|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FOLCLORE POLÍTICO
Ainda a força da versão
JARBAS PASSARINHO
Do dileto amigo senador Francelino Pereira, recebi seu excelente livro sobre Carlos Castello
Branco. Nele, há uma passagem
em que Castello revela ter ouvido
de Gustavo Capanema, então ministro de Getúlio, a mesma queixa da apropriação, por Alkmin,
da frase dele: "Em política o que
vale é a versão e não o fato".
Sobre a força da versão, valho-me de três exemplos significativos. Frequentemente, leio, a título
de criticar-se o nepotismo, que
Pero Vaz de Caminha teria inaugurado na cultura brasileira o favorecimento dos parentes. Pretende-se que na carta que escreveu ao rei D. Manuel, sobre "o
achamento da Terra de Vera
Cruz" o cronista conclua pedindo
um emprego a um sobrinho. Ora,
o que se contém na carta é que,
julgando-se merecedor por haver
bem servido ao rei, terminou Pero
Vaz com estas palavras: "Peço
que, por me fazer singular mercê,
mande vir da ilha de São Tomé a
Jorge de Osório, meu genro, o que
receberei em muita mercê". Os
engraçadinhos que deturpam a
frase desconhecem que a ilha, no
litoral da África ocidental, era
prisão de criminosos portugueses
desterrados. Um deles, Jorge de
Osório, genro de Caminha que este, por amor à filha, pediu ao rei
que o recambiasse para Lisboa.
A ignorância histórica repete-se
com profusão no atribuir-se a De
Gaulle ter dito que o Brasil não é
um país sério. Devido a discordância com a França, cujos pesqueiros capturavam lagosta na
plataforma continental brasileira, o Itamaraty teve delicada missão junto ao Ministério das Relações Exteriores Francês. Chegou-se a prenunciar a vinda de um
cruzador francês para impor o suposto direito dos pesqueiros. Nosso embaixador Alves de Souza teve dificuldades de defender-nos
dadas as constantes mudanças de
orientação que recebia. Desapontado, disse ao secretário que o
acompanhava: "Decididamente o
Brasil não é um país sério". E isso
revela nas suas memórias, nada
obstante o que, com certa vocação
masoquista, preferimos emprestar a frase a de Gaulle. É melhor
ser insultado por um estrangeiro... Flagrado numa citação como
de Rui Barbosa, no plenário da
Câmara, Tenório Cavalcanti foi
contestado por um colega cultor
de Rui, protestando que nunca o
"Águia de Haya" dissera aquilo.
Tenório saiu-se com esta: "Se não
disse, pensou dizer..."
JARBAS PASSARINHO, 82, governador
do Pará (1964 a 1966), ministro do
Trabalho no governo de Costa e Silva
e da Justiça no governo de Fernando
Collor, escreve aos sábados nesta seção
Texto Anterior: Leitorado se divide entre Lula Serra Próximo Texto: Campanha: Em crise, Ciro lança programa sem aliados Índice
|