São Paulo, sábado, 28 de setembro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

Ainda a força da versão

JARBAS PASSARINHO

Do dileto amigo senador Francelino Pereira, recebi seu excelente livro sobre Carlos Castello Branco. Nele, há uma passagem em que Castello revela ter ouvido de Gustavo Capanema, então ministro de Getúlio, a mesma queixa da apropriação, por Alkmin, da frase dele: "Em política o que vale é a versão e não o fato".
Sobre a força da versão, valho-me de três exemplos significativos. Frequentemente, leio, a título de criticar-se o nepotismo, que Pero Vaz de Caminha teria inaugurado na cultura brasileira o favorecimento dos parentes. Pretende-se que na carta que escreveu ao rei D. Manuel, sobre "o achamento da Terra de Vera Cruz" o cronista conclua pedindo um emprego a um sobrinho. Ora, o que se contém na carta é que, julgando-se merecedor por haver bem servido ao rei, terminou Pero Vaz com estas palavras: "Peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro, o que receberei em muita mercê". Os engraçadinhos que deturpam a frase desconhecem que a ilha, no litoral da África ocidental, era prisão de criminosos portugueses desterrados. Um deles, Jorge de Osório, genro de Caminha que este, por amor à filha, pediu ao rei que o recambiasse para Lisboa.
A ignorância histórica repete-se com profusão no atribuir-se a De Gaulle ter dito que o Brasil não é um país sério. Devido a discordância com a França, cujos pesqueiros capturavam lagosta na plataforma continental brasileira, o Itamaraty teve delicada missão junto ao Ministério das Relações Exteriores Francês. Chegou-se a prenunciar a vinda de um cruzador francês para impor o suposto direito dos pesqueiros. Nosso embaixador Alves de Souza teve dificuldades de defender-nos dadas as constantes mudanças de orientação que recebia. Desapontado, disse ao secretário que o acompanhava: "Decididamente o Brasil não é um país sério". E isso revela nas suas memórias, nada obstante o que, com certa vocação masoquista, preferimos emprestar a frase a de Gaulle. É melhor ser insultado por um estrangeiro... Flagrado numa citação como de Rui Barbosa, no plenário da Câmara, Tenório Cavalcanti foi contestado por um colega cultor de Rui, protestando que nunca o "Águia de Haya" dissera aquilo. Tenório saiu-se com esta: "Se não disse, pensou dizer..."


JARBAS PASSARINHO, 82, governador do Pará (1964 a 1966), ministro do Trabalho no governo de Costa e Silva e da Justiça no governo de Fernando Collor, escreve aos sábados nesta seção



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