|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
Entupimento total
Ainda que não houvesse incontáveis e infindáveis realidades sociais e econômicas a negar a democracia no Brasil, a maneira libertina como se fazem leis,
também elas incontáveis e infindáveis, só difere da maneira ditatorial por uns quantos disfarces.
Estes, por sua vez, protegidos pelos cuidados com que esse tema é
eventualmente abordado. Mas a
situação é simples: leis são impostas no Brasil, em quantidades torrenciais, à revelia da sociedade,
sem apreciação legítima pelo
Congresso e à margem da isenção
devida pela cúpula do Judiciário.
A meio da semana espipocou no
Congresso uma histeria retardada, com a culminância do entupimento provocado por 19 medidas
provisórias pendentes da votação,
sem a qual não pode haver votações de projetos. O Senado depende da Câmara e o plenário da Câmara não trabalha há uns quatro
meses.
Em relação à democracia, porém, não haveria maior diferença
se Câmara e Senado estivessem
votando, fossem MPs ou projetos.
As medidas provisórias, que a
Constituição só autoriza para remediar necessidades de "relevância e urgência", apesar disso têm
jorrado das mãos dos presidentes
civis, exceto apenas Itamar Franco, com o mesmo ímpeto e a mesma desfaçatez dos decretos-leis
atirados pelos generais-ditadores.
Logo de saída, o permanente crítico das MPs de Sarney, Fernando
Henrique Cardoso, estabeleceu
sua embocadura definitiva para
as provisórias com este exemplar:
MP para a compra de um carro
novo destinado a Marco Maciel,
vice na Presidência, mas não nas
mordomias.
O abuso da violação à exigência
constitucional, outro continuismo adotado por Lula com fervor,
sujeitaria esses presidentes a processos de impeachment, não fossem os abusos mais fortes, no Brasil, do que a Constituição. Para
atenuar-lhes os efeitos, a regra
constitucional estabeleceu que as
MPs deveriam ser aprovadas pelos parlamentares, dados como
representantes da sociedade. O
contravapor é, no entanto, mais
eficaz. E não se aplica só a MPs.
Está mais do que demonstrado
que a Presidência da República
aprova no Legislativo as MPs que
quiser, e aprova ou derruba os
projetos também à sua vontade.
A livre imoralidade que é o sistema de compra-e-venda de votos
anula a independência e a representatividade do Congresso. Ou
seja, exclui do corpo institucional
exatamente o que nele é mais definidor e essencial das instituições
no regime de democracia.
Tudo o que tem dificultado,
ocasionalmente, a aplicação das
orientações do Executivo sobre o
Legislativo é, tão só, questão de
montante ou de competência. A
quantidade de cargos ou de verbas, às vezes; de outras, a inabilidade, caso da grossura com que
Lula e seu timinho operam a política e suas extensões, incapazes de
um mínimo de sutileza e imaginação.
A necessidade de que o Senado
aprovasse com urgência, na quinta-feira, uma MP que logo caducaria, depois de quatro meses retida na Câmara, levou o senador
Aloizio Mercadante a lembrar-se
de um Aloizio Mercadante que
nem aqui fora era mais lembrado: reto, crítico e coerente, mostrou que pelo menos a metade das
123 MPs de Lula não tinha as necessárias "relevância e urgência".
Lula vem emitindo uma MP a cada três e meio dias úteis.
Ocorrido o entupimento de
MPs, discutem-se na Câmara e no
Senado possíveis fórmulas para
evitar a fácil obstrução da pauta
de votações. Ninguém procura a
desobstrução da democracia.
Lugar certo
Não há despropósito na entrega, já quase acertada, do Ministério dos Esportes a um representante de Paulo Maluf. A Presidência, está claro, adotou o critério
de que, no esporte, trata-se de levar bola.
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Governo: Lula deve perder mais peso, diz cardiologista Índice
|