São Paulo, quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

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Militares criticam decisão da Justiça italiana

Brasileiros citados entre acusados dizem não ter participado de desaparecimento de ítalo-argentinos no país, em 1980

"Não tenho nada a ver com isso", diz ex-diretor do Dops; para general da reserva Luiz Henrique Domingues, o assunto é "requentado"

DA AGÊNCIA FOLHA
DA SUCURSAL DO RIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Brasileiros que estariam entre os acusados pela Justiça italiana de participação no desaparecimento de ítalo-argentinos no país em 1980 negaram à Folha participação no caso.
"Acho que nessa época [1980] eu já estava até mesmo aposentado", afirmou o delegado aposentado da Polícia Civil e ex-diretor do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) do Rio Grande do Sul Marco Aurélio da Silva Reis, 73. "Não tenho nada a ver com isso. Até quero saber por que meu nome estaria lá." Ele disse que o fato de ter ocupado cargos de chefia pode ter influenciado na possível acusação.
O coronel Carlos Alberto Ponzi, 83, ex-chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações) no Rio Grande do Sul, disse não estar "nem um pouquinho preocupado e nem interessado" no assunto.
O general Euclydes de Oliveira Figueiredo Filho, 88, vive no Rio com a sua segunda mulher, Maria Luiza. Por telefone, ele custou a entender a decisão da Justiça italiana. "Eu não sei nada disso. Não creio. Não tem nada disso. Um jornalista uma vez fez uma denúncia contra mim, eu o processei e ele perdeu a causa. Eu provei que não tinha nada a ver com isso. Nunca tive nada com isso, nunca soube sobre isso."
Sua mulher disse que não acredita que ele, que é irmão do ex-presidente João Baptista Figueiredo, tenha tido qualquer envolvimento com a Operação Condor. "Quando eu pergunto, ele diz que não sabe, que não tem nada a ver com o Brasil, que não houve nada disso."
O general Euclydes Figueiredo era o comandante do 1º Exército, hoje Comando Militar do Leste, quando o ítalo-argentino Horácio Domingo Campiglia desapareceu, em 1980, no aeroporto do Galeão.

"Requentado"
"Se você souber quando eu vou ser preso, me avise, por favor", disse o general da reserva Luiz Henrique Domingues, 85, ex-chefe do Estado-Maior do 3º Exército. "Por causa de dois homens [ítalo-argentinos] querem colocar um grupo de generais brasileiros na cadeira", disse o general reformado, que vive em Fortaleza (CE).
Ele afirmou considerar o assunto "requentado", negou envolvimento no desaparecimento do ítalo-argentino Lorenzo Viñas e disse não poder prestar esclarecimentos sobre o caso por não possuir anotações do período em que atuou no Estado-Maior do 3º Exército. Domingues também chefiou a sede do SNI em Porto Alegre.
O general disse que existia troca de informações entre os exércitos, "o que é natural na informação militar", mas "quem trocou informações não vai contar para ninguém".
O ex-secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Sul João Leivas Job, 80, também afirmou desconhecer informações sobre o desaparecimento de Viñas. "Isso é coisa de um louco", disse sobre o pedido de prisão da Justiça italiana. "Não chegou ao meu conhecimento."
O presidente do Clube Militar, general da reserva Gilberto Figueiredo, disse ontem não saber de detalhes, mas afirmou que haveria "muita gente querendo aparecer" nesse caso.
"Só lamento que esse pessoal dos direitos humanos que está tão preocupado com esses fatos não esteja tão preocupado com os assassinatos e torturas contra os próprios companheiros cometidos pelo outro lado."

Parentes
A decisão da Justiça italiana foi recebida por parentes de mortos e desaparecidos políticos como um instrumento de pressão no Brasil. Para Janaína Teles, a medida "incentiva a revisão inclusive da posição brasileira em relação aos tratados internacionais". Além disso, diz ela, é possível que o movimento entre com uma ação coletiva, aqui no país, contra os indiciados na Itália.
"Caminhamos pouco no Brasil no sentido da recuperação da verdade e da conquista da Justiça. Argentina e o Chile caminharam muito mais. Espero que o governo repense sua posição de não extradição. Ou extradita ou faz justiça no Brasil", disse Janaína, cobrando a abertura dos arquivos no Brasil.
Representante dos parentes na comissão dos mortos e desaparecidos do governo federal, Suzana Lisboa classifica a decisão como um exemplo. "Mesmo que não seja exeqüível, a sentença mostra ao Brasil o caminho que segue a Justiça em outros países, o caminho que este país deveria seguir."


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