|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
Ex-prefeito nega conta na ilha, se diz perseguido, co-responsabiliza Alckmin pelo apagão e critica gestões de FHC e Marta
Maluf diz que "caso Jersey" nasceu no Brasil
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ex-prefeito Paulo Maluf disse
em entrevista por escrito que a investigação sobre sua conta no paraíso fiscal de Jersey começou a
partir do Brasil. "A investigação
partiu daqui para lá. Essa história
toda começou aqui no Brasil. Estranho essa perseguição pessoal.
Por que outras lideranças políticas nunca foram investigadas no
exterior?", afirmou.
A Folha procurou o ex-prefeito
durante alguns dias para que ele
se manifestasse sobre o caso Jersey. Na semana passada, Maluf
concordou em falar, mas impôs
condições: teria de ser uma entrevista de 20 perguntas, às quais ele
responderia por escrito.
Maluf também exigiu que cinco
perguntas apenas fossem sobre o
caso Jersey. Outras cinco seriam
sobre a Prefeitura de São Paulo,
cinco sobre o estado da economia
do país e as restantes sobre o governo paulista.
No sentido de dar voz à versão
de Maluf, a Folha concordou com
a proposta do ex-prefeito. Mesmo
assim ele não aproveitou essa
oportunidade para esclarecer as
dúvidas sobre Jersey. Suas respostas sobre o caso são, na maioria,
evasivas.
Leia a seguir a entrevista:
Folha - Como é possível o sr. continuar negando a existência de
uma conta no paraíso fiscal de Jersey quando o seu nome aparece,
por escrito, em um documento oficial do Coaf suíço (o Bundesamt Für
Polizeiwsen) como titular da conta,
onde está identificado, inclusive, o
nome do banco: Citibank?
Paulo Maluf - A conta não é minha, nem conheço as empresas. O
que eu posso dizer é que não tenho conta em nenhum paraíso
fiscal do mundo, em nenhum lugar que não seja o Brasil.
Folha - Se a conta não pertence
ao sr., por que o sr. não solicita oficialmente ao Citibank, em Jersey e
na Suíça, que envie um documento
formal negando o seu envolvimento com o caso?
Maluf - Li na Folha uma declaração de um diretor do Citibank, dizendo que eles não dão informações sobre clientes , "incluindo se
uma pessoa é ou não cliente". Não
vejo como obrigá-los a atender
quem não é seu cliente.
Folha - O documento apresentado pelo Bundesamt Für Polizeiwsen revela dois movimentos na suposta conta: o primeiro, em julho
de 1985, quando a conta teria sido
aberta na Suíça logo após sua derrota no Colégio Eleitoral para Tancredo Neves; e o segundo em 1997,
quando a conta do Citibank é transferida da Suíça para Jersey, oito
dias depois de o sr. deixar a Prefeitura de São Paulo. A coincidência
sugere, segundo os que o acusam,
que o sr. teria utilizado, nos dois
casos, sobra financeira de suas
campanhas políticas (para presidente da República e para eleger
Celso Pitta prefeito) para movimentar essas supostas contas. É
verdade? Onde foram aplicadas as
possíveis sobras de suas campanhas?
Maluf - Eu nunca me envolvi
com a arrecadação de contribuições de campanha, nem com seus
gastos. Nesse ponto ajo como Fernando Henrique, Mário Covas e
Lula. Aliás, não conheço líder político que se envolva pessoalmente nessa parte da campanha. Infelizmente, um dos meus mais leais
colaboradores, no qual sempre tive confiança cega, amigo querido,
de honestidade absoluta, não está
mais aqui entre nós.
Folha O início da investigação em
torno da suposta conta ocorreu por
causa de um pedido de informações oficiais do Coaf de Jersey para
o Coaf brasileiro. Na sua avaliação,
por que o Coaf de Jersey tomou essa iniciativa? O sr. acha que é apenas o resultado de um acordo internacional ou há inimigos políticos
do sr. por trás das acusações?
Maluf - Li na Folha de sexta-feira
que não foi bem isso o que aconteceu. A investigação partiu daqui
para lá. Essa história toda começou aqui no Brasil. Estranho essa
perseguição pessoal. Por que outras lideranças políticas nunca foram investigadas no exterior?
Alguns inimigos e até aliados do
sr. começam a considerar o seu envolvimento com a suposta conta
em Jersey como uma espécie de
"bala de prata" contra o seu futuro
político. Numa eventual campanha
ao governo de São Paulo em 2002,
como o sr. pretende responder a
acusações tão contundentes? Essa
acusação não o inviabiliza politicamente?
Maluf - Não, não me inviabiliza.
Eu já tive acusação até de ter um
filha fora do casamento, o que me
obrigou a me submeter ao constrangimento até perante minha
família de um exame de DNA, para provar que eu não era o pai.
Agora vêm novos constrangimentos para que um novo DNA
desminta outra vez meus inimigos.
Folha - Como o sr. acha que o país
vai estar daqui a um ano?
Maluf - O que me deixa angustiado é que poderíamos estar numa velocidade de crescimento de
5% a até 8% do PIB nesse segundo
semestre, mas vamos crescer
eventualmente só de 1% a 2%.
Ora, num país em que o índice de
natalidade é muito grande e onde
existe uma entrada no mercado
de trabalho de cerca de 2 milhões
de jovens por ano, esse crescimento é absolutamente insuficiente. A culpa disso essencialmente é do governo, que não previu o aumento da produção industrial no ano 2000, que foi de
cerca de 11% e exigiu por isso
mesmo uma demanda maior de
energia elétrica, em uma administração que praticamente fez a privatização desse setor. E que este
governo não tenha feito os investimentos necessários nesse setor,
o que hoje causa um verdadeiro
breque na economia do país.
Folha - O dólar e a inflação vão subir mais?
Maluf - O dólar já subiu cerca de
30% nos últimos sete meses, numa inflação que deveria ser de
4,8% este ano. Se isso é bom para
os exportadores e beneficia o Brasil, inclusive impedindo a importação desregrada, causa também
para as empresas que acreditaram
no Brasil e que investiram para renovar seus equipamentos, um
prejuízo em seus balanços. O balanço de contas correntes infelizmente vai ser altamente negativo
este ano.
É lamentável que o presidente
da República tenha dado o brado
de exportar ou morrer só agora,
no sétimo ano de seu governo, e
não no começo de sua administração. Acho que o dólar vai subir
mais e a inflação não vai se conter.
Folha - O crescimento vai estagnar?
Maluf - Vai crescer numa taxa
muito menor do que aquela que
nós precisamos. Não devemos esquecer que temos 170 milhões de
habitantes. Temos cerca de 70 milhões de jovens entre recém nascidos e 21 anos, que estão vindo todos os anos para o mercado de
trabalho e a estagnação do nosso
crescimento vai gerar sem duvida
problemas sociais sérios no Brasil.
Folha - Qual o efeito da crise sobre sua empresa, a Eucatex?
Maluf - A nossa empresa é sólida, com fábricas ultramodernas,
fazendo produtos da mais alta
qualidade a preços competitivos.
Exporta para 50 países. Tem mais
de 50 mil hectares de fazendas, 52
mil hectares de florestas com cerca de 100 milhões de arvores plantadas e cinco fábricas com alta
tecnologia. Possui 3.000 funcionários, na administração direta e
7.000 na administração indireta.
O nosso grande esforço hoje é direcionar tudo aquilo que não vendemos no mercado interno para a
exportação. Deveremos ampliar
as exportações nesse ano em cerca de 30%, o que evidentemente
deve contribuir para melhorar o
balanço da empresa.
Folha - O sr. está colaborando
com o racionamento de energia?
Qual foi a queda de consumo na
sua residência?
Maluf - Mais do que isso: instalei
na minha casa um gerador a diesel. Estamos economizando a
energia hidrelétrica, mas gastando óleo diesel, que é um subproduto do petróleo importado. Economizamos de um lado por falta
de oferta de energia, mas infelizmente estamos gastando do outro
lado, contribuindo para ampliar a
importação de petróleo e gás para
a geração de energia.
Além do mais a nossa empresa,
a Eucatex, comprou e está no porto de Santos, vindo para a fábrica
em Salto, a mais moderna turbina
Rolls Royce, com gerador General
Electric, para a produção de 13 mil
quilowatts. Vamos produzir cerca
de 40% da energia que consumimos. A queda de consumo em
minha casa foi de cerca de 25%.
Folha - Qual a avaliação que o sr.
faz da administração Marta Suplicy?
Maluf - Eu sou suspeito para
avaliar, mas quem é insuspeito
para fazer isso, o Datafolha, lhe dá
a condição de a pior prefeita das
capitais do Brasil.
Folha - Entre Marta Suplicy e Celso Pitta, seu ex-secretário e depois
seu sucessor, com quem o sr. ficaria
hoje?
Maluf - Marta representava uma
esperança e torço para que ela seja
uma boa prefeita, porque amo essa cidade. Mas toda a pregação
ética feita por ela e pelo PT não
tem a contrapartida da prática ética. Aí estão o aumento do preço
do Leve Leite, os problemas denunciados da coleta de lixo da cidade, o preço pago pela Prefeitura
pelo quilo de açúcar, os envolvimentos suspeitos do PT nos contratos de emergência, o aumento
da tarifa de ônibus que dona Marta disse que não poderia ser acima
de R$ 1,25 e acabou sendo de R$
1,40.
Tudo isso faz com que haja muita suspeição sobre o que seja realmente a ética do PT na administração pública.
A administração de Celso Pitta
foi infelizmente muito mal avaliada pela população e eu queria reparar o meu erro por tê-lo indicado, sendo prefeito de São Paulo,
novamente eleito, em 2000, porque me orgulho de ter saído da
administração da prefeitura em
1996 com 90% de ótimo, bom e
regular, segundo o Datafolha.
Mas entre Marta e Pitta prefiro ficar com o meu antecessor na primeira administração, que foi o
brigadeiro Faria Lima. Esse foi
um homem que realmente arrancou e deslanchou a administração
da cidade de São Paulo.
Folha - A prefeita Marta está pagando hoje R$ 0,51 a mais pelo quilo de leite em pó em relação à cidade do Rio de Janeiro. Como o sr. resolveria essa questão?
Maluf - Havia um contrato em
vigência no dia 1º de janeiro de
2001 quando dona Marta assumiu
a Prefeitura. É triste ver que cancelassem esse contrato, dando-se
de mão beijada o fornecimento
do leite por "contrato de emergência" para outra empresa. E a preço
mais caro. Agora está se pagando
mais caro o leite em São Paulo do
que no Rio de Janeiro e mais caro
do que em todas as outras prefeituras administradas pelo PT. É
um negócio suspeito, que o Ministério Público deveria investigar.
Folha - A atual administração não
prevê executar nenhuma obra viária de relevância na cidade de São
Paulo. Alega falta de recursos e que
o se ex-aliado Celso Pitta esvaziou
os cofres. O que o sr. tem a dizer a
respeito?
Maluf - A velha prática de culpar
o antecessor não funciona. Sucedi
Faria Lima e não o critiquei por
ter deixado os cofres vazios. Sucedi Paulo Egídio e não o critiquei
por deixar as suas dívidas. Sucedi
Luiza Erundina e não a critiquei
por ter deixado somente dívidas
para pagar e obras paralisadas. Eu
sou daqueles que acham que em
vez de amaldiçoar a escuridão, fica melhor acender uma vela.
Inaugurei todas as obras de Jânio
Quadros que Erundina havia deixado paradas, comecei e terminei
as minhas.
Quando dona Marta diz que
não vai fazer nenhuma obra, isso
é desculpa de pessoa não afeita à
administração pública.
Folha - Ficou melhor viver em São
Paulo sem Celso Pitta na prefeitura? O seu bairro, onde a prefeita
também vive, está mais limpo?
Maluf - O meu bairro sempre foi
de boa qualidade de vida, como
todos aqueles urbanizados pela
Companhia City: Jardim América, Jardim Europa, Pacaembu,
City Lapa, City Pinheiros e outros
tantos. Esses bairros têm muito
boa arborização e isso se deve à livre iniciativa e não à prefeitura.
Folha - O sr. é candidato ao governo do Estado de São Paulo em
2002?
Maluf - Não confirmo nem nego.
O último Datafolha me coloca em
primeiro lugar nas pesquisas, mas
qualquer definição será do partido em abril de 2002.
Folha - Qual será o mote na sua
campanha? Na sua opinião, o principal problema do Estado continua
sendo a segurança?
Maluf - O Estado tem problemas
seríssimos de segurança. Ainda
há pouco a Rede Globo mostrou
uma pesquisa em que no Rio de
Janeiro o índice de sequestro diminuiu de 55 por ano para 3 .
Aqui em São Paulo o índice aumentou de 12 para 45 por ano. No
ano de 2000 mataram na cidade
de São Paulo 5.970 pessoas, ou seja a impressionante marca de 115
pessoas por semana. Ora, na cidade de Nova York, em lugares como o Harlem, Queens e Bronx,
são duas mortes por semana.
Roubam-se na cidade de São Paulo cerca de 350 a 400 automóveis
por dia o que dá um pouco mais
de 100 mil carros por ano. O presidente da República se ufanou,
quando inaugurou uma fábrica
da General Motors, no Rio Grande do Sul, de que ela poderia produzir até 100 mil carros por ano.
Pois bem, a fábrica de roubos
dentro da cidade de São Paulo é
maior do que a fábrica de automóveis da General Motors no Rio
Grande do Sul. O problema do Estado não está só na Segurança,
mas também no desemprego, no
apagão. Culpa-se muito FHC pelo
apagão. Ele não é o único culpado.
O maior culpado pelo apagão é o
governador Alckmin, que vendeu
as nossas empresas de eletricidade, sem que obrigasse dos compradores a contrapartida do aumento da produção. Vendeu a
Eletropaulo, a Companhia Paulista de Força de Luz, a Cesp Paranapanema, a Cesp Tietê e só não realizou o leilão marcado da Cesp Paraná porque a Justiça impediu. É
mentira, quando se inaugura uma
turbina da usina de Porto Primavera, dizer que está se ampliando
a usina, pois Porto Primavera começou comigo quando governador e foi paralisada pelos tucanos.
O atual governo está há sete anos
no poder e já poderia ter instalado
as 18 turbinas da usina. Portanto,
o problema do apagão também é
culpa de Geraldo Alckmin.
Outra grande tortura em São
Paulo, a dos motoristas, é o pedágio. O que mais se construiu nesse
estado foi praça de pedágio. Não
se pode sair de casa sem pagar pedágio e aumenta-se o pedágio todos os anos, de acordo com o
IGPM, quando o pedágio hoje está nas mãos dos empreiteiros e o
custo das estradas não aumenta
tanto, porque estas obras já estão
prontas e amortizadas. E por que
o salário do funcionário público
também não aumenta de acordo
com o IGPM há sete anos?
Folha - O sr. é engenheiro e especialista em grandes obras. Qual a
sua avaliação sobre o aditamento
de 70% na obra do Rodoanel, acima do que prevê a lei de licitações
(teto de 25%)?
Maluf - É o maior escândalo da
história do Estado de São Paulo.
Em uma obra que foi contratada,
que o empreiteiro, por qualquer
razão não está cumprindo o cronograma, a lei diz "faça-se o distrato judicialmente ou administrativamente, faça-se uma nova
concorrência e contrate-se um
novo empreiteiro". Agora, aumentar de maneira unilateral o
seu preço em 70% quer dizer o seguinte: pode-se entrar na concorrência com qualquer preço porque depois o governo encontra
uma justificativa "de força maior"
para prostituir a lei. O que me espanta, nesse assalto aos cofres públicos do Estado, é que o Ministério Público para processar ou investigar o Paulo Maluf tem uma
velocidade do Michael Schumacher da Ferrari, enquanto que, para investigar os escândalos do
atual governo do Estado, tem
uma velocidade de tartaruga. O
Rodoanel está previsto custar a
preço de hoje R$ 8 bilhões. Quando o governo do Estado, de maneira pornográfica, indecorosa e
ilegal, aumenta unilateralmente o
seu preço em 70%, eleva o preço
em R$ 5,6 bilhões, ou seja, um aumento "módico" de US$ 2 bilhões.
Se isso não é uma patifaria, não sei
que substantivo ou adjetivo encontrar no dicionário para poder
definir esse aditamento.
Folha - Das principais pré-candidaturas a presidente da República,
qual a sua predileta e qual poderia
receber o seu apoio?
Maluf - Minha tese é que o PPB
lance candidatura própria. Para
meu gosto, o mais competente, o
mais ilustre e experimentado candidato é o ex-ministro e atual deputado Delfim Netto.
Folha - O seu partido, o PPB, já
demonstrou que pretende ficar na
coalizão governista e apoiar o candidato a presidente indicado por
Fernando Henrique. Como o sr.
pretende se posicionar?
Maluf - Se não houver candidatura própria, o partido no momento apropriado vai discutir
com quem vai ficar. Como presidente nacional do partido, eu só
um homem obediente à decisão
da maioria. Acho que os tucanos
já tiveram a sua vez, governaram
o país por oito anos. Chegou a hora de que outros, com idéias mais
modernas, levem o país ao desenvolvimento econômico de que ele
precisa.
Texto Anterior: Pará: PF desconfia de razão de morte de sindicalista Próximo Texto: Sobre Jersey Índice
|