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TRANSIÇÃO
Para futuro ministro, persiste "uma visão que ainda não incorporou a inclusão social como tema central de uma política de Estado"
Política social de FHC é "adereço", diz Palocci
Leia abaixo a íntegra do Relatório Final da Transição de Governo, divulgado pelo futuro ministro da Fazenda, Antonio Palocci
Filho.
Nosso governo vai assumir a administração federal em 1º de janeiro com
grandes desafios pela frente e sendo
portador das esperanças renovadas da
população brasileira de melhorias em
suas condições de vida. Ao longo do
processo eleitoral, dissemos que o Brasil precisa compatibilizar a consolidação da estabilidade monetária em bases
mais sólidas do que as atuais com a
construção das condições para a retomada do desenvolvimento social e econômico, integrando aos mercados de
renda e consumo milhões de brasileiros hoje excluídos ou semi-excluídos.
Segundo o Ipea, a partir de dados do
IBGE, há hoje no Brasil 54 milhões de
pessoas abaixo da linha da pobreza,
dos quais 15 milhões abaixo da linha de
indigência.
Para superar a atual dissociação entre estabilidade e crescimento, o Brasil
precisará realizar, nos próximos anos,
uma criteriosa, responsável e cuidadosa transição do quadro econômico e
social deixado pelo atual governo para
a recuperação de sua capacidade de
crescimento, já demonstrada em grande parte do século 20. Fomos, durante
cerca de cinco décadas, uma das nações
de maior e mais rápido crescimento no
mundo, ambição que devemos novamente perseguir e viabilizar em nossos
dias. Nesse sentido, o pressuposto deste relatório é que a busca de metas voltadas para taxas de crescimento anual
acima de 5% do Produto Interno Bruto
não pode ser reduzida a apenas um objetivo de governo: deve representar,
sim, um esforço de todo o país, de todas as camadas sociais, reunidas pela
solidariedade cívica dos brasileiros, a
qual vem se mostrando especialmente
abundante desde as últimas eleições.
Sem essa mobilização nacional, base
para um novo contrato social, todo esforço de governo, por mais responsável
que seja, terá fôlego curto e será prisioneiro de formulações estritamente técnica, tão zelosas quanto limitadas. Se o
Estado não deve pretender ser pai, como nos velhos tempos, tampouco deverá pensar ser capaz de definir os rumos da economia distanciando-se da
população e de suas necessidades. A
união do país em torno desse objetivo
maior, eminentemente político, é o
único meio de exercer a saudável pressão para diminuir a fragmentação e aumentar a coordenação e o diálogo entre
ministérios, agências e programas. Essa desarticulação é fonte sistemática de
desperdícios de recursos e de geração
de ineficiências. Foi assim com a designação do planejamento nas áreas de
Energia, Comunicações, Ciência e Tecnologia, Integração Nacional, Meio
Ambiente e Desenvolvimento; e foi assim com a ausência de regras claras para a atuação das agências reguladoras
criadas a partir das privatizações.
Está aí, sr. presidente, a questão que
mais chamou a atenção da equipe de
transição governamental: o planejamento atingiu um nível de esvaziamento brutal quanto às funções de definição de desenho institucional e construção de sistemas de gestão e coordenação. Não apenas nas estruturas do Ministério do Planejamento, mas no conjunto das áreas estratégicas responsáveis por articular o desenvolvimento
do país. Não seria exagero afirmar, no
que se refere ao Planejamento Estratégico, que o Estado Brasileiro vive um
prolongado "apagão".
Em nosso tempo, onde prosperam,
não sem contradições, relações de mercado crescentemente abertas e globais,
com o desenvolvimento de organizações multilaterais e a criação e o fortalecimento de blocos econômicos, a condição da inserção eficaz de um país no
mundo tem como pressuposto, em paralelo à busca de um ordenamento
mais justo e democrático entre as nações, o exercício da soberania e do interesse nacional, a solidificação das instituições democráticas e a capacidade de gerar conhecimento, tecnologia e bens
de alto valor agregado para o mundo e
para os seus cidadãos. No último decênio, de grande avanço da circulação de
capitais e das relações globalizadas,
acreditou-se que a simples abertura
dos mercados e a adoção de reformas
liberalizantes poderiam reduzir, de um
só golpe, as profundas assimetrias existentes entre as nações, encurtando ao
mesmo tempo os abismos sociais de
povos que conhecem, durante séculos,
graves e dolorosas disparidades de renda. O resultado é que estamos recebendo hoje um país que não conseguiu
avançar na superação da velha dicotomia entre economia e sociedade, em
que as políticas sociais aparecem como
adereços e apêndices do esforço de
controlar a economia. A improvisação
de uma série de programas sociais nos
últimos dois anos é ilustrativa dessa separação matricial e realça a persistência
de uma visão que ainda não incorporou a inclusão social como tema central
de uma política de Estado.
Hoje, no entanto, faz-se uma revisão
generalizada desta crença, tanto interna quanto externamente. A crise da
atual arquitetura financeira internacional sobreveio e mostrou que as disparidades entre países e cidadãos não deixaram de se aprofundar também em
escala global. A eleição de V. Excia. para a Presidência de uma das maiores
democracias ocidentais é produto e
parte integrante desta revisão geral de
valores a que o mundo assiste. E é a essa
exigência de um pensamento renovado
que o nosso país ambiciona responder
com toda sua inteligência e força moral, contribuindo para abrir caminhos
melhores e mais seguros para o Brasil e
a América Latina.
O atual governo difundiu, junto com
parcelas da comunidade internacional,
a ilusão de que o crescimento econômico e a redução da exclusão social seriam resultante natural do desenvolvimento dos mercados e do uso, sem
contra-indicações, da abundante poupança externa disponível no início dos
anos noventa. As fragilidades que se
acumularam e os desequilíbrios econômicos acentuados nos últimos anos,
tanto internos quanto externos, conformaram uma situação delicada para
o momento de transição que passamos. Vai ficar para os anais da história
econômica o dado inamovível de que,
em oito anos, a nossa dívida interna
passou de 30% para 60% do PIB. A inflação medida pelo IGP-M saltou de
1,8% em 1998 para 25,3% em 2002. A
dívida mobiliária federal mais do que
dobrou nos últimos quatro anos, passando de R$ 323,8 bilhões para R$ 663
bilhões. A instabilidade atual questiona
os próprios avanços que se obtiveram
com a estabilidade da moeda, o controle relativo da inflação e um marco institucional e federativo fortalecido pela
responsabilidade fiscal. Esses foram
progressos a serem creditados em boa
parte ao governo que ora se encerra,
conquistados com os esforços de todos
os brasileiros. Não fazemos tábula rasa
dos últimos oito anos e não partilhamos da visão daqueles que acham que
tudo deva ser reinventado.
Por isso mesmo, temos insistido com
todo o didatismo possível que em nosso governo não haverá medidas exóticas, quebra de contratos ou condescendência com a irresponsabilidade fiscal.
Também temos dito que não pretendemos provocar bolhas de crescimento
econômico a partir de uma permissividade perigosa com a inflação. Desse
ponto de vista, é incontornável o registro das restrições de política macroeconômica que introduz obstáculos à nossa ação governativa. Anima-nos, porém, a vitalidade imensa dessa mesma
economia e a capacidade de recuperação que o país sempre demonstrou.
Move-nos a certeza de que a economia
é parte da sociedade, e não o contrário.
Mudar o eixo dessa equação historicamente adversa ao nosso povo representa nosso maior desafio: o de zelar
pela estabilidade monetária com retomada do crescimento e redução da
nossa secular desigualdade social.
Temos consciência de que os votos
recebidos por V. Excia. vieram para
corrigir a excessiva sedução pelos mercados que marcou a atuação do governo nos últimos anos. E os agentes dos
mercados, em suas angústias e crises de
expectativa, haverão de entender que o
melhor remédio é sempre o voto, a democracia, a firmeza institucional de
um país. Governos devem estar à altura
desta racionalidade, e não de vontades
localizadas. Quanto mais a estabilidade
das relações econômicas e sociais se
acentuar, por meio de uma ordem jurídica e institucional sólida, mais os mercados serão fortalecidos e mais a riqueza poderá ser acumulada e bem distribuída, como apontou V. Excia. ao longo de sua campanha.
Nos últimos meses assistimos a um
quadro de relativa instabilidade da
moeda nacional, com a consequente alteração dos preços relativos e aumento
do custo de vida. Todo o país assustou-se com a volta de índices altos de inflação. É uma herança pesada que aumenta enormemente a nossa responsabilidade. Adicionalmente, os agentes de
mercado viveram uma hipersensibilidade ao risco no mundo todo, a ponto
de bancos internacionais terem suspendido linhas de crédito de que o Brasil usufruía mesmo em momentos até
de maior instabilidade. Não obstante
os compromissos com uma transição
exemplar assumidos tanto pelo atual
governo quanto por V. Excia. e enquanto a população brasileira desfruta
de um importante momento de solidariedade e apelo por justiça social, investidores e agentes econômicos ainda experimentam recorrente inquietação.
Mas estamos ainda longe de debelarmos todos os riscos para nossa estabilidade.
Mas a economia brasileira surpreende, agora como sempre, por sua capacidade de resposta e adaptação a dificuldades. As exportações deram um salto
expressivo, considerados o fluxo de comércio declinante no mundo neste período e a forte crise por que passam
parceiros comerciais do Brasil no Mercosul e na América Latina. O país está
fazendo um expressivo superávit comercial este ano, reduzindo também
de forma relevante o déficit em conta
corrente. Este é um caminho no qual
devemos perseverar em 2003 e nos
anos seguintes. Embora em condições
mais saudáveis, sem gerar as atuais
pressões sobre os preços internos.
Neste quadro, a prioridade imediata
do nosso governo a partir de 1º de janeiro deve ser a de corrigir aquele que é
talvez o preço mais fundamental da
economia, a taxa de câmbio. Instabilidade prolongada do câmbio leva à pior
das crises, com conseqüências desastrosas sobre o conjunto dos preços, sobre as empresas e sobre os trabalhadores. Esta correção de forma alguma será
feita com adoção de medidas artificiais.
Os primeiros cinco anos do atual governo deixaram-nos como ensinamento as conseqüências funestas de se
manter uma taxa de câmbio sobrevalorizada. Não podemos nos dar o direito
de cometer o erro inverso. A virtude está na busca incessante de uma taxa de
câmbio de equilíbrio. Com ela, o país se
disciplina a buscar o aumento de competitividade de seus produtos no mercado internacional, ao mesmo tempo
em que constrói o equilíbrio das contas
externas. Com a conta corrente em
equilíbrio, o País pode estabilizar a
moeda nacional. Com o câmbio estável, criam-se as bases para controlar a
inflação e baixar a taxa de juros interna.
Com virtude combinada de taxa de
câmbio de equilíbrio e taxa de juros interna declinante, tendem a se esvaziar
as tensões do endividamento de curto
prazo, favorecendo a menor pressão do
setor público sobre a poupança privada
e estimulando o investimento e o crescimento econômico.
Com a prioridade claramente definida, não há mágica na aplicação da política econômica. Por isso temos dito,
reiteradamente, que nosso governo
não vai baixar a taxa básica de juro por
um ato de vontade. Há um firme trabalho de convencimento, de explicação e
de negociação pela frente. O momento
é o de coordenar expectativas, de reduzir ansiedades e de buscar o fluxo normal dos financiamentos e a extrema
responsabilidade no gasto público.
Nosso objetivo, claramente, é o de fazer
tudo o que for necessário para buscar,
no médio prazo, trilhar um caminho
auto-sustentável. Não queremos e não
podemos incorrer no erro do atual governo de fazer endividamento novo para cobrir endividamento velho. Em oito anos de governo, recorreu-se três vezes a pacotes de ajuda e programas de
emergência do FMI. Não é bom nem
para o Brasil, nem para o fundo que isso venha a se perpetuar.
Para coordenar as expectativas, reduzir as ansiedades atuais e criar um
ambiente positivo de reformas, nosso
governo deverá olhar, coordenadamente, para os anseios da população, o
ritmo do Congresso Nacional e as necessidades dos entes federativos e das
empresas nacionais, públicas e privadas. O Orçamento Geral da União de
2003 será um dos mais apertados da
história da República. Ele estará sob
pressão permanente das enormes restrições com que convive o país em quase todas as áreas, o que exigirá de nosso
governo atenção redobrada à qualidade do gasto público. Mas nem isso é
motivo para qualquer desânimo. A força de nossa economia e a postura ativa
do povo mostra que o Brasil tem uma
chance histórica de deflagrar um processo de crescimento econômico e desenvolvimento social que nos leve a
emergir como uma nação que se orgulha de si mesma e seja digna de respeito
no mundo. Em um curto espaço de
tempo, países muito mais pobres e carentes que o Brasil conseguiram eliminar a miséria absoluta e caminhar para
uma situação de equilíbrio social, como foi o caso da Coréia do Sul. Hoje, as
economias de nações como a China e a
Índia vem se desenvolvendo a taxas
anuais de mais de 8% ao ano. É perfeitamente possível para o Brasil perseguir metas de crescimento econômico
dessa grandeza e mudar radicalmente
-no espaço de uma geração- a face
da profunda desigualdade com que
convivemos há séculos.
Existe hoje em nosso país um desejo
de mudança que percorre indistintamente os lares brasileiros, dos mais
simples aos mais afortunados. Existe
também uma consciência inédita de
que é preciso dar um salto em termos
de coesão e solidariedade social, para
que a democracia seja um bem político
e material de todos. Foi por isso que,
olhando para as necessidades mais elementares de milhões de pessoas, V. Excia. destacou total prioridade para a
campanha Fome Zero. A virtude desta
campanha é combinar uma ação do Estado a partir da experiência acumulada
nos programas de distribuição de renda com uma ampla mobilização social
a partir de organizações não-governamentais e de ações de solidariedade
mas mais diversas formas, vindas de
diferentes entidades, empresas e cidadãos, individual e coletivamente. Inúmeras podem e devem ser as formas da
campanha, tendo em conta, da parte
do Estado, que o caminho é produzir o
mínimo de burocracia e o máximo de
eficiência na atividade-fim, que é possibilitar à criança, ao jovem ou ao adulto
em situação de miséria as três alimentações básicas do dia. Este, aliás, é, sabidamente, um compromisso histórico
de V. Excia. e, como expressou em seu
pronunciamento à nação de 28/10, a
grande missão de sua vida.
Igualmente importante será o desenvolvimento de um programa consistente de educação. Apenas 20% dos jovens de 15 a 17 anos estão no ensino
médio e 8% dos jovens de 18 a 24 anos
estão no ensino superior. Um dos índices mais baixos da América Latina.
Atualmente 70% dos trabalhadores
adultos possuem ensino fundamental
completo. Faz-se necessário também
aumentar a escolaridade médica da população brasileira, hoje na vergonhosa
faixa de quatro anos. É possível e é indispensável fixar como meta e como
política perene do Estado brasileiro,
através de uma articulação sólida da
União com Estados e municípios, dobrar a escolaridade média dos brasileiros, num prazo a ser estabelecido no
início do governo. Tal meta deve ser
acompanhada de uma profunda mobilização e revisão das práticas adotadas
na escola pública, no sentido da sua valorização. Não dá para aceitar a piora
dos já baixos índices de desempenho
dos alunos brasileiros em disciplinas
elementares como português e matemática, conforme acaba de apontar o
IBGE. É preciso adaptar os sistemas de
progressão continuada às exigências de
qualidade da escola pública. É preciso,
sobretudo, recuperar a auto-estima e o
sentido de missão do educador público, que deve ter a perspectiva concreta
de melhoria material e profissional. É
indispensável a atualização do educador, de modo que ele também falar aos
corações e mentes de crianças e jovens
que, em sociedades ágeis e de livre curso de informação como a nossa, perdem rapidamente o vínculo com a escola se esta não falar uma linguagem
próxima da sua realidade, se esta não se
puser como um anteparo ao aliciamento do tráfico de drogas e ao apelo da
marginalidade nas comunidades carentes. Num sentido ainda mais ambicioso, a escola deve ser uma instituição
que atue no cerne das dificuldades de
crianças carentes de relações familiares
estáveis, criadas em núcleos familiares
freqüentemente fraturados, com mães
sobrecarregadas e sacrificadas. Programas contra a fome serão eficazes apenas se forem conjugados com alicerces
seguros para a formação de cidadãos, o
que só a educação de qualidade pode
propiciar. Os avanços obtidos no ensino fundamental nos últimos anos precisam ser expandidos e articulados
num Projeto Nacional de Educação, de
modo a superar as descontinuidades
do ensino médio e a reverter os retrocessos vividos pelo ensino superior.
Este, hoje, é o desafio maior do Estado brasileiro: atentar para as pessoas,
ajudá-las a evoluir socialmente, fortalecer a coesão social. O fortalecimento da
solidariedade social é o único remédio
contra o individualismo desmesurado
que, rapidamente, pode derivar para o
exibicionismo e o egoísmo social. Este é
o caldo de cultura da política da esperteza, responsável pela pequena e pela
grande corrupção que infestam as relações de indivíduos e empresas com os
poderes públicos. Combater a corrupção significa enterrar de vez a percepção de que a lei vale para uns e não vale
para outros em nosso País. É necessário
combater resolutamente a idéia de que
a ascensão social pode ocorrer sem que
o cidadão seja avaliado pelo seu trabalho, conhecimento ou mérito. No passado, com grandes presidentes como
Juscelino Kubitschek, a tarefa reformadora consistia em ampliar os horizontes do cidadão, interiorizar o desenvolvimento e fazer emergir o poder criativo das pessoas, sepultando um tacanho
complexo de inferioridade. Hoje, a
grande tarefa reformadora é cuidar da
organização e da coesão social, da capacidade de trabalho em equipes e da
gestão dos bens públicos e privados por
maio de técnicas adequadas e do planejamento moderno, propiciando aos
brasileiros a possibilidade de superar a
desorganização social. Por esta razão
V. Excia. propôs o advento do Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social, que procura ampliar e democratizar os laços entre governo e a sociedade, propondo ao País uma relação fundada na negociação, na tolerância e no
entendimento.
O mesmo tipo de princípio deve nortear as relações entre os poderes da República, a começar daquelas entre o governo e o Congresso Nacional. Deverá
ter especial relevância a adoção de um
processo consistente de definição do
Orçamento Geral da União, de tal forma que ele seja progressivamente uma
peça que expresse o mais fielmente
possível as necessidades de equilíbrio
econômico e social do país. Em especial
no próximo período, o Congresso estará chamado a discutir e aprovar, com
objetividade e presteza, um conjunto
de reformas que contribuirão para reequilibrar e impulsionar a economia nacional, coordenando expectativas e reduzindo incertezas quanto à capacidade do país de recuperar o crescimento
econômico sustentável. Fazem parte
desse rol de mudanças as reformas do
sistema de Previdência, do sistema tributário nacional e das leis que regem a
relação trabalhista. Estará também na
pauta do próximo período a regulamentação do artigo 192 da Constituição Federal para, entre outras medidas,
fortalecer o marco institucional em que
o Banco Central deve levar a cabo a sua
função precípua de guardião da moeda
nacional. O governo federal deverá encaminhar claramente a sua ordem de
prioridades e solicitar empenho e articulação para a sua discussão e aprovação, sempre movido pelo espírito de
ouvir, negociar e produzir consensos.
Uma boa relação da União com Estados e municípios será indispensável fator de coesão social, de estabilidade
econômica e de impulso às campanhas
prioritárias de âmbito nacional. A
Constituição Federal de 1988 foi um
grande passo na normalização institucional do país, mas não conseguiu por
si só estabelecer um equilíbrio federativo estável. Diante da vinculação excessiva de rubricas no Orçamento federal,
a União, para obter resultados fiscais,
acabou introduzindo um conjunto de
contribuições de caráter tributário que
acentuam as disputas por repartição
dos recursos federais, sem que as deformações no sistema tributário nacional
tivessem sido corrigidas. No processo
de estabilização da economia, a União
levou a cabo uma ampla renegociação
das dívidas dos Estados. Sabemos hoje
que alguns Estados apresentam reais
dificuldades de equilíbrio orçamentário. Seria um erro, contudo, pretender
uma renegociação das dívidas ignorando o delicado momento das finanças
nacionais. Um descontrole fiscal neste
terreno seria letal para todos os entes
federativos, uma vez que desarrumaria
em curto prazo o já difícil equilíbrio
macroeconômico do País. Isso não significa que o governo federal deva virar
as costas para os novos governadores.
Ao contrário, como tem afirmado V.
Excia., é possível e necessário um esforço conjunto da União, dos Estados e
Municípios quanto à questão fiscal. Na
construção dos projetos de Reforma
Previdenciária e da Reforma Tributária
uma importante interlocução deve ser
estabelecida entre os entes da Federação. Os déficits previdenciários estão
na pauta da União e dos Estados. As
medidas de simplificação tributária
igualmente. Rever a legislação do ICMS
em conjunto com todos os governadores pode trazer benefícios reais à qualidade das receitas públicas. Rever a legislação previdenciária pode colocar
em perspectiva de solução o principal
componente de déficit público em todos os níveis da Federação. Há portanto um urgente trabalho de articulação,
negociação e construção de consensos
no próximo período.
Sr. presidente, a pauta do próximo
ano é de intenso trabalho. Serão desafios enormes a construção de programas e a estruturação das reformas. Um
diálogo objetivo deve se estabelecer
com o Congresso Nacional, o Judiciário, o Ministério Público, os Governadores e Prefeitos. No ambiente do Conselho de Desenvolvimento Econômico
e Social estes temas poderão ter um
adequado tratamento com a presença
de interlocutores qualificados dos trabalhadores, do empresariado e da sociedade civil.
Quero, por fim, ressaltar a qualidade
da equipe que V. Excia. designou-me
para coordenar juntamente com o
companheiro Luiz Gushiken e com o
apoio permanente do companheiro José Dirceu.
Além das recomendações gerais deste presente relatório, V. Excia. e seus
ministros receberão, das equipes temáticas, cuidadosos relatórios sobre todos
os aspectos do Estado brasileiro e de
cada ministério. Não tivemos a pretensão de dizer aos futuros ministros o que
deve ser feito. Temos consciência de
que V. Excia. escolheu a melhor equipe
para governar, equipe que saberá traduzir seu programa de governo em
ações consistentes a partir de 1º de janeiro próximo.
Os relatórios contém diagnósticos e
sugestões com a qualidade que consideramos suficiente para auxiliar a fase
inicial do nosso governo.
O clima em que transcorreu os trabalhos de transição demonstra, sr. presidente, a solidez das instituições republicanas de nosso país. A democracia é
hoje um valor consolidado e perene. O
governo que se encerra e o governo que
se inicia souberam, cada um a seu modo, valorizar esse momento de grandeza democrática.
ANTONIO PALOCCI FILHO, coordenador da equipe de transição
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