|
Texto Anterior | Índice
Fila por comida é rotina no sertão de PE
RICARDO KOTSCHO
ENVIADO ESPECIAL A PERNAMBUCO
Antes de o dia clarear, duas dezenas de caminhões paus-de-arara começaram a encostar em frente à Biblioteca Municipal de Calumbi, às margens da PE 320, a
410 km do Recife, próximo a Serra
Talhada, trazendo o povo da roça
para receber comida.
O ritual, que se repete há quatro
anos, uma vez por mês, já faz parte da rotina do local. Mas, havia
dois meses, ele tinha sido interrompido porque o governo federal deixara de mandar as cestas
básicas que seriam distribuídas
para 950 famílias cadastradas.
Ontem foi dia de festa. Calumbi
foi o primeiro dos 56 municípios
em estado de calamidade no sertão de Pernambuco a receber comida depois das medidas de combate à seca anunciadas pelo governo federal na semana passada.
Sob uma chuva fina e intermitente, que os sertanejos chamam
de neblina, imensas filas de agricultores carentes aguardavam a
abertura do portão da biblioteca,
às 7h. Para evitar tumultos, o secretário de Agricultura de Calumbi, José Soares de Lima, mobilizou
12 funcionários da prefeitura e
um carro de polícia.
Quase metade da população da
cidade, de 7.050 habitantes, depende das cestas básicas para sobreviver desde o final de 1996,
quando a seca começou e não acabou mais. Agora, com o agravamento da seca, o prefeito Cícero
Simões de Lima (PPS) já pediu ao
governo federal o envio de mais
350 cestas por mês.
As mulheres eram maioria absoluta na fila. Segurando o filho
de um ano no colo, Gildete Bonfim do Nascimento, 20, parecia
ter ganhado na loteria ao carregar
na cabeça a cesta com 13 kg de alimentos: arroz, feijão, farinha, fubá, açúcar, sal, óleo e uma lata de
carne em conserva.
Francisco Sebastião Magalhães,
53, dono de 35 hectares de terra de
onde não colheu nada neste ano,
nem dormiu à noite com medo de
perder o caminhão que saiu de
madrugada de Rocas Velhas, levando 40 lavradores que pagaram
R$ 1 para ir à cidade. Ele já enfrentou as secas de 58, 70, 73 e 93 e garante que esta é a pior.
Além de garantir a sua cesta,
Antonio José da Silva, 28, tinha
outro desafio. Convencer os funcionários da prefeitura a lhe entregarem também a cesta do seu
vizinho Sebastião Severino de Lima, que não pôde vir porque sua
mulher estava doente.
Às 9h, a fila ainda parecia grande demais para as poucas cestas
que sobravam no estoque de 16
toneladas. É que muita gente arriscava a sorte, mesmo sem estar
cadastrada. "O pessoal fica teimando para ver se sobra alguma
coisa", explica o secretário José
Soares de Lima.
A polícia não teve trabalho. Em
silêncio, as pessoas esperavam
sua vez na fila, conformadas. Ao
pé da serra dos Cariris Velhos, onde até o mandacaru está secando,
o lavrador Antonio José dos Santos, que espera o nascimento do
terceiro filho, habituou-se a viver
de favor, mas não pensa em ir embora. Ele vive da ajuda que recebe
do sogro e do governo. "Dá vergonha receber comida dos outros,
mas é o jeito, não tem outra opção. Às vezes, penso em ir embora, mas lá em São Paulo é pior."
Texto Anterior: Ação contra a seca pode ser boicotada no PE Índice
|