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DINHEIRO PÚBLICO
Novo ministro ofereceu sete fazendas para garantir empréstimo no Basa, mas propriedades não existem
Jucá toma crédito, não paga e garantia é falsa
RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A IPIXUNA (AM)
Uma empresa do ministro da
Previdência, Romero Jucá
(PMDB-RR), ofereceu sete fazendas inexistentes no interior do
Amazonas como garantia de um
empréstimo bancário com recursos públicos. O documento é assinado pelo próprio Jucá e por seu
sócio na época.
Vencida e não-paga, a dívida da
Frangonorte, um abatedouro de
frangos na periferia de Boa Vista
(RR), com o Basa (Banco da Amazônia) atinge R$ 18 milhões. O dinheiro veio do FNO (Fundo
Constitucional do Norte), formado pelo Imposto de Renda e pelo
IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).
A empresa que pertenceu ao
ministro e recebeu recursos públicos ao longo de quatro anos está fechada em Boa Vista.
Desde setembro do ano passado, o banco tenta localizar e penhorar as propriedades no Amazonas, apresentadas pelo ministro
em agosto de 1996, para levá-las a
leilão e reduzir o dano. Nada encontrou. Jucá foi dono da Frangonorte entre 1994 e 1996.
Ao longo de dez dias, a Folha
coletou documentos e entrevistou
fazendeiros de Ipixuna (AM) que
revelam uma fraude contra o sistema financeiro.
Fictício
"É tudo fictício. Nada disso existe", disse o cartorário do registro
de imóveis de Ipixuna, cidade
amazonense de 17 mil habitantes
à beira do rio Juruá, Aluízio Paula
de Almeida, 44, ao examinar os
documentos que foram acolhidos
pelo Basa como garantias do empréstimo.
"Fraudaram os documentos",
afirmou José Rebouças da Silva,
49, o maior pecuarista da região,
onde vive há 25 anos.
As propriedades somariam 56,6
mil hectares e foram avaliadas em
R$ 2,69 milhões. Estavam em nome do cearense Luiz Carlos Fernandes de Oliveira, que meses depois se tornaria sócio do ministro
na Frangonorte. Localizado por
telefone celular em Fortaleza, Oliveira disse ter "relação cordial"
com Jucá, alegou que as propriedades existem e que continuam
hipotecadas ao Basa.
A apresentação dessas garantias
ocorreu em 12 de agosto de 96,
quando a Frangonorte já devia R$
4,6 milhões ao Basa. Jucá, que havia entrado no negócio em 1994,
era o dono da empresa ao lado de
Getúlio Cruz, ex-governador de
Roraima e candidato derrotado
pelo PT ao Senado em 2002 (50%
das cotas para cada um).
Fiador
O ministro assina o documento
na qualidade de fiador e principal
pagador de toda a operação, ao lado do sócio. Essa condição eles já
haviam assumido em 20 de dezembro de 1995, ao assinarem um
termo de confissão e assunção
(ato de assumir) da dívida.
Dois dias depois da assunção, o
Basa depositou R$ 750 mil nas
contas da Frangonorte. Metade
do dinheiro foi usado para pagar
outras dívidas de Jucá e de seu sócio no próprio Basa, supostamente contraídas também para injetar
mais recursos na empresa.
As fazendas surgiram num momento em que o banco, já alvo de
um calote, pois acumulava várias
parcelas da dívidas vencidas e não
pagas, cobrava da Frangonorte a
apresentação de bens mais expressivos para hipoteca, com o
objetivo de equilibrar a relação dívida/garantias.
Coincidências cercam os registros das propriedades. Foram feitos todos por Oliveira num único
dia -1º de julho de 1996, apenas
42 dias antes do oferecimento das
fazendas pela Frangonorte ao
Banco da Amazônia.
Cartórios
Muito embora estivessem localizadas em municípios que já dispunham de cartório de registro de
imóveis -três em Guajará e duas
em Ipixuna-, as propriedades
foram registradas em outro município, Eirunepé (AM), cerca de
200 km rio Juruá acima.
O mesmo cartório de Eirunepé,
procurado pela reportagem, expediu na semana passada duas
certidões que agora, passados nove anos do negócio no banco, desmontam a documentação apresentada pelo ministro e seu sócio.
As certidões confirmam que as
matrículas de cinco das sete propriedades rurais foram "canceladas por determinação da Corregedoria Geral de Justiça do Estado
do Amazonas, através dos membros da Comissão de Correição
Extraordinária" realizada no ano
de 2001.
As certidões também afirmam
que duas fazendas já foram vendidas, depois de hipotecadas, para
duas empresas do Ceará, a Carbomil e a O Povo Comércio e Prestação de Serviços.
O cancelamento da matrícula
significa que a terra deixa de existir legalmente, impossibilitando
que o principal credor do ministro, o Basa, faça a penhora de bens
para vendê-los em leilão e abater a
dívida com a União.
"Inexistem"
Embora a operação envolvesse
milhões de reais -era o maior financiamento do Basa na cidade
de Boa Vista, segundo relatórios
internos-, nenhuma das propriedades amazônicas foi vistoriada diretamente pelo banco.
O trabalho teria sido executado
por uma empresa terceirizada, a
Empar Projetos, sediada em Boa
Vista. A sede do banco fica em Belém, no Pará.
Só nove anos depois, em setembro de 2004, um agrônomo da
própria instituição foi orientado a
ir atrás das propriedades. Acionado, o funcionário Raimundo Lopes da Silva, da agência do Basa
em Cruzeiro do Sul (AC), a apenas 35 minutos de vôo de Ipixuna,
percorreu a região em lombo de
burro para concluir que as terras
onde deveriam estar as fazendas
ofertadas pela Frangonorte estavam ocupadas por pecuária.
"[...] O cenário apresentado não
configura os imóveis citados acima, e sim várias propriedades de
terceiros (de 100 a 900 hectares)
com exploração na atividade da
pecuária de corte, exibindo os
proprietários documentos comprobatórios da posse", diz o relatório do agrônomo, de 14 de outubro último. Silva também esteve
nas propriedades de Guajará e
obteve os mesmos resultados.
Procurado, o cartório de Ipixuna também expediu uma certidão
a respeito das fazendas: "[...] verifiquei inexistir registro imobiliário em nome de Luiz Carlos Fernandes de Oliveira".
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