foram encomendados são raríssimos. Que eu me lembre, em umas duas ou três oportunidades.

Folha - De onde vem a pressão?
Lima
- De toda parte. Em certo momento, minha mãe me pediu para ver um caso porque a amiga tinha um filho que trabalhava numa empresa de alimentos que estava com problemas. Chegou até na mãe o negócio!


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