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Temendo punição, juízes vetam acesso a processos
Conduta é motivada por resolução do Conselho da Justiça Federal sobre dados sigilosos
Magistrados tornam secretas ações que contêm algum tipo de informação sob sigilo, impedindo acesso a dados e decisões de interesse público
FLÁVIO FERREIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma resolução do Conselho
da Justiça Federal (CJF) sobre
a condução de processos com
dados sigilosos vem causando
apreensão entre os juízes federais, que estão tornando inteiramente secretas ações judiciais que contêm algum tipo de
informação sob segredo.
Ao decretarem as restrições,
por receio de punições, os magistrados também acabam impedindo o acesso a dados e decisões de interesse público.
Os juízes reclamam que,
além das restrições à divulgação de informações, a resolução
nº 58 do CJF -órgão administrativo da Justiça Federal- determina a abertura imediata de
processo administrativo disciplinar contra os magistrados
quando ocorrerem vazamentos
de dados sigilosos nas ações sob
responsabilidade deles.
Antes da resolução, isso
ocorria em geral após a realização de apurações preliminares.
Em vigor desde 27 de maio, a
resolução do CJF teve como
efeito a decretação em massa
de segredo de Justiça em processos nas varas federais, principalmente nas criminais. Muitos magistrados deram à medida do conselho o apelido de "resolução da mordaça".
Entre outras restrições, a resolução impede que os juízes
tornem públicas as sentenças
até o esgotamento das possibilidades de defesa nas causas -o
chamado trânsito em julgado-
, situação que em geral leva
muitos anos para ocorrer.
Em procedimentos de investigação criminal com dados sob
sigilo, somente podem ser fornecidas "informações meramente referentes à sua existência", de acordo com a resolução.
O texto também permite que
até mesmo os nomes dos réus
sejam omitidos dos sistemas de
informática e das páginas dos
tribunais na internet.
A Constituição Federal estabelece que "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos
processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social
o exigirem".
Com base nesta regra, antes
da criação da resolução os juízes decretavam o sigilo para documentos relativos à vida privada, ao sigilo fiscal, bancário e
telefônico dos réus.
Agora, com receio da medida
do CJF, os magistrados passaram a tornar secretos todos os
volumes dos processos que
possuam algum documento
sob segredo de Justiça.
Fernando Mattos, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), diz que
não vê na resolução uma medida para calar juízes, mas aponta
problemas no texto do CJF.
Mattos critica a imediata instauração de processo disciplinar contra juízes quando houver suspeitas de vazamentos.
"Não pode ser assim, acho
que talvez aí tenha havido um
excesso de zelo. Realmente isso
pode causar algum tipo de intranquilidade na magistratura.
Na verdade, deve haver uma
apuração prévia", disse.
Quanto às proibições de divulgação de informações, Mattos afirmou que tais regras devem ser interpretadas em conformidade com o direito à informação previsto na Constituição. "Pode-se ter acesso às
informações que não atinjam a
intimidade. O que não pode
acabar é o direito de informar",
afirmou Mattos.
Ele disse que a comissão de
processo penal da Ajufe está
analisando a resolução do CJF
e pode propor modificações ao
texto do órgão. "O Conselho da
Justiça Federal se mostrou
aberto a fazer modificações e,
se não fizer, podemos questionar judicialmente", afirmou.
O presidente da Ajusfesp
(Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso
do Sul), Ricardo Nascimento,
também afirma que a criação
da resolução teve o objetivo de
fixar regras claras para a condução dos processos com dados
sigilosos, mas merece reparos.
"O CJF está com boas intenções. Mas tenho sérias dúvidas
sobre a legalidade disso. O CJF
é um órgão administrativo, e
matéria processual é matéria
de lei", disse o magistrado.
Quanto à divulgação de informações sobre as ações, Nascimento disse que, "na prática,
a resolução vai levar o juiz a
uma posição mais conservadora em relação ao sigilo dos processos. Isso pode acarretar prejuízo ao direito de informação".
Segundo o juiz, "o direito à
informação tem como seu limite a intimidade das pessoas, e
deve estar equilibrado com o
interesse da investigação".
Procurado para comentar as
críticas à resolução nº 58, o CJF
informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que "a resolução não inova na matéria
[das regras sobre processos sigilosos], apenas contempla o
que já existe na legislação sobre
o assunto".
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