São Paulo, Sexta-feira, 28 de Maio de 1999
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ÍNTEGRAS
Leia os discursos feitos ontem pelo presidente Fernando Henrique Cardoso

Leia abaixo a íntegra do discurso feito ontem pelo presidente Fernando Henrique Cardoso no Palácio do Planalto:

"O ministro Paulo Renato, mais uma vez, com tranquilidade, precisão e objetividade respondeu às demandas da sociedade no âmbito específico do seu ministério, a questão do crédito educativo, que é candente. E o número tão expressivo de parlamentares que se organizaram em defesa do crédito educativo é uma demonstração disso. Mas o que é importante é o fato de que esse atendimento se faz não apenas porque há uma demanda, e que foi aumentada, agora, para a questão da reforma da Previdência, mas porque há uma programação, um projeto neste sentido. E essa programação, no que diz respeito ao crédito educativo, se impõe pelas razões que o ministro explicou.
Não podemos fazer face ao desenvolvimento educacional do Brasil se não contarmos com a cooperação das instituições privadas. E as instituições privadas, na sua imensa maioria, não podem fazer face aos custos crescentes do ensino. E as obrigações, essas, sim, iniludíveis, para com a Previdência Social, se não houver também compreensão do financiamento para que estudantes que não têm recursos tenham acesso a essas escolas.
Trata-se de um financiamento. O ministro explicou bem a engenhosidade da área econômica e da Caixa Econômica também, no sentido de viabilizar esse financiamento. Mas não se trata, simplesmente, de recursos que seriam para o setor público que estão indo para o setor privado. É outra coisa. É a facilitação, por parte do poder público, para que haja acesso às escolas privadas, por parte daqueles que não têm condições econômicas de ascender a elas e que não podem ascender à escola pública, posto que a escola pública não atende a toda demanda hoje existente na sociedade. Não vai poder atender, porque, graças àquilo que eu tenho chamado sempre de revolução silenciosa, que meu governo está fazendo na educação, estamos aumentando, mas, violentamente, a demanda, primeiro nas escolas primárias, depois diminuindo a evasão nas escolas, depois no sistema secundário, agora no sistema universitário. Nisso vai um fluxo crescente de demanda, e seria insensato não haver uma coordenação entre o setor público e o setor privado para o atendimento do interesse do país, que é dar educação de boa qualidade e, o quanto possível, a todos aqueles que demandam educação. Trata-se disso.
E o ministro está respondendo com essa medida -que acabei de assinar e que ele me propôs, depois de vários estudos- a uma inquietação grande, não só no Parlamento, mas nas famílias, que ficavam com o desespero de não saber como custear a educação dos seus filhos. De modo que, realmente, se trata de uma medida necessária.
E ressaltou bem o ministro, também, que essa medida necessária se faz num contexto de uma situação do Brasil onde ainda nós não dispomos das condições de equilíbrio fiscal suficientes para que o governo possa atender, com largueza, a todas as demandas da sociedade.
O governo não vai perder de vista, nunca, a sua responsabilidade no que diz respeito ao ajuste fiscal. Esse é que vai garantir a possibilidade da continuidade do crescimento econômico, da diminuição da taxa de juros, beneficiando, portanto, os próprios estudantes que, mais tarde, poderão ter taxas de juros mais adequadas. Mas eu disse, diante de tantas críticas - e é tão fácil criticar-, que, a despeito do esforço imenso que nós estaríamos fazendo, nós iríamos preservar as áreas sociais, dentro do possível, nos ajustes que seríamos obrigados a executar. É o que está ocorrendo. E se os srs. e as sras. tiverem a paciência de ver o esforço feito, nas áreas já mencionadas, sobretudo de saúde, de educação, de Previdência -com a Lei Orgânica da Previdência Social, inclusive-, que é o atendimento aos mais velhos, o atendimento às crianças em condições de trabalho penoso, a bolsas-escola, enfim, uma enorme quantidade do que se poderia chamar de programas universais de atendimentos sociais. E mais uma rede de proteção social para as camadas mais numeráveis. Se verificassem o que está acontecendo, verificariam a veracidade das minhas palavras.
Estamos promovendo um ajuste fiscal. Enfrentamos uma das maiores crises financeiras, não só do Brasil, mas da economia contemporânea. Estamos conseguindo, ao mesmo tempo, preservar aquilo que é fundamental, que é a pessoa humana, que é o bem-estar da população. Não se faz de imediato e nem tudo é atendido da maneira que se gostaria, mas faz-se um esforço, um esforço contínuo nessa direção, porque o governo tem compromisso social e tem compromisso com a população, com as pessoas. E isso é preciso sublinhar.
Esses esforços são feitos levando sempre em consideração tanto as necessidades gerais de estabelecimento do equilíbrio fiscal, como levando em consideração também o que existe de fundamental na população e não perder de vista que nós estamos aqui numa nação, e não num mercado. E é bom que se diga que essa é a preocupação permanente do governo. Até mesmo quando, levianamente, alguns imaginam que o governo ter-se-á embrenhado em assuntos privados, quando, na verdade, estava defendendo o interesse público com energia e ter, com a tranquilidade que nos caracteriza, com a tranquilidade do dever cumprido, com a, eu até diria, satisfação de dizer que chego aos 68 anos tendo toda uma vida de trabalho e que nunca -friso-, nunca tive qualquer coisa, a mais remota, que pudesse ser suspeição de algum interesse no exercício de cargo público que não fosse o povo, que não fosse o meu país. Nunca.
Com essa mesma tranquilidade que tenho, temos que levar adiante as transformações do Brasil, sem temer, sem confundir as coisas, porque houve um grito aqui ou uma interpretação leviana acolá. E é leviana a interpretação quando ela toma a parte e não mostra o todo, não mostra o contexto, quando ela pega o fragmento e transforma o fragmento numa coisa desproporcionadamente grande. Como sou cientista social, quando faço as exegeses de textos e se algum aluno meu fizesse isso, eu reprovaria por ser ou incompetente ou imoral, ou estar burlando ou não ter a capacidade de entender do que se trata.
Mas, como não sou mais professor, sou apenas presidente da República, quase sempre me calo. E, quando calo, não calo porque consenti, não calo porque concordei, não calo porque temi. Calo porque sei a responsabilidade do meu cargo, do cargo em que o povo me pôs aqui por duas vezes já. Calo porque, muitas vezes, é mais fácil vociferar do que atuar. E nós estamos atuando. Atuando, transformando, fazendo o Brasil progredir.
Por vezes, há quem confunda até mesmo a Constituição, até mesmo institutos tão importantes como o impeachment, com uma transgressão de Código de Trânsito e, a toda hora, tomam multa, multa, multa. Meu Deus! Há limites. Há limites da paciência nacional ao ver a leviandade com que certos setores do país e da oposição se comportam diante de fatos que são tranquilos, serenos, que podem ser julgados, podem ser criticados e podem até estar errados, mas que não podem ser objeto de utilização pela paixão política e muito menos pela voracidade de mercado, que faz esquecer que nós estamos numa nação.
E hoje, o que aqui se está discutindo é uma questão que é da educação, que é o atendimento a uma demanda da sociedade. Quero terminar recordando que não há nada -não só no governo, na vida- que se mantenha no longo prazo, que responda ao julgamento tranquilo da história, que não tenha fundamento moral. Sem moral não há progresso.
Orgulho-me de dizer que este governo é um governo de moral. Que este governo é um governo que, dentro do possível, das condições -que diz que é necessário, que mostrou que é necessário- cumpre o seu programa. E cumpre da maneira mais transparente que é possível e sempre que possível. E um governo que, por isso mesmo, tem na moral o seu fundamento. Não pode transigir com as leviandades, com as interpretações malévolas, com as insinuações, com as distorções, sejam elas de quem for, mas muito menos ainda, quando se trata de interpretações, distorções, aleivosias sobre o presidente da República.
Tenta-se banalizar a apropriação da privacidade de alguém, simplesmente para fazer barulho. E outros aproveitam-se disso como ensejo para banalizar um instrumento constitucional da maior respeitabilidade, transformando ou querendo transformar este país numa terra sem lei, sem Justiça, sem audiência pública dos interesses em jogo, sem responsabilidade.
Eu espero que, com essas bolsas, que são muitas -e muitas outras virão-, possamos formar cidadãos que tenham, realmente, um compromisso moral mais forte do que aquele que até hoje foi possível alcançar em muitos dos nossos costumes. E que esse compromisso moral não seja apenas uma hipocrisia, não seja apenas uma apelação pseudo-ética para disfarçar a falta de capacidade de reconhecer o imenso esforço que está sendo feito neste país, no dia-a-dia. Não por mim apenas, não pelos ministros apenas, não pelos parlamentares apenas mas por essa sociedade inteira, que tem que se orgulhar de si, tem que se sentir como uma sociedade capaz, como foi capaz, ainda há pouco, de enfrentar desafios econômicos grandes, capaz de enraizar a democracia e de separar o que é abuso do que é crítica, o que é verdade do que é suspeita, a suspeita que tem fundamento da suspeita que não tem nenhum.
Tenho certeza de que um único caminho nos levará a evitar que, no futuro, pessoas de boa-fé, pessoas trabalhadoras, pessoas que têm sua vida dedicada, sejam postas no pelourinho, simplesmente pelas razões já alegadas aqui por mim. Só há um caminho para isso: é mais educação, mais educação, mais educação. Não vai bastar o crescimento econômico. Não vai bastar a distribuição de renda. Mais educação e educação inspirada pela noção fundamental que é a consciência do que se está fazendo e uma forte motivação moral que não confunda nunca o interesse particular com o interesse público.
Isso vale não só para quem exerce funções públicas, vale também para aqueles que criticam as funções públicas, que não devem confundir seus interesses particulares, porventura existentes, por justos que sejam, com o julgamento dos homens públicos.
O ministro Paulo Renato é um grande ministro. Tem o meu aplauso."

Leia a seguir a íntegra do discurso de FHC na posse do Conselho de Ética do Serviço Público, ontem no Planalto.

"Só me resta agradecer o esforço que foi desenvolvido, nesses últimos anos, pela Comissão de Reforma do Estado e, especialmente, o esforço feito mais recentemente por esta mesma Comissão no sentido da proposição, que ora se materializa, de um conjunto de regras que permitam à administração pública estar ao abrigo de dúvidas a respeito de formas de comportamento apropriado, seja pelos funcionários públicos ou seja pelas altas autoridades.
Foi um trabalho meritório e que vai ser, agora, finalizado, ainda a partir do documento de base que foi trazido pela Comissão de Reforma do Estado, pela nova Comissão de Ética Pública.
Tivemos o cuidado, naturalmente, de selecionar, de escolher para membros dessa Comissão pessoas que, não sendo parte da administração pública, têm conhecimento da vida pública e também de setores da vida privada. Pessoas que, pela sua independência e pela sua trajetória pessoal de vida, podem dar uma contribuição grande na direção do que o ministro Pedro Parente explicitou. E o dr. Piquet Carneiro, com mais força ainda, mostrou quais seriam, digamos, os limites de atuação dessa Comissão.
E é muito importante insistir sobre o fato de que não se trata de uma comissão para julgar, nem para punir pessoas. É muito mais do que isso. É um conjunto de membros da Comissão que vai se esforçar para definir pontos de referência porque, na vida moderna, exatamente pelas modificações já ocorridas e em um entrosamento novo entre o Estado e a sociedade, há áreas, digamos assim, que são cinzentas, em que não se sabe, exatamente, o que é apropriado e o que não é. Mesmo o funcionário ou o alto funcionário terá, muitas vezes, momentos de dúvida: "Posso ou não posso?" E não há regras. E, muitas vezes, não é possível tê-las.
Acredito que essa Comissão constituirá, a partir do seu trabalho, um conjunto de valores, de pontos de referência para a orientação da administração pública. Isso tem esse sentido, digamos, construtivo da elaboração de uma nova cultura no Brasil, que está em marcha, na verdade.
Creio que os oradores que me antecederam mencionaram os pontos fundamentais dessas transformações, que requerem alguns aperfeiçoamentos mais explícitos na ação pública.
Mas é também certo que, embora já esteja em marcha, existe muito trabalho a ser feito, até mesmo para proteger o funcionário e o alto administrador público, porque, muitas vezes, existe também, como aqui já foi dito, áreas que são não muito definidas e que, de antemão, setores da sociedade já consideram condenáveis, se houver alguma atuação nessas áreas que não tenha um procedimento mais claro.
Portanto, não se trata, aqui, de punir. Não se trata, como diria Foucault, de vigiar e punir. Vigiar, sim. Punir, eventualmente. Mas há outros órgãos para punição. É muito mais do que isso. Trata-se de criar uma cultura que, ao mesmo tempo em que limite a ação dos membros do governo e do Estado, também limite as apreciações daqueles que, não sendo membros do governo e do Estado, muitas vezes, no desconhecimento do comportamento efetivo desses membros, se abalançam a fazer juízos que podem vir a ser lesivos para o conceito das pessoas envolvidas. Portanto, não se trata, simplesmente, de um órgão que tenha a ver com, digamos, o setor da administração interna do Estado. É uma interface entre a administração do Estado e a sociedade.
Essa mesma Comissão, de alguma maneira espero vai definir, com mais clareza, esses canais de participação e as formas de regulação do comportamento dos funcionários nas atividades que são inovadoras e que têm que ser feitas. E têm que permitir que os funcionários, qualquer que seja o seu nível, possam assumir as responsabilidades inerentes a seus cargos. Como disse aqui o Dr. Pedro Parente, porque, não havendo essas regras e havendo na sociedade, como é natural, uma exigência crescente de formas de conduta, muitas vezes, inibe-se a ação responsável do funcionário ou do gestor público em geral, no sentido de que ele possa correr risco de, agindo em nome do interesse público, com motivação correta, vir a ser julgado precipitada ou incorretamente.
Seria, portanto, um mecanismo de permitir uma ponte, portanto, entre o que a sociedade deseja, o que administração faz e o que é bom, dizer quais são os valores que estão envolvidos nessas situações que se produzem no mundo contemporâneo.
Desejo que tenham muito êxito no trabalho. Agradeço, e agradeço muito, porque, como não existem ainda essas regras, qualquer um que entre para o governo está sujeito a ser mal interpretado nas duas decisões. Espero que tenham definições rápidas, para que a interpretação possa ser ajustada corretamente para todos. E estou seguro, pelo que conheço do trabalho individual de cada um dos membros dessa Comissão, que ela terá um papel dinamizador, um papel modernizador, mas, sobretudo, ajudará aquilo que é fundamental em qualquer governo: que suas bases morais sejam sólidas.
Muito obrigado."


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