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São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2003

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NO PLANALTO

Coerência do PT é geneticamente modificada

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Uma boa e uma má notícia para a ministra Marina Silva (Meio Ambiente). Primeiro, a boa nova: em sua cruzada contra a liberação do plantio de soja transgênica, a ministra conta com o apoio resoluto do principal partido político em atividade no país. Agora a má notícia: o nome da legenda é PT. Ou seja, Marina está só.
Na oposição, cheio de soluções, o PT especializou-se em tirar gênios da garrafa. No governo, pleno de problemas, o ex-PT esmera-se na técnica de fazê-los descer gargalo abaixo.
Em maio de 1999, a direção do PT divulgou nota de repúdio à intenção de Fernando Henrique Cardoso de liberar o cultivo e a comercialização de alimentos transgênicos. Classificou-a de "suspeita e irresponsável", verdadeiro "desafio à inteligência nacional". Na semana passada, a manifestação foi ao fundo da garrafa.
A julgar pelo conteúdo da nota do PT, as últimas ações do governo do ex-PT submetem os brasileiros a riscos insondáveis. Lido pelo então deputado José Genoíno (SP) no plenário da Câmara, o texto de 1999 alertava:
1) "proliferam, em todo o mundo, reações contrárias da comunidade científica aos transgênicos". Mencionou-se uma "manifestação da Associação Médica Britânica, exigindo a interrupção do plantio de alimentos geneticamente modificados em toda a Grã-Bretanha, até que novas pesquisas atestem que esses produtos não prejudicam a saúde humana e o meio ambiente";
2) "pesquisas desenvolvidas na Europa atestam que o uso de genes resistentes a antibióticos pode provocar a transferência desses genes para bactérias patogênicas no intestino e, assim, tornar ineficaz a ação dos antibióticos no organismo humano";
3) "informações de pesquisas realizadas em países como a Escócia, [dão conta de] graves distorções no sistema imunológico dos animais";
4) "no Japão, há dezenas de casos de morte de pessoas provocadas pelo consumo de triptofano, aminoácido produzido por uma bactéria geneticamente modificada";
5) "o emprego continuado de herbicidas em plantas resistentes ao produto, por meio da engenharia genética, provoca o surgimento de [algo que os cientistas chamam de] superinços, o que, junto a outros fatores, põe em ameaça o conjunto do meio ambiente e a saúde da população".
No exercício da Presidência, o vice José Alencar contou até dez antes de rubricar a medida provisória que autorizou o plantio de soja transgênica. Se tivesse lido a nota do PT, decerto teria economizado a tinta da caneta.
Além dos riscos à saúde, o documento mencionava os "inevitáveis impactos sobre a ampliação do fenômeno da exclusão social nas áreas rurais do país". Denunciava o risco de "marginalização dos produtos largamente cultivados pela agricultura familiar, que não se incluem entre aqueles comercialmente mais nobres" -como soja, por exemplo.
Há na nota do PT de 1999 um trecho que bem poderia ter sido endereçado ao ex-PT de 2003: "As dimensões éticas que envolvem os produtos transgênicos e a importância da matéria para o delineamento do futuro do país recomendam a posição de absoluto desacordo e confronto da bancada [petista] para com a condução suspeita e irresponsável do governo, relativa à deliberação desses produtos no Brasil, a toque de caixa e sem conhecimento científico dos riscos impostos à população e ao meio ambiente".
O PT de 1999 parecia disposto a ir às últimas consequências: "Mantida a liberação dos transgênicos, nas condições postas, cuidaremos para que o tempo não conspire contra a responsabilização criminal dos autores desse grave delito", a começar pela "figura do sr. Fernando Henrique Cardoso". É pena que a legenda já não exiba o mesmo ímpeto.


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