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ELIO GASPARI
Não há almoço
grátis, mas há ovo
De onde vêm os ovos? Do
lugar para onde o governo
os jogou. Não são ovos que vêm,
são ovos que voltam. Há algo de
sujo nessa forma de protesto e
seria melhor se as coisas não fossem assim. Pensando bem, o
Brasil não ficará melhor se alguém acertar FFHH. Mas não
há o que fazer. A política brasileira tem Celso Pitta, Luiz Estevão e Hildebrando Pascoal. (Todos da coligação governista.) E
tem ovo também.
Como esse é um governo que
está acabando, até porque já
cumpriu dois terços de seu período vital, pode-se especular
como se construiu em alguns
brasileiros a vontade de jogar
ovos em ministros e governadores. Noves fora jogá-los em comitivas de carros pretos.
Não é o desemprego. Desempregado não joga ovo. Quando
o tem, come-o. Também não é
coisa a um só tempo espontânea
e emocional. Ninguém anda
com ovo no bolso. Os artilheiros
do ovo são pessoas que não gostam do governo e estão com raiva.
Em maio, quando estava no
Brasil o presidente da Itália,
Carlo Ciampi, um transeunte
da avenida São João, em São
Paulo, viu uma cena rara. Diversos motociclistas da PM começaram a abrir caminho para
alguma coisa. Fecharam as ruas
laterais e, sem correria, apareceu uma fieira de carros pretos.
Ninguém sabia quem ia dentro.
Um desses brasileiros que ganha
a vida tomando conta de estacionamento foi ao meio-fio e
contemplou a cena. Repentinamente, saiu de sua garganta
uma vaia. Era uma vaia solitária. Ele percebeu que vaiava sozinho, mas continuou, por quase meio minuto. Meio minuto de
vaia solitária é uma eternidade.
Os carros passaram e ele foi cuidar do seu serviço. Nunca soube
quem estava naqueles carros
pretos. Era Ciampi, a caminho
de um jantar de gravata preta
que Mário Covas lhe oferecia.
Assim como há gente jogando
ovos em mandarim, há gente
vaiando carro preto. Vaiando
sozinha.
FFHH anunciou (e reitera)
que o mundo vive um novo Renascimento. Para Pindorama, a
cada ano ofereceu prognósticos
de crescimento, juros baixos e
saldo comercial. Entregou estagnação, juros altos e déficits insustentáveis.
Ele discorda dessa formulação. Acredita que está reformando a vida nacional e, ao fim
de seu mandato, terá entregue o
país ao seu sucessor num ritmo
de desenvolvimento sustentado.
Se estiver certo, melhora a vida
de todo mundo.
Seu problema, a esta altura,
não está na racionalidade das
previsões que faz. Está no seu
racionalismo com pitadas de
candomblé, que é alimentado e
alimenta a sua cerebrina ekipekonômica. Um dos seus ministros do Trabalho chegou a dizer
que o problema do desempregado é a sua falta de "empregabilidade".
Num caso exemplar, durante
a seca de 1998, FFHH disse de
tudo. Revelou-se compreensivo
e intransigente com os saques,
pôs a culpa no Padre Eterno,
disse que ia fazer e não fez. Um
dia, saiu-se com essa: "Custa
mais caro o avião da FAB levantar vôo do que a comida que
está dentro".
Nada mais racional. Salvo
duas circunstâncias. Naqueles
dias, mandara uns 90 quilos de
Francisco Weffort para a Costa
Rica, representando-o na cerimônia de posse do novo presidente. É verdade que para ir de
Brasília a San José deve-se passar por Miami, esperar um tempão no aeroporto (ótimo barbeiro) e pegar outro vôo. Talvez tenha sido melhor mandá-lo de
jatinho.
No entanto, segundo um levantamento da FAB, a carga
Weffort foi transportada em
aviões oficiais nada menos que
500 vezes entre 1995 e o início de
1999.
Está certo lembrar que custa
mais caro decolar o avião do
que pagar a comida dos flagelados. Mas, quando o avião decola com um ministro, essa viagem é mais cara ou mais barata
em relação a quê?
O racionalismo do tucanato
valeu para cesta de flagelado,
mas não valeu para carga ministerial. Esse foi seu pecado.
Não houve drama social brasileiro que merecesse pronta e
sincera resposta do governo. Em
vez de amparo, a população recebeu racionalizações livrescas,
muitas vezes pedestres, como a
da relação entre o custo do vôo e
o da cesta.
Em quase seis anos de governo, o tucanato pareceu mais interessado em provar à choldra
que era mais inteligente do que
ela do que em lhe mostrar que
estava ao seu lado.
Tucano tem essa mania.
Quando uma pessoa discorda
do que ouve, ele repete o que disse, porque pensa que o outro
não entendeu suas clarividentes
palavras. Não lhe passa pela cabeça a possibilidade de que o interlocutor esteja pura e simplesmente discordando.
Nessa hora é que entra o ovo,
assim como entrou a vaia solitária do sujeito da São João. Ambos são unilaterais, primitivos e
infalivelmente irretorquíveis.
No auge do populismo cambial, o doutor Gustavo Franco,
ainda como diretor do Banco
Central, deu uma lição aos gentios e informou: "O drama da
economia é que tudo tem um
custo".
O drama da política também.
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