São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

FFHH defende a globalização dos cavalgados

Foi grosseiro e primitivo o ataque de FFHH ao Fórum Mundial Social, o chamado Anti-Davos, que se realiza em Porto Alegre. Foi também mesquinho e, sobretudo, impróprio.
Foi grosseiro porque procurou tisnar a reunião com um argumento demagógico. Atacou o governo gaúcho porque gastou R$ 1 milhão no patrocínio de uma parte do evento. Foi fundo: "Quem está pagando é o povo mesmo, que não tem nada a ver com isso". Se esse raciocínio fosse verdadeiro e sincero, FFHH não teria mandado, com o dinheiro do povo, o ministro da Agricultura e os presidentes do BNDES e do Banco Central a Davos. Também não teria despejado R$ 14 milhões na Feira de Hannover. É bom lembrar que, no dia 7 de setembro do ano passado, os brasileiros que foram visitar o pavilhão viram-se barrados, pois os donos da maloca haviam organizado (com o dinheiro do povo) um coquetel só para maganos.
Foi primitivo porque tentou desqualificar a reunião de Porto Alegre com um argumento falso: "Não dá para quebrar máquinas, é uma coisa que não tem sentido, uma visão um pouco ingênua". Não há ninguém no Fórum Social Mundial querendo quebrar máquinas.
O ataque foi mesquinho porque FFHH passou a maior parte de sua vida política participando de reuniões como a de Porto Alegre, onde o pensamento dissidente procura organizar as suas idéias e expô-las à escumalha. Quando a turma que hoje está em Davos achava que a oposição à ditadura brasileira negava o progresso do Brasil Grande, o professor Cardoso ia de São Bernardo a Princeton levando a contradita. Ele sentiu a mesquinharia da relação do poder com o debate quando o aposentaram compulsoriamente na USP. (Hoje a Viúva compensa a arbitrariedade pagando-lhe cerca R$ 5.000 por mês.)
É na impropriedade que o ataque de FFHH se torna mais triste. Disse essas coisas todas depois de uma excursão de dez dias na qual deu a volta ao mundo. Saiu em cinco aviões carregando 192 pessoas. Foi a Timor e passeou pelos templos turísticos de Bali. Na Coréia, pensou que os empresários do lugar entendiam inglês. Teve que ir a Seul para perceber que ainda são muitos os coreanos que falam coreano. Ficou numa situação ridícula, falando inglês enquanto uma tradutora vertia suas palavras para o idioma local. Se FFHH precisava de intérprete, mandava a etiqueta que falasse em português. Afinal, só foi a Timor porque lá se fala esse velho dialeto medieval ibérico.
Na Indonésia, passou pelo constrangimento de ouvir uma piada de mau gosto do presidente do pedaço. Ele disse que seu governo poderia se juntar à cooperação brasileira com Timor, formando com o Brasil "uma espécie de menage à trois".
Na África do Sul, pela leveza com que dispôs de seu tempo, exemplificou a distorção que o tucanato impõe à sociedade brasileira. Apresenta-se como moderno e globalizado, mas, podendo escolher entre ser cavalcanti ou cavalgado, fica com a pior opção.
Quando a agenda não lhe deu o que fazer, foi visitar o museu Groot Constantia, associado à produção vinícola local e a uma marca de vinhos. Foi apresentado a um tonel. Coisa parecida só vai se repetir quando um presidente da África do Sul visitar zebras na Borgonha.
No mundo globalizado, o vinho da África do Sul concorre com o brasileiro. Em seis anos de mandarinato, FFHH foi uma vez à Festa da Uva de Caxias do Sul, mas nunca pôs o pé na Fenavinho, de Bento Gonçalves. Visitar uma cave nacional, nem pensar. A África do Sul batalha para ampliar seu mercado e o Brasil importa 20 mil caixas de seus vinhos por ano (US$ 600 mil). Não lhe vende uma só garrafa.
A indústria vinícola brasileira perdeu mercado externo. Nos primeiros dois anos do governo de FFHH, ela começou a perder também o mercado interno. Foi abalada pela fraude do vinho branco alemão de garrafa azul. Ele quase destruiu a produção do similar nacional. Até as rolhas sabiam que aquela zurrapa era africana, mas os sábios de Brasília nada fizeram para proteger os produtores do Sul, onde há 20 mil famílias no negócio.
É simples a diferença entre os cavalcantis e os cavalgados. Nos anos 60, quando a indústria do vinho dos Estados Unidos era do tamanho da brasileira, o presidente Lyndon Johnson determinou que só servissem marcas nacionais na Casa Branca. Foi considerado um texano caipira. Os presidentes brasileiros continuaram tomando vinho francês e hoje a indústria americana é uma das maiores do mundo.
Essas coisas acontecem porque os americanos respeitam o que fazem, mesmo quando não tem sabor agradável. Isso vale tanto para o vinho da Califórnia quanto para as manifestações de Seattle. FFHH prefere o Fórum de Davos e não vê nada de impróprio em ser associado a uma marca de vinho na África do Sul depois de um fim-de-semana em Bali.

Mão doentia

Os laboratórios informam que as leis do mercado exigem uma remarcação nos preços dos remédios.
É embuste.
Eles estão vendendo seus produtos às grandes distribuidoras a preços que lhes permitem oferecer às farmácias descontos que vão de 6 a 38%. A distribuidora Santa Cruz chega a lembrar que os comerciantes devem tirar partido da situação, garantindo "seu estoque no período de pré-alta". Ela avisa: "Esta promoção é lucro certo".
É tunga, na certa. Por mais que as promoções façam parte do comércio, não faz sentido a indústria pedir reajustes de 4,5% a 5,94% se transaciona com a distribuidora Panarello de forma que lhe seja razoável oferecer às farmácias descontos de 10% na compra de quatro caixinhas de Cataflan, o remédio mais vendido no país. A Santa Cruz dá 20% de desconto na compra do Tylenol. A Neosaldina é oferecida com um rebate de 38%.
Quando os diretores dos laboratórios vão a Brasília conversar com o governo, falam com a erudição dos leitores de Adam Smith. Quando montam suas políticas de preços, colocam a mão invisível no bolso da choldra.

A bala do Zorro

Um terror ronda Brasília. A convicção de que Mário Covas pretende explicitar ordenadamente suas restrições ao que sucedeu ao Brasil nos últimos seis anos. Não é medo de memórias. É medo de coisa parecida com manifesto.
Já tem nome: "Bala de Prata", daquelas que o Zorro usava.

O êxito da Coppead expõe uma selvageria

Saiu a lista dos cem melhores cursos de administração de empresas do mundo, organizada pelo jornal inglês "Financial Times". Harvard perdeu o primeiro lugar para Wharton, e 37 escolas foram dispensadas. A grande notícia é a entrada na lista da Coppead, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É a única da América do Sul numa seleção onde há duas escolas mexicanas e 51 americanas.
Numa época em que o ensino superior público está à míngua e debaixo de chumbo, esse êxito é uma lição. Acredita-se por aí que o ensino prático (seja lá o que for) deva ficar a cargo das instituições privadas e a rede pública deva ficar só com os cursos mais complexos. Nada há de mais prático que um curso de administração de empresas, e há centenas de bibocas privadas espalhadas pelo país. Pois foi uma escola pública que conseguiu entrar na lista do "FT".
A pesquisa levou em conta a estrutura dos cursos e o desempenho pessoal das turmas diplomadas em 1997. A Coppead está em 99º lugar na classificação geral, mas os US$ 72,5 mil ganhos anualmente por seus ex-alunos os levam ao 83º lugar na remuneração.
Ficou em primeiro lugar na relação custo-benefício, pois nada cobra aos alunos. Essa informação, solta no espaço, é até comovente. Levando-se em conta que o número de estudantes pobres que conseguem se formar na Coppead não chega a 10%, pode-se ficar triste. Sabendo-se que as doações pessoais dos ex-estudantes à escola onde estudaram de graça é nula (R$ 0,00), só há um jeito: sentar na calçada e chorar.
Ao conseguir um dos seus maiores sucessos, a universidade pública brasileira expõe uma das mais selvagens características do andar de cima de Pindorama. Eles estudam de graça (até o estacionamento é grátis), ganham um ervanário e não devolvem um só ceitil à sociedade.
É um comportamento paleolítico. Sabem que nos Estados Unidos não fariam o mesmo mestrado por menos de US$ 30 mil por ano. Sabem também que Harvard nasceu da doação de um taberneiro. Yale, de um papeleiro metido em falcatruas. Stanford, de um tubarão. Como ensina a historiadora Mary Karasch, os senhores de escravos brasileiros não tratavam mal os negros por malvadeza: "Era simples descaso". Os diplomados das escolas públicas que não devolvem nem sequer uma parte do que ganharam de graça não são avarentos. É descaso.
Apesar disso, a Coppead só é o que é porque tem o amparo logístico da UFRJ e consegue dinheiro da iniciativa privada. Dadas as características do curso e graças à iniciativa de sucessivas direções, a escola gera R$ 7 milhões anuais, equivalentes a 60% dos recursos que precisa para funcionar direito.
Inúmeras empresas pagam por cursos específicos e para lá mandam seus executivos. O presidente da Brahma, Marcel Telles, participa da seleção dos alunos que deseja contratar. Numa escala menor, a Coppead é beneficiada pela filantropia das pessoas jurídicas: a consultora Boucinha e Campos mantém uma bolsa de mestrado, e a Fenaseg sustenta uma cátedra.
A cada ano a escola forma 50 alunos no curso de mestrado e 700 em seus projetos paralelos. Se a sua direção e seus professores tivessem achado que resolveriam o problema com passeatas de protesto contra o sucateamento das universidades, teriam que tocar a escola com menos R$ 2.000 mensais de verba de custeio direto. É isso que a UFRJ lhes dá, além da infra-estrutura e da carga de uma folha de pagamento de R$ 2 milhões anuais.
Nessa história de sucesso, só falta que os ex-alunos da Coppead queiram dar uma lição ao país. Basta abrir a gaveta e pegar o talão de cheque. Tem que ser o pessoal, porque dar dinheiro da empresa é coisa fácil.

POESIA

Cordel

A editora Hedra soltou mais três antologias de poetas populares brasileiros. Alguns de seus bons momentos:

João Martins de Athayde
(1877-1959)

A esperança do pobre,
Quase toda é vice-versa,
O peixe cai pela isca,
O velho pela conversa,
A galinha pelo milho,
O pobre pela promessa.

A humanidade campeia
Nutrida por um consolo
A mulher não quer ser feia
Nem o homem quer ser tolo

Não se engane com o mundo
Que o mundo não tem que dar,
Quem com ele se iludir
Iludido há de ficar.


Expedito Sebastião da Silva
(1928-1997)

Cada vida é um destino
De impenetrável sigilo
Não há na terra quem possa
Desvendá-lo ou corrigi-lo
Somente o Divino Mestre
É quem sabe defini-lo
.

Minelvino Francisco Silva
(1926-1999)

(...) E também o presidente
A mesma coisa se dá,
Todo povo contra ele
Se dana logo a falar,
Ele lá só se virando
E o povo todo falando
Que não sabe governar.

O homem religioso
Que quer seguir para a luz
Não deve entrar na política
Pois dobra o peso da cruz
Por fim vai sair da ética
Da santa lei de Jesus.



Texto Anterior: Questão indígena: Funai apreende maconha com cachaça em reserva de índios
Próximo Texto:
GLOBALIZAÇÃO
Fórum Econômico: Polícia vence batalha contra manifestantes

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.