São Paulo, sábado, 28 de dezembro de 2002

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ÍNTEGRA

"A situação não é boa em quase nenhum aspecto"

Leia a íntegra do discurso do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião com seu futuro ministério.
 
"Daqui a quatro dias, eleito, diplomado e empossado, eu, hoje, tenho a convicção que nós tivemos um acerto excepcional quando escolhemos o companheiro Antonio Palocci para coordenar a equipe de transição.
Possivelmente outro qualquer que não o Palocci, mas para não falar de ninguém, falar de mim mesmo, com base em tudo o que eu sei que estão naquelas caixas vermelhas e brancas, poderia ter produzido um documento muito mais agressivo do ponto de vista político ao atual governo. Entretanto, a sabedoria política nos ensina que em determinados momentos a briga eminentemente verbal não ajuda ninguém, pode satisfazer apenas nossos desejos pessoais.
Como nós temos a responsabilidade de dirigir essa imensa nação pelos próximos quatro anos, e não tem outro jeito, vamos pegá-la tal como ela está. Eu acho que a situação não é boa em quase nenhum aspecto, a não ser na consolidação do processo democrático.
Eu tenho tentado repetir todos os dias: nós não teremos tempo para ficar chorando o leite derramado. Nós, certamente, não teremos tempo para ficar debatendo com o governo que sai aquilo que eles não fizeram, porque sempre haverá a resposta de que eles fizeram o máximo e nós é que estamos equivocados. E nós sempre vamos dizer que eles fizeram o mínimo e que eles é que estão equivocados.
A nossa missão é provar que nós poderemos mudar o nosso querido Brasil. A primeira coisa de que eu estou convencido que nós já conseguimos mudar no seio de milhões e milhões de brasileiros é a recuperação de sua auto-estima. É o fato de as pessoas voltarem a acreditar que, a partir delas, a gente pode fazer deste país a grande nação, que desde pequeno eu ouço dizer que um dia nós seremos um país extraordinariamente grande e rico. Seremos o celeiro do mundo.
Eu acho que, possivelmente, nós não consigamos terminar a nossa obra, porque uma grande obra, às vezes, leva um tempo, mais do que quatro anos para a gente terminar, mas eu tenho certeza de que, pela qualidade de pessoas que foram chamadas para trabalhar neste governo, no primeiro escalão, pela qualificação profissional de cada companheiro ou companheira, pelos compromissos de vida ideológicos que cada um tem, eu não tenho dúvida nenhuma, que nós poderemos fazer pelo Brasil muito mais do que nós mesmos acreditamos que possamos fazer.
É por isso que eu queria, companheiro Palocci, agradecer a coordenação do teu trabalho nessa comissão de transição, agradecer a você companheiro Luiz Gushiken, que no início não queria participar nem da minha campanha, porque estava com a saúde debilitada e veio assumindo uma função ali, outra função acolá, se eu não tomo cuidado, ele tinha sido candidato a presidente no meu lugar.
Eu, particularmente, fico feliz em saber que você está não apenas recuperado do ponto de vista da saúde física, mas motivado, como poucos de nós, para recuperar a saúde política e econômica do nosso país.
Eu e o companheiro José Alencar tivemos um papel extraordinário nesse processo de transição, não nos metemos na transição, ou seja, na medida em que nós confiamos numa coordenação e numa equipe de técnicos para trabalhar, homens e mulheres especializados nas mais diferentes áreas, não tínhamos por que nos preocupar.
Ao terminar essa transição, como presidente eleito, eu tenho a consciência tranquila e a certeza de que vocês produziram o que de melhor o ser humano poderia produzir pensando no seu povo, pensando no futuro da nossa gente. Depois que terminar essa reunião, que vai terminar assim que eu terminar de falar, eu vou ter uma conversa com os ministros e, depois, cada ministro deverá se reunir com os companheiros que prepararam aquele laborioso arsenal de pastas não cor-de-rosa, mas vermelhas.
E, obviamente, que eu tenho clareza e, certamente, vocês têm clareza, aqui nós temos algumas pessoas que já foram governadores de Estado, o Ciro Gomes, o Olívio Dutra, o Tarso já foi prefeito e outros companheiros, que sabem perfeitamente bem que somente depois que assumir e colocar a mão na massa é que a gente vai descobrir coisas que ainda não apareceram na transição, por mais competentes que vocês tenham sido.
E obviamente que, cada vez que descobrirmos, nós teremos de pensar como comunicar isso à nação brasileira, porque se não comunicarmos corretamente passaremos nós a ser os culpados por erros que os outros cometeram. Da mesma forma que nós não queremos ficar apenas brigando verbalmente, nós queremos administrar este país com a maior seriedade que um ser humano já pensou administrar o nosso país.
Eu estou convencido de que esse processo de transição é um marco na história democrática do nosso país. Não apenas a relação diplomática entre o presidente eleito e o presidente em exercício, mas a facilidade que tiveram os companheiros da comissão de transição na relação com o governo.
O companheiro José Dirceu, nas conversas com o Pedro Parente, o companheiro Gushiken, nas conversas com outros ministros, o Palocci, nas conversas com a área econômica... Às vezes, parecia até que nós já estávamos governando, quando, na verdade, nós estávamos apenas pegando informação. Mas de qualquer forma esse processo demonstra que nós temos condições de não permitir que haja nenhum retrocesso na prática democrática do nosso país.
Haverá um dia em que presidente eleito e presidente que termina o seu mandato sairão abraçados, passarão no meio do povo, como se fosse uma festa da democracia. Não como em alguns países ou mesmo no Brasil em alguns momentos em que presidentes tiveram que sair por trás ou outros lugares que nem posse puderam dar aos seus sucessores. Essa transição, portanto, é um marco que deve marcar a trajetória política de cada um de nós.
Eu queria terminar dizendo a todos vocês o seguinte: escolher o governo é como escolher uma seleção: às vezes, você tem 50 centroavantes da melhor qualidade que você teria que convocar, mas só pode convocar um e aí tem "n" critérios que fazem com que a gente escolha um ou outro companheiro, uma ou outra companheira.
O que eu quero é que vocês tenham clareza é que aqui nesta sala e fora desta sala a gente poderia montar um outro ministério, da mesma forma que no Brasil um técnico pode montar várias seleções porque temos gente de sobra para assumir quantos cargos forem necessários.
A equipe está montada e essa equipe tanto os mais experientes quanto os mais, eu diria, novatos sabem que, nas costas de cada um de nós pesa uma responsabilidade imensa.
Eu estou com 57 anos de idade. Há muito anos eu não conheço um momento histórico no Brasil em que o povo tivesse com tanta expectativa.
O povo não quer saber se o Ciro é do PPS, o povo não quer saber se o Anderson Adauto é do PL, o povo não quer saber se o Furlan não é filiado a nenhum partido político, o povo não quer saber se o Roberto Rodrigues não é filiado, se o companheiro Agnelo é do PC do B. O povo quer saber que nós fazemos parte de uma equipe e aceitamos fazer parte de uma equipe com a convicção de que cada um de nós tem muito, mas muito a oferecer para o nosso país.
Todo mundo sabe quais são as nossas prioridades. Todo mundo sabe que nós queremos garantir que o povo brasileiro tome café, almoce e jante todo dia. Todo mundo sabe que nós queremos que a saúde seja um direito de todos e não um privilégio de quem pode pagar um plano de assistência médica. Todos nós sabemos que não basta dizer que todas as crianças estão na escola.
É preciso dizer que qualidade de ensino essas crianças estão tendo. E todos nós aqui temos compromisso com isso. Todos nós vamos trabalhar 24 horas por dia para conseguirmos o nosso objetivo.
Eu quero que vocês saibam, meus amigos, que eu serei o eterno vigilante para que a gente possa cumprir cada coisa que a gente prometeu durante o processo de campanha. Cada ministro vai ter o tempo de apresentar o seu plano de metas. Nós vamos trabalhar cobrando resultados. De tempos em tempos nós vamos nos reunir e ver o que cada um está fazendo, o que não está fazendo e por que não está fazendo. Nós vamos dar conta do recado.
Hoje, eu saí de casa de manhã meio triste porque era uma despedida e as pessoas choravam e diziam para mim que o Brasil não estava legal, que a situação não estava boa, que nós íamos ter dificuldades. E eu dizia: mas é por isso que nós ganhamos, se estivesse boa eu não tinha ganhado. Se a coisa estivesse maravilhosa, possivelmente outro ganharia. É exatamente porque está assim que o povo depositou a expectativa e a esperança que nós poderíamos consertar este país e vamos consertar. Tenham a certeza disso. Nós vamos demarcar a história deste país: antes e depois deste governo que começa dia 1º de janeiro de 2003.
Na apresentação do ministério alguns companheiros não estavam presentes porque estavam trabalhando. Afinal de contas, este é um governo dos trabalhadores. Então, as pessoas estavam trabalhando. Então, eu queria agora apresentar a vocês: o companheiro Celso Amorim, que estava em Londres, na Embaixada Brasileira, nosso ministro das Relações Exteriores.
Queria apresentar o companheiro José Viegas, que vai ser o ministro da Defesa e estava trabalhando na Embaixada de Moscou. Queria apresentar aqui o companheiro Olívio Dutra, que vai ser o ministro das Cidades. Vocês perceberam que, quando o Olívio vem, o Rossetto não vem, quando o Rossetto vem, o Olívio não vem? Vamos ver se, a partir de 1º de janeiro, os dois virão. E o companheiro Tarso Genro, que vai ser o secretário do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
Eu agora queria convidar os companheiros e as companheiras que fazem parte desse ministério, desse governo a se projetarem para uma sala que já está reservada para a gente ter uma conversa pequena porque eu sei que alguns companheiros têm que viajar, mas uma conversa que eu quero ter com vocês e o Palocci também. Depois, então, as pessoas saciarão o desejo da imprensa e dos fotógrafos. Não agora. Não agora. Depois nós faremos isso, está bem?
Gente, à equipe de transição, muito obrigado, mas do fundo do coração, pelo inestimável trabalho que vocês prestaram ao nosso governo e ao nosso país, meus parabéns".


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