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São Paulo, quinta-feira, 28 de agosto de 2003

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REGIME MILITAR

Recurso proposto pela União, porém, reconhece direito de familiares de localizar ossadas dos guerrilheiros

Governo recorre de decisão sobre Araguaia

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo recorreu ontem parcialmente da sentença judicial que determinou a abertura dos arquivos militares relacionados à guerrilha do Araguaia, movimento armado organizado pelo PC do B, na região do Bico do Papagaio (entre Tocantins, Maranhão e Pará), que foi extinto pelas Forças Armadas entre 1972 e 1975.
Assinado pelo advogado-geral da União, ministro Alvaro Augusto Ribeiro Costa, o recurso, apresentado ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, reconhece, porém, o direito dos familiares de localizar os restos mortais dos guerrilheiros e a obrigação da União "de envidar esforços" para isso. O recurso ressalta que tal obrigação está inscrita em lei de 1995 e vem sendo cumprida, elencando exemplos de expedições realizadas ao local.
Costa recorre contra o que foi determinado pela juíza Solange Salgado, da 1ª Vara da Justiça Federal do DF, em julho passado.
A juíza determinou a "quebra do sigilo das informações militares relativas a todas as operações realizadas no combate" e deu prazo de 120 dias para que sejam revelados os locais de sepultamento dos guerrilheiros mortos, além de dados relativos "à totalidade das operações" das Forças Armadas realizadas no Bico do Papagaio.
Segundo o ministro, Solange Salgado teria extrapolado o pedido feito pelos familiares de guerrilheiros mortos no Araguaia, autores da ação, em 1982, cujo objetivo seria estritamente saber o paradeiro dos restos mortais dos seus.

"Lamentável"
"A decisão do governo é tecnicamente incompreensível e politicamente lamentável", disse o advogado Luís Francisco Carvalho Filho, presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos.
Autor da ação, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) informou que ficou decepcionado com a decisão do governo.
Em nota, afirmou: "Tinha esperança de que o governo não entrasse com recurso. O que era esperança transforma-se em decepção. O governo perde uma chance de resolver definitivamente a questão dos brasileiros mortos no Araguaia. É uma pena. O sofrimento das famílias se perpetua. Vou contraditar o recurso. As informações existem".
Desde 1982, quando apresentou a ação à Justiça, Greenhalgh, recorrendo aos tribunais, conseguiu derrubar 16 recursos da União. Diante da sentença da juíza, afirmou estar vivendo, com a "petição de sua vida", "um momento de muita expectativa pessoal e profissional".
"O governo reconheceu dois direitos importantes e tomará providência imediatas e com eficiência", declarou o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.
O recurso, que reafirma o compromisso da União com a busca das ossadas, não sugere que providências seriam tomadas.
Ganha, assim, tempo para a negociação política, pois a saída -ou seja, a localização dos restos mortais dos guerrilheiros- certamente passará por um entendimento com os militares.
Ao mesmo tempo, ao recorrer, a União desarmou uma crise institucional, que vinha ganhando corpo desde o dia 22 de julho, quando a sentença foi publicada.
O recurso ressalta a mudança do contexto nacional entre o momento em que a ação foi proposta, ainda sob o calor da ditadura militar, e o papel das Forças Armadas hoje - "integrador", de "valioso apoio aos poderes públicos no combate à criminalidade".


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