São Paulo, quinta-feira, 28 de maio de 2009

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Há resistência ao Brasil, afirma Ellen Gracie

Derrotada ao tentar vaga em corte de apelação da OMC, ministra do Supremo afirma que país é o "new kid on the block"

Ex-presidente do STF isenta Itamaraty e nega que lhe faltasse conhecimento do tema: "Respondi a todas as perguntas que foram feitas"


U.Dettmar-13.mai.09/STF
A ministra Ellen Gracie, que disputou uma vaga na corte de apelação do OMC, em sessão do STF

RENATA LO PRETE
EDITORA DO PAINEL

Para Ellen Gracie Northfleet, ministra do Supremo Tribunal Federal, o Brasil "foi mais prejudicado por suas qualidades do que por seus defeitos" na escolha do novo membro da corte de apelação da Organização Mundial do Comércio. O cargo, pleiteado por ela, acabou ficando com o advogado mexicano Ricardo Ramirez. "O Brasil é o "new kid on the block'", afirma.
"E isso gera resistências." Em sua primeira entrevista sobre o episódio, Ellen rejeita atribuição de culpa ao Itamaraty -sobre o qual pesam outras derrotas recentes em disputas por cargos internacionais. Segundo ela, o time do chanceler Celso Amorim "foi impecável". "Essas escolhas não são simples. Não são um Gre-Nal", compara a gaúcha.
Ela também refuta a ideia de que lhe faltava conhecimento específico, em contraste com o currículo de Ramirez. "É um cargo de juiz. E isso eu faço há mais de 20 anos. Me preparei durante estes últimos seis meses com a seriedade necessária.
Respondi a todas as perguntas que me foram feitas. Não houve nada que me embaraçasse." Ellen minimiza o incômodo manifestado por colegas com suas ausências frequentes durante a campanha. "Pessoalmente, nunca recebi reparo." Nega ter buscado, antes da OMC, vaga na Corte Internacional de Justiça, em Haia.
Aos 61 anos, a primeira mulher a ingressar no STF -em 2000, por indicação do então presidente Fernando Henrique Cardoso- diz que não pretende mais deixar a Corte. "Agora retomo o meu trabalho, que, aliás, nunca foi interrompido", diz ela, que antecedeu Gilmar Menes na presidência do STF.

 

FOLHA - A sra. considera a escolha do mexicano Ricardo Ramirez para a corte de apelação da OMC uma derrota sua ou do governo Lula?
ELLEN GRACIE NORTHFLEET
- Nem uma coisa nem outra. Cerca de um ano atrás, o professor Luiz Olavo Baptista me procurou para dizer que pretendia deixar o cargo. Ele considerava importante o Brasil manter a posição. Uma candidatura de alta hierarquia poderia contribuir para isso. Ele me conhece há 30 anos. Não foi escolha aleatória. Depois disso, fiz contato com o chanceler Celso Amorim, para verificar a viabilidade do projeto do ponto de vista do Itamaraty. Ele concordou e trabalhou pela candidatura. Quero registrar que o Itamaraty foi impecável ao longo de todo o processo. O próprio presidente da República se empenhou. Essas escolhas não são simples. Não são um Gre-Nal. O Brasil foi mais prejudicado por suas qualidades do que por seus defeitos. O Brasil é o "new kid on the block". E isso gera resistências, vide a posição dos EUA e da China a favor do candidato do México. Houve também resistência regional -a Argentina lançou seu próprio candidato. O Brasil já havia ocupado o cargo por oito anos. Prevaleceu a ideia de rotação.

FOLHA - A sra. discorda, então, da interpretação de que lhe faltava conhecimento específico, na comparação com o currículo de Ramirez?
ELLEN GRACIE
- Os quatro candidatos eram altamente habilitados [além de Brasil, México e Argentina, também a Costa Rica lançou um nome]. E trata-se de um posto de natureza quase judicial. É um cargo de juiz. E isso eu faço há mais de 20 anos. Me preparei durante estes últimos seis meses. Respondi a todas as perguntas que me foram feitas. Não houve nada que me embaraçasse. E vale lembrar que o órgão já foi composto anteriormente por dois ministros de Corte Suprema [da Austrália e das Filipinas]. Não é como na história da raposa e das uvas. Não vou sugerir que as uvas estavam verdes. É claro que eu gostaria de ter sido escolhida. Mas não me sinto pessoalmente derrotada.

FOLHA - Sua escolha era dada como quase certa no noticiário local. Houve exagero na descrição de suas chances ou reversão de favoritismo?
ELLEN GRACIE
- Acho que a atitude positiva da imprensa é natural. E, até as vésperas da escolha, as sinalizações vindas de Genebra eram favoráveis. Uma motivação mais ampla, de ordem de geopolítica, deve ter determinado essa reversão.

FOLHA - Colegas de STF estavam incomodados com suas ausências durante a campanha pela vaga na OMC. Alegavam que a situação era demeritória para o Supremo.
ELLEN GRACIE
- Li isso na imprensa. Pessoalmente, nunca recebi reparo. Até porque comuniquei a eles antes de autorizar o lançamento da candidatura. Antes e agora, só recebi manifestações de apreço. Divergências de opinião acontecem em qualquer família. Sempre fui ciosa das minhas atribuições e constante na minha produção. Viajei por absoluta necessidade. Não havia como disputar o cargo sem essas viagens. Não prejudicaram em nada o andamento do tribunal.

FOLHA - O fato de que a sra. já tentou sair por duas vezes não pode levar à conclusão de que agora ficará no STF apenas por falta de opção?
ELLEN GRACIE
- A história de Haia foi noticiada e continuou sendo repetida, mas jamais postulei aquela vaga. Desde início estava claro que o candidato brasileiro à Corte Internacional de Justiça era o professor [Antonio Augusto] Cançado Trindade. E eu iniciava minha gestão na presidência do STF. Talvez a ideia tenha se propagado porque formei no STF um grupo de estudos sobre a Convenção de Haia a respeito de sequestro de menores. As pessoas confundiram. Chegou a haver manifestação de apoio do presidente da República. Mas eu própria nunca pleiteei.

FOLHA - Por que quis sair do STF?
ELLEN GRACIE
- No âmbito nacional, o Supremo é o máximo a que se pode aspirar. Mas a vaga na OMC é uma posição importantíssima no que diz respeito ao comércio internacional. Especialmente em tempos de crise, com o protecionismo em alta, esses mecanismos têm de funcionar para impedir retrocesso. Minha candidatura foi ditada pelo interesse nacional.

FOLHA - Ainda quer sair?
ELLEN GRACIE
- Não. Esta foi uma conjuntura especial. Agora retomo o meu trabalho, que, aliás, nunca foi interrompido.

FOLHA - O ministro Gilmar Mendes imprimiu um estilo bastante diferente do seu à frente do STF, mais exposto hoje. Isso é bom ou ruim?
ELLEN GRACIE
- Diferenças de estilo são normais. Não significa que um seja mais ou menos eficiente do que o outro. O ministro Gilmar Mendes está fazendo uma bela gestão, dando continuidade a muitos avanços, tanto no STF como no Conselho Nacional de Justiça. Ele é mais aberto, conversa mais com jornalistas. Eu sou até criticada por não fazer isso.

FOLHA - O que a sra. achou da primeira indicação feita por Barack Obama para a Suprema Corte?
ELLEN GRACIE
- Sandra Day O'Connor [que se aposentou em 2006] é minha amiga. Ruth Ginsburg [integrante da Corte] também. Não conheço a juíza Sonia Sotomayor, mas sei que é altamente qualificada. E, para o presidente Obama, será importante ter ali a representante de uma minoria que já quase deixou de ser minoria nos EUA.


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