São Paulo, terça-feira, 28 de agosto de 2001

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INTELIGÊNCIA MILITAR

Encontros do PT e manifestações de estudantes foram acompanhados nos governos de Itamar e FHC

Exército espiona como no regime militar

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Documentos confidenciais obtidos pela Folha revelam que o Exército emprega hoje as mesmas técnicas de espionagem que utilizava na época do regime militar. A terminologia dos relatórios de inteligência também é a mesma, exceto por um detalhe semântico: depois da posse do presidente Fernando Henrique Cardoso, pessoas e organizações antes tachadas de "subversivas" passaram a ser classificadas como "forças adversas".
O novo lote de documentos obtido pela reportagem se refere a operações de arapongagem realizadas desde a década de 70. Acomodados um sobre o outro, os papéis medem meio metro de altura. Incluem ações praticadas durante o governo de Itamar Franco e no início da gestão de FHC. Sob ambos, o Exército monitorou, por exemplo, encontros e manifestações do PT e da UNE (União Nacional dos Estudantes).
A Folha comparou o conteúdo dos relatórios pós-regime de 1964 com os textos de documentos apreendidos há um mês em escritório de espionagem do Exército em Marabá (PA). Vem daí a conclusão de que a essência dos métodos e da terminologia da máquina de espionagem militar mantém-se inalterada.

FHC subversivo
O cotejo dos papéis realça uma particularidade historiográfica: o mesmo Fernando Henrique Cardoso que hoje comanda as Forças Armadas -e, por consequência, o Exército- figura nos documentos mais antigos como protagonista da "subversão". Embora residisse em São Paulo, o sociólogo de esquerda inspirava arapongas até em Goiânia (GO).
Em novembro de 1978, uma notícia de jornal fez com que espiões lotados na capital goiana gastassem tempo e dinheiro público para informar aos seus superiores em Brasília que Fernando Henrique seria candidato ao Senado por São Paulo. Sob a tarja de "confidencial", transmitiu-se ao Comando Militar do Planalto um segredo de polichinelo: FHC tivera sua candidatura confirmada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). E merecera uma reportagem no jornal local "O Popular".
O documento enviado a Brasília fazia referência ao texto do jornal e acrescentava: "Fernando Henrique Cardoso foi condenado, em 1965, a cinco anos e dois meses de reclusão, conforme consta do informe número 035 [...", de 17 de julho de 1967, do Estado Maior do Comando do Sétimo Distrito Naval". Não houve condenação. FHC foi absolvido em instância superior. Mais tarde, aposentaram-no compulsoriamente de uma cátedra na USP (Universidade de São Paulo). Hoje FHC recebe do Estado uma compensação mensal de cerca de R$ 5.000.

Aulas na FGV
A simples menção ao nome de intelectuais como Fernando Henrique Cardoso eriçava a arapongagem do Exército. Em documento confidencial de 1973, anotou-se o seguinte:
"Na Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, verificou-se que alguns professores possuem antecedentes pouco recomendáveis para lecionar, destacando-se entre eles Manoel T. Berlimch e Maria Cecília Spina Forjas. Tais professores, em suas aulas, indicam para consulta dos alunos trabalhos de autores reconhecidamente esquerdistas, tais como Fernando Henrique Cardoso, Paulo Israel Singer, Paula Beiguelman, Florestan Fernandes e Celso Furtado".
A exemplo do que fazem hoje, os espiões do Exército trabalhavam sob falsa identidade. A Folha revelou que agentes monitoram o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) munidos de falsas carteiras de jornalistas. Descobre-se agora que o expediente, chamado de "estória cobertura" nos papéis antigos e nos novos, vem de longe.
Em setembro de 1976, por exemplo, o Exército despachou uma equipe de espiões para o município de Formoso, no interior de Goiás. Sua missão era levantar as atividades do MDB (Movimento Democrático Brasileiro) na cidade. Ao final de seu relatório, o chefe da operação, identificado como Paulo Roberto, anotou:
"Devido ao movimento de pessoas estranhas na cidade, ocasionado pela época de eleições, foi fácil utilizar a estória cobertura de repórter do Globo [..."."
Entre os documentos obtidos pela Folha há uma "nota de orientação" de 1988. Contém instruções para o recrutamento de informantes do Exército. O conteúdo é semelhante ao de uma apostila distribuída a alunos do curso básico de espionagem ministrado pelo Exército em 1997, já durante a gestão FHC.
Graças a uma outra técnica importada do passado, a infiltração de agentes, o Exército pôde monitorar em 1993, sob Itamar Franco, atual governador de Minas, e em 1995, sob FHC, encontros e manifestações do PT e da UNE. Obtiveram-se documentos e gravaram-se pronunciamentos, inclusive de Luiz Inácio Lula da Silva.
Entre os motivos apresentados pelo Exército para espionar um encontro da cúpula do PT em junho de 1995, em Vitória (ES), estava o fato de que o partido faria "uma avaliação do governo Fernando Henrique Cardoso [...]".



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