São Paulo, segunda-feira, 28 de agosto de 2006

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biografia

Um radical de cunho religioso

AUGUSTIN WERNET
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 1987, quando d. Luciano Mendes de Almeida foi eleito presidente da CNBB, havia curiosidade da imprensa em saber suas idéias: "Peço a Deus atuar na conversão dos homens do egoísmo ao verdadeiro amor, sem conformismo e sem a impaciência dos violentos, para que as estruturas da convivência humana correspondam cada vez mais à dignidade dos filhos de Deus".
Projeto ambicioso, formulado em linguajar simples de cunho bíblico. Os termos progressista ou conservador não eram apropriados para caracterizar d. Luciano. Ele era um radical de cunho religioso. Pessoa de diálogo e conciliador, procurava, com integridade e inflexibilidade, viver e pôr em prática princípios e fundamentos que têm suas raízes na vida de Cristo e na mensagem bíblica.
Nascido em 1930, no Rio de Janeiro, de família católica, formou-se, sempre como primeiro aluno da classe, no prestigiado Colégio Santo Inácio. Aos 16, entrou para o Seminário da Companhia de Jesus em Nova Friburgo. A formação jesuítica é um eixo de sua vida: piedade inaciana, obediência aos superiores, esmerada formação cultural e científica e amor ao próximo.
As leituras filosófico-teológicas que mais o influenciaram foram as obras de renomados intelectuais que tiveram decisiva influência nas decisões do Concílio Vaticano 2º. Foi ordenado padre em Roma, em 5 de julho de 1958, e terminou os estudos na Europa com o grau de doutor em filosofia. De volta ao Brasil, foi nomeado bispo em 1976 e recebeu a sagração episcopal por d. Paulo Evaristo Arns. Entre 1976 e 1988, foi bispo auxiliar na região de Belém. Notabilizou-se pela dedicação à população carente e à Pastoral do Menor.
Sempre defendeu reformas sociais e com insistência cobrou do governo a execução das reformas de base. Foram estas posturas decisivas para sua eleição, em 1979, a secretário-geral da CNBB e para sua reeleição, em 1983, como também para sua condução, em 1987, à presidência da entidade. Sua escolha representou o deslocamento da liderança da ala progressista, de cunho mais político e social, para a linha moderada, de cunho mais religioso.
Este processo teve continuidade com a reeleição de d. Luciano, em 1991, e com a eleição para presidente da CNBB, em 1995, de d. Lucas Moreira Neves. Em 1988, d. Luciano foi nomeado arcebispo de Mariana (MG).
A sua fala foi sempre clara quando se tratava de questões de doutrina: rejeitou o aborto; criticou a campanha de combate à Aids; manifestou-se contra o divórcio e não recuou na rejeição do controle de natalidade por meio artificiais. Agradava a uma parte do clero ao defender reformas sociais, ao mesmo tempo em que se juntava aos padres mais tradicionais na resistência às tendências secularizadoras que relegam questões religiosas a um plano secundário. Em resumo: d. Luciano era um padre que rezava de verdade, praticava a caridade de modo radical, valorizava mais a ortopraxis do que a ortodoxia e, neste nosso mundo secularizado, viveu uma religiosidade de cunho bíblico e evangélico.


AUGUSTIN WERNET é professor titular do Departamento de História da USP e autor de "A Igreja Paulista no Século 19" (Ática)


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