São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Impasse de Seattle indica risco de decadência da OMC

DO ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

A OMC (Organização Mundial do Comércio) corre o risco de desintegração se não conseguir, ainda este ano, superar os impasses que levaram ao colapso a sua mais recente conferência ministerial, realizada em Seattle, entre novembro e dezembro de 1999.
O alerta foi lançado ontem pelo ministro do Comércio da África do Sul, Alec Erwin, um dos mais experientes negociadores de comércio internacional, em uma sessão do Fórum Econômico Mundial dedicada exatamente ao futuro da organização que faz o papel de, ao mesmo tempo, xerife e juiz do sistema comercial planetário.
Por mais que o ministro europeu do Comércio, o francês Pascal Lamy, tenha dito que, sim, a OMC tem futuro, o ambiente estava mais para velório, de resto preparado por comunicado conjunto de todos os três ex-diretores-gerais da organização em que se afirma que o sistema "corre perigo".

Desastroso
O ministro sul-africano acrescentou que a "desintegração" da OMC, por ele antevista, seria "desastrosa". É uma opinião certamente compartilhada pela diplomacia brasileira, que sempre apostou todas as suas fichas nas negociações comerciais multilaterais, as quais só podem se dar no âmbito da Organização Mundial do Comércio.
A razão é simples: em negociações globais, o Brasil pode aliar-se a outros países para extrair concessões dos países desenvolvidos, o que se torna mais complicado se a negociação é bilateral.

Os riscos
O risco de desintegração se deve, basicamente, a dois fatores:
1 - Os países em desenvolvimento, obviamente a esmagadora maioria dos membros da OMC, consideram que os acordos comerciais acertados na Rodada Uruguai (negociações comerciais entre 1986 e 1994, que precederam a OMC) são desequilibrados. Favorecem mais os ricos que os pobres.
Martin Khor, diretor da Organização Não-Governamental "Rede do Terceiro Mundo", da Malásia, diz, com razão, que os acordos levaram a um aumento das importações dos países em desenvolvimento, sem o correspondente incremento nas exportações (o Brasil é, aliás, um bom exemplo).
2 - A crescente desconfiança da opinião pública, tanto nos países ricos como pobres, sobre o papel e o desempenho de organizações como a OMC. "Há um desencanto público e político com as instituições internacionais", admitem os três ex-diretores-gerais da Organização Mundial do Comércio em seu comunicado de ontem.
Foi esse desencanto que serviu de combustível para as espetaculares manifestações de protesto que incendiaram Seattle (nos Estados Unidos), quando da 3ª Conferência Ministerial da OMC (seu órgão supremo).
A 4ª Conferência está em princípio livre desse cerco. Ficou marcada ontem para entre 5 e 9 de novembro no Qatar, país árabe que impõe severas restrições não só à entrada de estrangeiros em seu território como ao direito de manifestação.
Mas não está livre dos desacordos entre os grandes atores da cena internacional, que não foram minimamente desatados no ano e pouco decorrido desde Seattle.
O único eventual avanço será anunciado no fim do mês que vem. Ontem, Pascal Lamy, o ministro europeu, disse que, até lá, a União Européia anunciará os resultados do que chama de "revisita" às posições que levou para Seattle.
Entre elas, o que o jargão diplomático chama de "acesso a mercado", ou seja, a derrubada de barreiras às importações. São exatamente as barreiras européias no campo agrícola o alvo da maior pressão do governo brasileiro, a ponto de o ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, ter dito a seu colega Lamy que, se as barreiras não forem desmontadas, o governo brasileiro se somaria às manifestações de protesto contra a OMC.
(CLÓVIS ROSSI)


Texto Anterior: Instituições globais fogem para o deserto
Próximo Texto: FMI prevê nova baixa na economia global
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.