São Paulo, domingo, 27 de novembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ RUMO A 2006

Para Lula, interessa destacar números da economia; aos seus adversários, transformar eleição em um plebiscito sobre ética

Governo e oposição vão tentar impor debates distintos

DA REPORTAGEM LOCAL

É a economia? A fórmula -"it's the economy, stupid"- explicitada por James Carville, assessor de Bill Clinton, na eleição de 1992 nos Estados Unidos, será testada no ano que vem no Brasil, acredita o cientista político da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Carlos Ranulfo.
Quase "estúpido", embora ele não tenha usado a expressão grosseira do norte-americano, é o debate eleitoral entre oposição e situação no país, segundo Renato Lessa, professor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro).
Para o primeiro, a discussão específica sobre a imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como desenhada pelos analistas Marcos Coimbra e Antonio Lavareda é um tema menor, e o debate eleitoral de 2006 será marcado por dois discursos distintos. Aquele que for "comprado" pelos eleitores pode decidir o pleito.
De um lado, a aposta nos resultados econômicos por parte do governo do PT. "Se você for pegar números da economia, a situação que o governo Lula vai deixar no país é melhor do que a deixada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, sob qualquer aspecto. Taxa de desemprego, inflação, taxa de juros, tamanho da dívida", ele diz. "É um teste. Se, apesar de toda a crise, o desempenho levar o Lula [à reeleição], vamos ter comprovado a tese", completa.
Por outro lado, ele diz, ao PSDB e ao PFL não vai ficar interessante discutir economia -"vão discutir, é claro, mas vão querer discutir os problemas da ética e da corrupção, que essa crise transforma no ponto vulnerável do governo", afirma o cientista político.

Plebiscito
"A oposição vai tentar transformar a eleição num plebiscito sobre a ética na política. Com cara-de-pau ou sem cara-de-pau", acrescenta.
"A questão é o que vai predominar para o eleitor. Se a sociedade entender que a eleição é um acerto de contas sobre a corrupção, o Lula está derrotado. Se achar que o mais importante é o desempenho econômico, ele tem chance de ganhar."
Segundo Renato Lessa, "se prevalecer a linha do [senador tucano] Arthur Virgílio [de apoio a Palocci, sem autocrítica da política econômica dos anos FHC], eles [da oposição] ficam restritos a uma campanha baseada em comportamentos e costumes". Os próprios tucanos dizem que, em linhas gerais, a política econômica praticada pelo governo Lula repete a de seu antecessor.
A questão, diz Lessa, é que essa restrição "temática" aponta "para um problema grave do sistema partidário brasileiro, de que no núcleo dele você tem uma fraude -não há distinção programática no médio, no curto e talvez no longo prazo, com relação ao que fazer com o país". "As diferenças são explicadas exclusivamente por razões táticas e de guerrilha, quase que pessoais."
Sem diferenças claras entre os partidos, vivemos, ele diz, "uma política em que as pessoas estão dando tiro de "45" em um quarto "dois por dois'". "A agenda política está condicionada pela subordinação do debate a questões de direito penal", afirma.
E é exatamente a falta de distinção e de propostas que provoca um padrão de oposição "extremamente destrutivo", em que a tendência é a de se personalizar o conflito político.
"Trata-se de um ambiente deteriorado para qualquer debate", diz o cientista político da instituição carioca. "Eu não sei como é que desse campo semântico criminal vai poder se descortinar um outro campo discursivo em que políticas e propostas possam aparecer de uma maneira consistente. Podem aparecer metafisicamente -o Brasil tem que isso, tem que aquilo... É uma guerra em que os dois lados estão destruindo o campo em que estão pisando."
(RAFAEL CARIELLO)


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