São Paulo, Quarta-feira, 28 de Julho de 1999
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JANIO DE FREITAS
O poder contestado

Origem e centro dos assuntos que têm dominado a política e o jornalismo político neste ano, mesmo quando se trata de uma mexida no ministério, o senador Antonio Carlos Magalhães deu, ontem, um largo passo para a frente e para cima. Sua atitude ultrapassa a de influência dominante nas decisões de Fernando Henrique Cardoso, para ser a de quem divide, em medida à sua escolha, poderes típicos do poder presidencial.
A abordagem do necessário combate à pobreza, na semana passada, se fez como a exibição de um contraste com Fernando Henrique, à maneira de uma provocação mais pontiaguda que o provocado, caindo na armadilha, fez evoluir para um desafio de Antonio Carlos. Para dar ao senador a pretendida oportunidade de exibir o contraste factual das intenções, finalidades no poder e competências.
Atitude de candidato, como interpretam muitos, ou não, como ressalva o próprio Antonio Carlos, essa, por ora, é questão secundária. Significativo é que a atitude de Antonio Carlos nada teve com a de um senador fazendo a apresentação preliminar de projeto seu. As referências ao teor, a tramitação que quer (isso mesmo, quer), a essencialidade da proposta acima do apoio ou oposição, tudo foi feito como faria o governante apresentando o seu projeto ao país e ao Congresso. ""Eu preciso do apoio de toda a sociedade para esse projeto" é, inequivocamente, frase presidencial em defesa de um projeto de governo. Nunca de parlamentar pleiteando a simpatia dos colegas para sua proposta.
É no que reflete de Fernando Henrique e do governo, porém, que está a importância imediata da atitude de Antonio Carlos e seu sentido político, institucional até. O espaço predominante que é o de Antonio Carlos não foi tomado por força nem por artifício. Resulta da dependência preferida por Fernando Henrique. Da fraqueza que os seus áulicos têm chamado de espírito conciliador. Resulta da falta de firmeza também no sentido de visão clara e coerência pessoal e política. Resulta da sua indolência.
O Brasil vive a situação de país cuja Presidência está em disponibilidade. E sob a ilusão de que, passado a turbulência econômica mais explícita, em janeiro, o país vai convivendo muito bem seus problemas, promissoramente. Foi só coincidência no tempo, mas não por acaso institucional que a elevação de atitude do senador Antonio Carlos se deu quando outras evidências, e mais graves, denunciam a piora das condições do país.
Greve nacional de caminhoneiros, com entupimento das maiores estradas e prejuízos ao abastecimento das cidades. Marcha nacional dos sem-terra sobre Brasília. Acampamento de trabalhadores da Ford no centro de São Paulo. Mais um Estado, Alagoas, declara moratória. Agravamento incontrolável da violência urbana. Problemas à vista no Congresso, com recusa dos dois partidos fundamentais a manter a docilidade utilitária dos últimos anos. E, além de outros fatos eloquentes, um manifesto de militares pela renúncia de Fernando Henrique, no qual as assinaturas de reformados não deixam de representar a opinião de grande parte da oficialidade da ativa.
Que Fernando Henrique esteja há muito tempo contra a parede só é fato surpreendente para quem o supôs politicamente capaz. Mas que nem ao menos tente sair da situação em se pôs, como se nessa humilhação a sua vaidade purgasse culpas infindas, pode-se acreditar que ninguém esperaria. Nem formalizada ainda, a proposta de Antonio Carlos logo iniciou a polêmica em torno de seus aspectos tributários, fiscais e empresariais. São, talvez, os seus aspectos menos expressivos.


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