São Paulo, quarta-feira, 28 de junho de 2000


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ELIO GASPARI
Não há almoço grátis, mas há ovo

De onde vêm os ovos? Do lugar para onde o governo os jogou. Não são ovos que vêm, são ovos que voltam. Há algo de sujo nessa forma de protesto e seria melhor se as coisas não fossem assim. Pensando bem, o Brasil não ficará melhor se alguém acertar FFHH. Mas não há o que fazer. A política brasileira tem Celso Pitta, Luiz Estevão e Hildebrando Pascoal. (Todos da coligação governista.) E tem ovo também.
Como esse é um governo que está acabando, até porque já cumpriu dois terços de seu período vital, pode-se especular como se construiu em alguns brasileiros a vontade de jogar ovos em ministros e governadores. Noves fora jogá-los em comitivas de carros pretos.
Não é o desemprego. Desempregado não joga ovo. Quando o tem, come-o. Também não é coisa a um só tempo espontânea e emocional. Ninguém anda com ovo no bolso. Os artilheiros do ovo são pessoas que não gostam do governo e estão com raiva.
Em maio, quando estava no Brasil o presidente da Itália, Carlo Ciampi, um transeunte da avenida São João, em São Paulo, viu uma cena rara. Diversos motociclistas da PM começaram a abrir caminho para alguma coisa. Fecharam as ruas laterais e, sem correria, apareceu uma fieira de carros pretos. Ninguém sabia quem ia dentro. Um desses brasileiros que ganha a vida tomando conta de estacionamento foi ao meio-fio e contemplou a cena. Repentinamente, saiu de sua garganta uma vaia. Era uma vaia solitária. Ele percebeu que vaiava sozinho, mas continuou, por quase meio minuto. Meio minuto de vaia solitária é uma eternidade. Os carros passaram e ele foi cuidar do seu serviço. Nunca soube quem estava naqueles carros pretos. Era Ciampi, a caminho de um jantar de gravata preta que Mário Covas lhe oferecia.
Assim como há gente jogando ovos em mandarim, há gente vaiando carro preto. Vaiando sozinha.
FFHH anunciou (e reitera) que o mundo vive um novo Renascimento. Para Pindorama, a cada ano ofereceu prognósticos de crescimento, juros baixos e saldo comercial. Entregou estagnação, juros altos e déficits insustentáveis.
Ele discorda dessa formulação. Acredita que está reformando a vida nacional e, ao fim de seu mandato, terá entregue o país ao seu sucessor num ritmo de desenvolvimento sustentado. Se estiver certo, melhora a vida de todo mundo.
Seu problema, a esta altura, não está na racionalidade das previsões que faz. Está no seu racionalismo com pitadas de candomblé, que é alimentado e alimenta a sua cerebrina ekipekonômica. Um dos seus ministros do Trabalho chegou a dizer que o problema do desempregado é a sua falta de "empregabilidade".
Num caso exemplar, durante a seca de 1998, FFHH disse de tudo. Revelou-se compreensivo e intransigente com os saques, pôs a culpa no Padre Eterno, disse que ia fazer e não fez. Um dia, saiu-se com essa: "Custa mais caro o avião da FAB levantar vôo do que a comida que está dentro".
Nada mais racional. Salvo duas circunstâncias. Naqueles dias, mandara uns 90 quilos de Francisco Weffort para a Costa Rica, representando-o na cerimônia de posse do novo presidente. É verdade que para ir de Brasília a San José deve-se passar por Miami, esperar um tempão no aeroporto (ótimo barbeiro) e pegar outro vôo. Talvez tenha sido melhor mandá-lo de jatinho.
No entanto, segundo um levantamento da FAB, a carga Weffort foi transportada em aviões oficiais nada menos que 500 vezes entre 1995 e o início de 1999.
Está certo lembrar que custa mais caro decolar o avião do que pagar a comida dos flagelados. Mas, quando o avião decola com um ministro, essa viagem é mais cara ou mais barata em relação a quê?
O racionalismo do tucanato valeu para cesta de flagelado, mas não valeu para carga ministerial. Esse foi seu pecado.
Não houve drama social brasileiro que merecesse pronta e sincera resposta do governo. Em vez de amparo, a população recebeu racionalizações livrescas, muitas vezes pedestres, como a da relação entre o custo do vôo e o da cesta.
Em quase seis anos de governo, o tucanato pareceu mais interessado em provar à choldra que era mais inteligente do que ela do que em lhe mostrar que estava ao seu lado.
Tucano tem essa mania. Quando uma pessoa discorda do que ouve, ele repete o que disse, porque pensa que o outro não entendeu suas clarividentes palavras. Não lhe passa pela cabeça a possibilidade de que o interlocutor esteja pura e simplesmente discordando.
Nessa hora é que entra o ovo, assim como entrou a vaia solitária do sujeito da São João. Ambos são unilaterais, primitivos e infalivelmente irretorquíveis.
No auge do populismo cambial, o doutor Gustavo Franco, ainda como diretor do Banco Central, deu uma lição aos gentios e informou: "O drama da economia é que tudo tem um custo".
O drama da política também.



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