São Paulo, sexta-feira, 28 de junho de 2002

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JANIO DE FREITAS

À margem da lei

Fosse um único delegado da Polícia Federal a cometer uma ilegalidade, seria possível admitir a ocorrência de um fato sem propósitos definidos. São vários, porém, os delegados da PF que agiram em comum para o mesmo fim. Nem se sabe ao certo quantos são, citados já quatro ou cinco, além de um escrivão.
A ação combinada e repleta de ilegalidades deliberadas recaiu sobre um candidato à Presidência da República, concorrente previstamente principal do candidato do governo. E, desenvolvendo-se há um ano e sete meses, só foi sustada anteontem porque descoberta. A falsidade de sua motivação é óbvia: se verdadeira, a Polícia Federal estaria levando já mais de ano e meio para descobrir se o candidato de oposição teria imóveis em nome de terceiros. Mesmo para a PF, seria um exagero de incompetência policial.
O ministro da Justiça, Miguel Reale Jr., determinou um procedimento administrativo para apurar um dos pontos de partida das ações ilegais da PF: o uso indevido do nome e da autoridade da CPI do Narcotráfico por delegado, para criar a "justificativa" de investigações contra Luiz Inácio Lula da Silva. Mas a criação de um documento falsamente atribuído a uma seção do Congresso Nacional é definível como ato de falsidade ideológica. E falsidade ideológica é crime. Logo, caso de inquérito criminal.
O mesmo se dá com a alegação para o pedido de escuta telefônica em mais de 40 aparelhos de Santo André. No caso da CPI, a providência ministerial seguiu-se a pedido do presidente daquela comissão, deputado Magno Malta. No caso de Santo André, a falta de pedido e de providência faz supor que o ministro continua convicto de que as falsificações de documento e de motivos, por parte da Polícia Federal, são "cavalo de batalha do PT para encobrir as irregularidades na Prefeitura de Santo André" -as quais, por sinal, não têm que ser protegidas por sigilo na CPI da Câmara Municipal.
Mas quem pode investigar as práticas na PF, sem suscitar suspeitas, justificadas, de desvios por espírito de corporação? A Constituição responde: "São funções institucionais do Ministério Público: (VII) exercer o controle externo da atividade policial. Mas o Ministério Público Federal está sob a direção do procurador-geral Geraldo Brindeiro, que não tem a seu crédito qualquer iniciativa para fazer respeitada aquela determinação constitucional.
Com isso, a Polícia Federal se permite, há anos, praticar à vontade o que chama de IPP, que vem a ser Investigação Policial Preliminar. É o procedimento adotado contra o candidato Lula da Silva. E nada faz crer que não esteja adotado contra Ciro Gomes e contra Anthony Garotinho. Trata-se, no entanto, de procedimento ilegal e perigosíssimo para os cidadãos.
O IPP transcorre nas sombras e em silêncio, para que dele não tomem conhecimento o Ministério Público e os magistrados. Pode estender-se por quanto tempo seus praticantes queiram e, como não está regido pelas normas regulares e legais, presta-se a todo tipo de arbitrariedade. Se assim quiser um policial ou um grupo deles, pode prestar-se inclusive a extorsões, a partir de um inquérito que inexiste oficialmente até para a própria PF.
A legislação e o Código de Processo Penal exigem que as investigações se façam sob a forma de inquéritos, para evitar que práticas policiais fora da lei sujeitem os cidadãos, candidatos ou não, aos atos típicos de estados policiais. Como o de espionar e investigar, sob motivações falsificadas, a vida de uma pessoa por um ano e sete meses, sem que a vítima, o Ministério da Justiça, o Ministério Público e o Judiciário tenham, ao menos, conhecimento.
No Rio houve um bandido, Lúcio Flávio Villar Lírio, famoso pela inteligência e por certas posições, que adotava este refrão: "Polícia é polícia, bandido é bandido". Bons tempos, aqueles.



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