UOL

São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2003

Texto Anterior | Índice

OUTRO LADO

Eduardo Jorge vê "fraude" e "armação" em ação da Corregedoria da Receita Federal

"E-mail prova que somos santos", diz EJ

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em entrevista à Folha, Eduardo Jorge Caldas Pereira usou duas palavras para classificar o trabalho da Corregedoria da Receita Federal: "fraude" e "armação". Os auditores "não respeitaram os procedimentos mínimos de defesa dos acusados", revoltou-se. Disse mais: "Esses documentos apreendidos só provam que somos santos". Abaixo, a entrevista.
 

Folha - Como o sr. recebe a nova investida do Fisco?
Eduardo Jorge Caldas Pereira -
Como fraude. Há uma ordem judicial que mantém os documentos em segredo. Já me aplicaram uma multa fraudulenta. Agora invadiram as empresas com revólver na cinta. É uma armação. Fizeram uma busca e apreensão concluída na noite de uma sexta. Já na manhã de segunda mandaram um relatório para o Ministério Público. É esse o procedimento usual da Corregedoria? Não respeitaram princípios mínimos de defesa dos acusados.

Folha - A Receita diz, em documento oficial, que os R$ 903 mil que o sr. recebeu do Grupo Meta, a título de distribuição antecipada de lucros, serviram para regularizar, mediante simulação, variação patrimonial a descoberto da reforma de seu apartamento no Rio.
Eduardo Jorge -
É besteira. O patrimônio sempre esteve coberto. A reforma ocorreu no primeiro semestre do ano 2000. E o acordo para distribuição de dividendos foi em 99. Recebi em cheques, em 1999 e no princípio de 2000. É uma impossibilidade contábil. Não se pode encobrir um patrimônio a descoberto com o recebimento de novas rendas. Tudo já foi fiscalizado pela própria Receita, que considerou a operação regular. Esses documentos apreendidos pela Receita só provam que somos santos. Tendo que me afastar fisicamente das empresas, deixei com meus sócios algo que garantisse a eles o que nós tínhamos combinado de boca.

Folha - Em mensagem eletrônica de julho de 2003, o sr. lembra aos sócios que a necessidade de proteger o Grupo Meta levou à adoção de procedimentos de isolamento que não fariam mais sentido. Que procedimentos foram esses?
Eduardo Jorge -
O meu afastamento do conselho consultivo. Agora faz sentido o meu retorno. Esse e-mail era exatamente para organizar uma reunião em que íamos formalizar isso.

Folha - Para a Receita o seu afastamento de fato jamais ocorreu.
Eduardo Jorge -
Deixei o conselho consultivo. Nunca afirmei que tinha deixado de ser sócio. As cotas que possuo do Grupo Meta estão na minha declaração de rendimentos até hoje.

Folha - Entre os papéis apreendidos há uma carta de 4 de setembro de 2000. Trata do seu afastamento do conselho das empresas e relaciona o dinheiro que o sr. já havia recebido. Por que a carta foi feita?
Eduardo Jorge -
O objetivo era dar aos meus sócios a segurança para que, a partir dali, continuassem a fazer distribuição desproporcional de dividendos, agora contra mim, já que tinha havido distribuição desproporcional a meu favor durante algum tempo.

Folha - No e-mail de julho de 2003 o sr. faz menção à necessidade de repactuar com os sócios o que fora acertado no documento de 2000. Levantou a hipótese de simplesmente rasgar o papel. Para a Receita seria "eliminação de prova".
Eduardo Jorge -
Estão procurando chifre em cabeça de jumento. Eles dizem que o documento teria sido feito para regularizar situação patrimonial a descoberto. Pergunto: porque nunca utilizei esse papel? Qual o patrimônio a descoberto que foi regularizado por ele? Eu apenas disse para os meus sócios que a gente tinha de fazer um novo entendimento. Como? Fazendo um distrato? Simplesmente rasgando?

Folha - No mesmo e-mail de julho, o sr. menciona uma empresa (Alleanza), cujo faturamento seria 100% garantido por clientes seus. Os sócios são praticamente os mesmos do Grupo Meta. O seu nome, porém, não consta da sociedade.
Eduardo Jorge -
Quando houve o caso Eduardo Jorge um dos sócios se apavorou. Ficou com medo do que aconteceria com as empresas. Então a gente fez uma cisão. E ficou um pedaço da clientela, a privada, com a Alleanza. A clientela pública manteve-se com a Meta.

Folha - Estamos falando de mercado de seguros?
Eduardo Jorge -
Sim. Quanto à receita da Alleanza, ela vem de clientes que eu tinha sido o contato. Não tem nada demais nisso.

Folha - Na mesma mensagem, o sr. fala da necessidade de promover o descruzamento da Meta e da Alleanza. O que quer dizer isso?
Eduardo Jorge -
Você passou a ter a Alleanza no Rio e a Meta em Brasília. Com o tempo, o afastamento começa a gerar conflitos. Como a Meta é uma das sócias da Alleanza, um pedaço do lucro tinha que ser repassado para a Meta. Decidimos descruzar. A parcela que era da Alleanza reverte para o pessoal de Brasília, para a Meta.

Folha - O sr. anota no e-mail que 100% da receita da Alleanza, da qual nem era sócio, vem de clientes seus. E cobra dos sócios providências para equilibrar as coisas.
Eduardo Jorge -
No ramo de seguro, o camarada que traz o cliente costuma ganhar uma participação na lucratividade da apólice. Como virou tudo para a Alleanza e agora a gente está fazendo a reconstituição eu digo: olha, se são clientes que eu arranjei, todos privados, diga-se, como fica isso? Eu não sou sócio da Alleanza e não posso receber essa participação nos lucros. Estou colocando pontos sobre os quais os sócios precisam pensar.

Folha - Ainda no texto de seu e-mail, o sr. fala de outra empresa, a VML. O que é VML?
Eduardo Jorge -
É uma empresa que a gente está tentando montar.

Folha - Ainda não foi montada?
Eduardo Jorge -
Eu ainda não sou sócio dela. Acho que já foi montada. Vou participar. É esse o nosso acordo.

Folha - Dirigindo-se aos sócios, o sr. disse que não recebeu nada das empresas nos últimos três anos. E fala de uma distribuição de dividendos da VML. Foi, segundo suas palavras, "levada a crédito de meu passivo", sem consulta prévia. Se o sr. ainda não é sócio da VML, por que faria jus a dividendos?
Eduardo Jorge -
Estamos falando de uma besteirinha -R$ 10 mil, R$ 25 mil. Quando a situação da Meta se agravou, decidimos que certas facilidades, como motorista e plano de saúde, passariam a ser reembolsadas por nós.

Folha - O que tem a VML com isso?
Eduardo Jorge -
Como houve uma distribuição de lucro na VML em favor da Meta, eles pegaram o pedaço que viria a ser distribuído a mim e usaram para abater do débito de pagamento de seguro saúde e motorista.

Folha - O sr. pergunta ainda aos sócios no e-mail se não estaria na hora de formalizar as participações na VML. Diz o seu texto: "Seja no próprio contrato social ou, se se julgar que ainda existem riscos, num contrato entre nós". O que é um "contrato entre nós"?
Eduardo Jorge -
O que está dito aí é o seguinte: estamos combinados que vou participar da VML. Não está na hora de a gente formalizar essa participação? Se essa participação tem risco político, ou seja, se o nome Eduardo Jorge ainda é pesado para ser carregado, vamos fazer isso formalmente ou vamos fazer num contrato de gaveta, como diz o relatório da Receita, ou ainda de outras formas, como o contrato de trabalho ou um contrato civil registrado em cartório e declarado no Imposto de Renda.

Folha - O sr. acha correto o contrato de gaveta?
Eduardo Jorge -
Por que não? Sou um camarada que foi endemoniado durante três anos. As pessoas têm que se proteger. A questão é outra: se houver um contrato de gaveta eu vou ter rendimento? Se tiver rendimento, vou declarar esse rendimento? Como? A questão não se pôs até agora, porque ainda não houve isso, vocês estão presumindo que eu ia sonegar, que eu ia burlar o Imposto de Renda no futuro.

Folha - Não presumo nada, mas o Fisco diz, em documento oficial, que se trata de uma tentativa de fugir à fiscalização.
Eduardo Jorge -
Eles estão me fazendo uma fiscalização futura?

Folha - Pelo que entendi, eles supõem que, ao mencionar a hipótese de um contrato informal, o sr. está falando de algo que, à sombra de uma gaveta, não está exposta aos olhos da fiscalização.
Eduardo Jorge -
Isso quer dizer que eu vou sonegar? Pode-se sonegar com contrato de gaveta ou sem ser de gaveta.

Folha - O objetivo de um contrato de gaveta não é o de ocultar a participação num negócio?
Eduardo Jorge -
O objetivo de um contrato de gaveta, eventualmente, neste caso, seria o de deixar um sócio que está sendo atacado pela imprensa não aparecer publicamente.

Folha - Como ficou a dívida decorrente da antecipação de dividendos de R$ 903 mil que o sr. recebeu do Grupo Meta em 2000, já foi liquidada?
Eduardo Jorge -
Não. Digo no e-mail que, como mudou a situação, a gente não vai poder liquidar como combinado. Mudou a conjuntura. E se você tem uma empresa e faz uma distribuição desproporcional em favor de algum sócio, esse compromisso é puramente moral, não é dívida contábil, não é dívida cobrável. Meus sócios não podem chegar para mim e dizer: você me deve tanto.

Folha - Quanto já foi amortizado dos R$ 903 mil?
Eduardo Jorge -
Não sei. Veja bem, isso não é uma dívida, é um compromisso moral.

Folha - Não deveria ser uma dívida?
Eduardo Jorge -
Por quê?

Folha - O sr. recebeu dividendos acima dos recebidos pelos seus sócios. Em consequência, ficou devedor deles.
Eduardo Jorge -
Suponha que eu dê a você R$ 200 mil. Quando você puder, você me devolve. Você tem uma dívida comigo?

Folha - Se recebo um empréstimo, claro que sou devedor.
Eduardo Jorge -
Não, não. Eu vou te dar R$ 200 mil. Ou seja, o contrato de distribuição de dividendos desproporcionais se finaliza ali, não existe dívida. Numa empresa de capital e serviços, é comum que a distribuição seja feita em parte pela proporcionalidade do capital e em parte pela contribuição à lucratividade da empresa. Como sócios, teremos que sentar e apurar direito isso.

Folha - Seus sócios são generosos, não?
Eduardo Jorge -
Depende.

Folha - Se tenho cotas de uma empresa e meus sócios concordam em me dar R$ 903 mil sem compromisso, digo que são generosos.
Eduardo Jorge -
Tenho o compromisso de ficar com eles e de trabalhar para conseguir que a empresa cresça.

Folha - Continua sendo generosidade.
Eduardo Jorge -
Não, é um investimento. A empresa estava de vento em popa, tinha excelentes perspectivas.

Folha - O sr. não se considera devedor.
Eduardo Jorge -
Legalmente, não. Posso ser devedor moralmente.


Texto Anterior: Auditores vêem indícios de uma fraude contábil
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.