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INTELIGÊNCIA MILITAR
Encontros do PT e manifestações de estudantes foram acompanhados nos governos de Itamar e FHC
Exército espiona como no regime militar
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Documentos confidenciais obtidos pela Folha revelam que o
Exército emprega hoje as mesmas
técnicas de espionagem que utilizava na época do regime militar.
A terminologia dos relatórios de
inteligência também é a mesma,
exceto por um detalhe semântico:
depois da posse do presidente
Fernando Henrique Cardoso,
pessoas e organizações antes tachadas de "subversivas" passaram a ser classificadas como "forças adversas".
O novo lote de documentos obtido pela reportagem se refere a
operações de arapongagem realizadas desde a década de 70. Acomodados um sobre o outro, os
papéis medem meio metro de altura. Incluem ações praticadas
durante o governo de Itamar
Franco e no início da gestão de
FHC. Sob ambos, o Exército monitorou, por exemplo, encontros
e manifestações do PT e da UNE
(União Nacional dos Estudantes).
A Folha comparou o conteúdo
dos relatórios pós-regime de 1964
com os textos de documentos
apreendidos há um mês em escritório de espionagem do Exército
em Marabá (PA). Vem daí a conclusão de que a essência dos métodos e da terminologia da máquina de espionagem militar
mantém-se inalterada.
FHC subversivo
O cotejo dos papéis realça uma
particularidade historiográfica: o
mesmo Fernando Henrique Cardoso que hoje comanda as Forças
Armadas -e, por consequência,
o Exército- figura nos documentos mais antigos como protagonista da "subversão". Embora
residisse em São Paulo, o sociólogo de esquerda inspirava arapongas até em Goiânia (GO).
Em novembro de 1978, uma notícia de jornal fez com que espiões
lotados na capital goiana gastassem tempo e dinheiro público para informar aos seus superiores
em Brasília que Fernando Henrique seria candidato ao Senado
por São Paulo. Sob a tarja de
"confidencial", transmitiu-se ao
Comando Militar do Planalto um
segredo de polichinelo: FHC tivera sua candidatura confirmada
pelo STF (Supremo Tribunal Federal). E merecera uma reportagem no jornal local "O Popular".
O documento enviado a Brasília
fazia referência ao texto do jornal
e acrescentava: "Fernando Henrique Cardoso foi condenado, em
1965, a cinco anos e dois meses de
reclusão, conforme consta do informe número 035 [...", de 17 de
julho de 1967, do Estado Maior do
Comando do Sétimo Distrito Naval". Não houve condenação.
FHC foi absolvido em instância
superior. Mais tarde, aposentaram-no compulsoriamente de
uma cátedra na USP (Universidade de São Paulo). Hoje FHC recebe do Estado uma compensação
mensal de cerca de R$ 5.000.
Aulas na FGV
A simples menção ao nome de
intelectuais como Fernando Henrique Cardoso eriçava a arapongagem do Exército. Em documento confidencial de 1973, anotou-se o seguinte:
"Na Escola de Administração de
Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, verificou-se que alguns professores possuem antecedentes pouco recomendáveis para lecionar, destacando-se entre eles Manoel T.
Berlimch e Maria Cecília Spina
Forjas. Tais professores, em suas
aulas, indicam para consulta dos
alunos trabalhos de autores reconhecidamente esquerdistas, tais
como Fernando Henrique Cardoso, Paulo Israel Singer, Paula Beiguelman, Florestan Fernandes e
Celso Furtado".
A exemplo do que fazem hoje,
os espiões do Exército trabalhavam sob falsa identidade. A Folha
revelou que agentes monitoram o
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) munidos
de falsas carteiras de jornalistas.
Descobre-se agora que o expediente, chamado de "estória cobertura" nos papéis antigos e nos
novos, vem de longe.
Em setembro de 1976, por
exemplo, o Exército despachou
uma equipe de espiões para o município de Formoso, no interior
de Goiás. Sua missão era levantar
as atividades do MDB (Movimento Democrático Brasileiro) na cidade. Ao final de seu relatório, o
chefe da operação, identificado
como Paulo Roberto, anotou:
"Devido ao movimento de pessoas estranhas na cidade, ocasionado pela época de eleições, foi fácil utilizar a estória cobertura de
repórter do Globo [..."."
Entre os documentos obtidos
pela Folha há uma "nota de orientação" de 1988. Contém instruções para o recrutamento de informantes do Exército. O conteúdo é semelhante ao de uma apostila distribuída a alunos do curso
básico de espionagem ministrado
pelo Exército em 1997, já durante
a gestão FHC.
Graças a uma outra técnica importada do passado, a infiltração
de agentes, o Exército pôde monitorar em 1993, sob Itamar Franco,
atual governador de Minas, e em
1995, sob FHC, encontros e manifestações do PT e da UNE. Obtiveram-se documentos e gravaram-se pronunciamentos, inclusive de
Luiz Inácio Lula da Silva.
Entre os motivos apresentados
pelo Exército para espionar um
encontro da cúpula do PT em junho de 1995, em Vitória (ES), estava o fato de que o partido faria
"uma avaliação do governo Fernando Henrique Cardoso [...]".
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