São Paulo, sábado, 28 de dezembro de 2002

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TRANSIÇÃO

Para futuro ministro, persiste "uma visão que ainda não incorporou a inclusão social como tema central de uma política de Estado"

Política social de FHC é "adereço", diz Palocci

Leia abaixo a íntegra do Relatório Final da Transição de Governo, divulgado pelo futuro ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho.
 
Nosso governo vai assumir a administração federal em 1º de janeiro com grandes desafios pela frente e sendo portador das esperanças renovadas da população brasileira de melhorias em suas condições de vida. Ao longo do processo eleitoral, dissemos que o Brasil precisa compatibilizar a consolidação da estabilidade monetária em bases mais sólidas do que as atuais com a construção das condições para a retomada do desenvolvimento social e econômico, integrando aos mercados de renda e consumo milhões de brasileiros hoje excluídos ou semi-excluídos. Segundo o Ipea, a partir de dados do IBGE, há hoje no Brasil 54 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, dos quais 15 milhões abaixo da linha de indigência.
Para superar a atual dissociação entre estabilidade e crescimento, o Brasil precisará realizar, nos próximos anos, uma criteriosa, responsável e cuidadosa transição do quadro econômico e social deixado pelo atual governo para a recuperação de sua capacidade de crescimento, já demonstrada em grande parte do século 20. Fomos, durante cerca de cinco décadas, uma das nações de maior e mais rápido crescimento no mundo, ambição que devemos novamente perseguir e viabilizar em nossos dias. Nesse sentido, o pressuposto deste relatório é que a busca de metas voltadas para taxas de crescimento anual acima de 5% do Produto Interno Bruto não pode ser reduzida a apenas um objetivo de governo: deve representar, sim, um esforço de todo o país, de todas as camadas sociais, reunidas pela solidariedade cívica dos brasileiros, a qual vem se mostrando especialmente abundante desde as últimas eleições.
Sem essa mobilização nacional, base para um novo contrato social, todo esforço de governo, por mais responsável que seja, terá fôlego curto e será prisioneiro de formulações estritamente técnica, tão zelosas quanto limitadas. Se o Estado não deve pretender ser pai, como nos velhos tempos, tampouco deverá pensar ser capaz de definir os rumos da economia distanciando-se da população e de suas necessidades. A união do país em torno desse objetivo maior, eminentemente político, é o único meio de exercer a saudável pressão para diminuir a fragmentação e aumentar a coordenação e o diálogo entre ministérios, agências e programas. Essa desarticulação é fonte sistemática de desperdícios de recursos e de geração de ineficiências. Foi assim com a designação do planejamento nas áreas de Energia, Comunicações, Ciência e Tecnologia, Integração Nacional, Meio Ambiente e Desenvolvimento; e foi assim com a ausência de regras claras para a atuação das agências reguladoras criadas a partir das privatizações.
Está aí, sr. presidente, a questão que mais chamou a atenção da equipe de transição governamental: o planejamento atingiu um nível de esvaziamento brutal quanto às funções de definição de desenho institucional e construção de sistemas de gestão e coordenação. Não apenas nas estruturas do Ministério do Planejamento, mas no conjunto das áreas estratégicas responsáveis por articular o desenvolvimento do país. Não seria exagero afirmar, no que se refere ao Planejamento Estratégico, que o Estado Brasileiro vive um prolongado "apagão".
Em nosso tempo, onde prosperam, não sem contradições, relações de mercado crescentemente abertas e globais, com o desenvolvimento de organizações multilaterais e a criação e o fortalecimento de blocos econômicos, a condição da inserção eficaz de um país no mundo tem como pressuposto, em paralelo à busca de um ordenamento mais justo e democrático entre as nações, o exercício da soberania e do interesse nacional, a solidificação das instituições democráticas e a capacidade de gerar conhecimento, tecnologia e bens de alto valor agregado para o mundo e para os seus cidadãos. No último decênio, de grande avanço da circulação de capitais e das relações globalizadas, acreditou-se que a simples abertura dos mercados e a adoção de reformas liberalizantes poderiam reduzir, de um só golpe, as profundas assimetrias existentes entre as nações, encurtando ao mesmo tempo os abismos sociais de povos que conhecem, durante séculos, graves e dolorosas disparidades de renda. O resultado é que estamos recebendo hoje um país que não conseguiu avançar na superação da velha dicotomia entre economia e sociedade, em que as políticas sociais aparecem como adereços e apêndices do esforço de controlar a economia. A improvisação de uma série de programas sociais nos últimos dois anos é ilustrativa dessa separação matricial e realça a persistência de uma visão que ainda não incorporou a inclusão social como tema central de uma política de Estado.
Hoje, no entanto, faz-se uma revisão generalizada desta crença, tanto interna quanto externamente. A crise da atual arquitetura financeira internacional sobreveio e mostrou que as disparidades entre países e cidadãos não deixaram de se aprofundar também em escala global. A eleição de V. Excia. para a Presidência de uma das maiores democracias ocidentais é produto e parte integrante desta revisão geral de valores a que o mundo assiste. E é a essa exigência de um pensamento renovado que o nosso país ambiciona responder com toda sua inteligência e força moral, contribuindo para abrir caminhos melhores e mais seguros para o Brasil e a América Latina.
O atual governo difundiu, junto com parcelas da comunidade internacional, a ilusão de que o crescimento econômico e a redução da exclusão social seriam resultante natural do desenvolvimento dos mercados e do uso, sem contra-indicações, da abundante poupança externa disponível no início dos anos noventa. As fragilidades que se acumularam e os desequilíbrios econômicos acentuados nos últimos anos, tanto internos quanto externos, conformaram uma situação delicada para o momento de transição que passamos. Vai ficar para os anais da história econômica o dado inamovível de que, em oito anos, a nossa dívida interna passou de 30% para 60% do PIB. A inflação medida pelo IGP-M saltou de 1,8% em 1998 para 25,3% em 2002. A dívida mobiliária federal mais do que dobrou nos últimos quatro anos, passando de R$ 323,8 bilhões para R$ 663 bilhões. A instabilidade atual questiona os próprios avanços que se obtiveram com a estabilidade da moeda, o controle relativo da inflação e um marco institucional e federativo fortalecido pela responsabilidade fiscal. Esses foram progressos a serem creditados em boa parte ao governo que ora se encerra, conquistados com os esforços de todos os brasileiros. Não fazemos tábula rasa dos últimos oito anos e não partilhamos da visão daqueles que acham que tudo deva ser reinventado.
Por isso mesmo, temos insistido com todo o didatismo possível que em nosso governo não haverá medidas exóticas, quebra de contratos ou condescendência com a irresponsabilidade fiscal. Também temos dito que não pretendemos provocar bolhas de crescimento econômico a partir de uma permissividade perigosa com a inflação. Desse ponto de vista, é incontornável o registro das restrições de política macroeconômica que introduz obstáculos à nossa ação governativa. Anima-nos, porém, a vitalidade imensa dessa mesma economia e a capacidade de recuperação que o país sempre demonstrou. Move-nos a certeza de que a economia é parte da sociedade, e não o contrário. Mudar o eixo dessa equação historicamente adversa ao nosso povo representa nosso maior desafio: o de zelar pela estabilidade monetária com retomada do crescimento e redução da nossa secular desigualdade social.
Temos consciência de que os votos recebidos por V. Excia. vieram para corrigir a excessiva sedução pelos mercados que marcou a atuação do governo nos últimos anos. E os agentes dos mercados, em suas angústias e crises de expectativa, haverão de entender que o melhor remédio é sempre o voto, a democracia, a firmeza institucional de um país. Governos devem estar à altura desta racionalidade, e não de vontades localizadas. Quanto mais a estabilidade das relações econômicas e sociais se acentuar, por meio de uma ordem jurídica e institucional sólida, mais os mercados serão fortalecidos e mais a riqueza poderá ser acumulada e bem distribuída, como apontou V. Excia. ao longo de sua campanha.
Nos últimos meses assistimos a um quadro de relativa instabilidade da moeda nacional, com a consequente alteração dos preços relativos e aumento do custo de vida. Todo o país assustou-se com a volta de índices altos de inflação. É uma herança pesada que aumenta enormemente a nossa responsabilidade. Adicionalmente, os agentes de mercado viveram uma hipersensibilidade ao risco no mundo todo, a ponto de bancos internacionais terem suspendido linhas de crédito de que o Brasil usufruía mesmo em momentos até de maior instabilidade. Não obstante os compromissos com uma transição exemplar assumidos tanto pelo atual governo quanto por V. Excia. e enquanto a população brasileira desfruta de um importante momento de solidariedade e apelo por justiça social, investidores e agentes econômicos ainda experimentam recorrente inquietação. Mas estamos ainda longe de debelarmos todos os riscos para nossa estabilidade.
Mas a economia brasileira surpreende, agora como sempre, por sua capacidade de resposta e adaptação a dificuldades. As exportações deram um salto expressivo, considerados o fluxo de comércio declinante no mundo neste período e a forte crise por que passam parceiros comerciais do Brasil no Mercosul e na América Latina. O país está fazendo um expressivo superávit comercial este ano, reduzindo também de forma relevante o déficit em conta corrente. Este é um caminho no qual devemos perseverar em 2003 e nos anos seguintes. Embora em condições mais saudáveis, sem gerar as atuais pressões sobre os preços internos.
Neste quadro, a prioridade imediata do nosso governo a partir de 1º de janeiro deve ser a de corrigir aquele que é talvez o preço mais fundamental da economia, a taxa de câmbio. Instabilidade prolongada do câmbio leva à pior das crises, com conseqüências desastrosas sobre o conjunto dos preços, sobre as empresas e sobre os trabalhadores. Esta correção de forma alguma será feita com adoção de medidas artificiais. Os primeiros cinco anos do atual governo deixaram-nos como ensinamento as conseqüências funestas de se manter uma taxa de câmbio sobrevalorizada. Não podemos nos dar o direito de cometer o erro inverso. A virtude está na busca incessante de uma taxa de câmbio de equilíbrio. Com ela, o país se disciplina a buscar o aumento de competitividade de seus produtos no mercado internacional, ao mesmo tempo em que constrói o equilíbrio das contas externas. Com a conta corrente em equilíbrio, o País pode estabilizar a moeda nacional. Com o câmbio estável, criam-se as bases para controlar a inflação e baixar a taxa de juros interna. Com virtude combinada de taxa de câmbio de equilíbrio e taxa de juros interna declinante, tendem a se esvaziar as tensões do endividamento de curto prazo, favorecendo a menor pressão do setor público sobre a poupança privada e estimulando o investimento e o crescimento econômico.
Com a prioridade claramente definida, não há mágica na aplicação da política econômica. Por isso temos dito, reiteradamente, que nosso governo não vai baixar a taxa básica de juro por um ato de vontade. Há um firme trabalho de convencimento, de explicação e de negociação pela frente. O momento é o de coordenar expectativas, de reduzir ansiedades e de buscar o fluxo normal dos financiamentos e a extrema responsabilidade no gasto público. Nosso objetivo, claramente, é o de fazer tudo o que for necessário para buscar, no médio prazo, trilhar um caminho auto-sustentável. Não queremos e não podemos incorrer no erro do atual governo de fazer endividamento novo para cobrir endividamento velho. Em oito anos de governo, recorreu-se três vezes a pacotes de ajuda e programas de emergência do FMI. Não é bom nem para o Brasil, nem para o fundo que isso venha a se perpetuar.
Para coordenar as expectativas, reduzir as ansiedades atuais e criar um ambiente positivo de reformas, nosso governo deverá olhar, coordenadamente, para os anseios da população, o ritmo do Congresso Nacional e as necessidades dos entes federativos e das empresas nacionais, públicas e privadas. O Orçamento Geral da União de 2003 será um dos mais apertados da história da República. Ele estará sob pressão permanente das enormes restrições com que convive o país em quase todas as áreas, o que exigirá de nosso governo atenção redobrada à qualidade do gasto público. Mas nem isso é motivo para qualquer desânimo. A força de nossa economia e a postura ativa do povo mostra que o Brasil tem uma chance histórica de deflagrar um processo de crescimento econômico e desenvolvimento social que nos leve a emergir como uma nação que se orgulha de si mesma e seja digna de respeito no mundo. Em um curto espaço de tempo, países muito mais pobres e carentes que o Brasil conseguiram eliminar a miséria absoluta e caminhar para uma situação de equilíbrio social, como foi o caso da Coréia do Sul. Hoje, as economias de nações como a China e a Índia vem se desenvolvendo a taxas anuais de mais de 8% ao ano. É perfeitamente possível para o Brasil perseguir metas de crescimento econômico dessa grandeza e mudar radicalmente -no espaço de uma geração- a face da profunda desigualdade com que convivemos há séculos.
Existe hoje em nosso país um desejo de mudança que percorre indistintamente os lares brasileiros, dos mais simples aos mais afortunados. Existe também uma consciência inédita de que é preciso dar um salto em termos de coesão e solidariedade social, para que a democracia seja um bem político e material de todos. Foi por isso que, olhando para as necessidades mais elementares de milhões de pessoas, V. Excia. destacou total prioridade para a campanha Fome Zero. A virtude desta campanha é combinar uma ação do Estado a partir da experiência acumulada nos programas de distribuição de renda com uma ampla mobilização social a partir de organizações não-governamentais e de ações de solidariedade mas mais diversas formas, vindas de diferentes entidades, empresas e cidadãos, individual e coletivamente. Inúmeras podem e devem ser as formas da campanha, tendo em conta, da parte do Estado, que o caminho é produzir o mínimo de burocracia e o máximo de eficiência na atividade-fim, que é possibilitar à criança, ao jovem ou ao adulto em situação de miséria as três alimentações básicas do dia. Este, aliás, é, sabidamente, um compromisso histórico de V. Excia. e, como expressou em seu pronunciamento à nação de 28/10, a grande missão de sua vida.
Igualmente importante será o desenvolvimento de um programa consistente de educação. Apenas 20% dos jovens de 15 a 17 anos estão no ensino médio e 8% dos jovens de 18 a 24 anos estão no ensino superior. Um dos índices mais baixos da América Latina. Atualmente 70% dos trabalhadores adultos possuem ensino fundamental completo. Faz-se necessário também aumentar a escolaridade médica da população brasileira, hoje na vergonhosa faixa de quatro anos. É possível e é indispensável fixar como meta e como política perene do Estado brasileiro, através de uma articulação sólida da União com Estados e municípios, dobrar a escolaridade média dos brasileiros, num prazo a ser estabelecido no início do governo. Tal meta deve ser acompanhada de uma profunda mobilização e revisão das práticas adotadas na escola pública, no sentido da sua valorização. Não dá para aceitar a piora dos já baixos índices de desempenho dos alunos brasileiros em disciplinas elementares como português e matemática, conforme acaba de apontar o IBGE. É preciso adaptar os sistemas de progressão continuada às exigências de qualidade da escola pública. É preciso, sobretudo, recuperar a auto-estima e o sentido de missão do educador público, que deve ter a perspectiva concreta de melhoria material e profissional. É indispensável a atualização do educador, de modo que ele também falar aos corações e mentes de crianças e jovens que, em sociedades ágeis e de livre curso de informação como a nossa, perdem rapidamente o vínculo com a escola se esta não falar uma linguagem próxima da sua realidade, se esta não se puser como um anteparo ao aliciamento do tráfico de drogas e ao apelo da marginalidade nas comunidades carentes. Num sentido ainda mais ambicioso, a escola deve ser uma instituição que atue no cerne das dificuldades de crianças carentes de relações familiares estáveis, criadas em núcleos familiares freqüentemente fraturados, com mães sobrecarregadas e sacrificadas. Programas contra a fome serão eficazes apenas se forem conjugados com alicerces seguros para a formação de cidadãos, o que só a educação de qualidade pode propiciar. Os avanços obtidos no ensino fundamental nos últimos anos precisam ser expandidos e articulados num Projeto Nacional de Educação, de modo a superar as descontinuidades do ensino médio e a reverter os retrocessos vividos pelo ensino superior.
Este, hoje, é o desafio maior do Estado brasileiro: atentar para as pessoas, ajudá-las a evoluir socialmente, fortalecer a coesão social. O fortalecimento da solidariedade social é o único remédio contra o individualismo desmesurado que, rapidamente, pode derivar para o exibicionismo e o egoísmo social. Este é o caldo de cultura da política da esperteza, responsável pela pequena e pela grande corrupção que infestam as relações de indivíduos e empresas com os poderes públicos. Combater a corrupção significa enterrar de vez a percepção de que a lei vale para uns e não vale para outros em nosso País. É necessário combater resolutamente a idéia de que a ascensão social pode ocorrer sem que o cidadão seja avaliado pelo seu trabalho, conhecimento ou mérito. No passado, com grandes presidentes como Juscelino Kubitschek, a tarefa reformadora consistia em ampliar os horizontes do cidadão, interiorizar o desenvolvimento e fazer emergir o poder criativo das pessoas, sepultando um tacanho complexo de inferioridade. Hoje, a grande tarefa reformadora é cuidar da organização e da coesão social, da capacidade de trabalho em equipes e da gestão dos bens públicos e privados por maio de técnicas adequadas e do planejamento moderno, propiciando aos brasileiros a possibilidade de superar a desorganização social. Por esta razão V. Excia. propôs o advento do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que procura ampliar e democratizar os laços entre governo e a sociedade, propondo ao País uma relação fundada na negociação, na tolerância e no entendimento.
O mesmo tipo de princípio deve nortear as relações entre os poderes da República, a começar daquelas entre o governo e o Congresso Nacional. Deverá ter especial relevância a adoção de um processo consistente de definição do Orçamento Geral da União, de tal forma que ele seja progressivamente uma peça que expresse o mais fielmente possível as necessidades de equilíbrio econômico e social do país. Em especial no próximo período, o Congresso estará chamado a discutir e aprovar, com objetividade e presteza, um conjunto de reformas que contribuirão para reequilibrar e impulsionar a economia nacional, coordenando expectativas e reduzindo incertezas quanto à capacidade do país de recuperar o crescimento econômico sustentável. Fazem parte desse rol de mudanças as reformas do sistema de Previdência, do sistema tributário nacional e das leis que regem a relação trabalhista. Estará também na pauta do próximo período a regulamentação do artigo 192 da Constituição Federal para, entre outras medidas, fortalecer o marco institucional em que o Banco Central deve levar a cabo a sua função precípua de guardião da moeda nacional. O governo federal deverá encaminhar claramente a sua ordem de prioridades e solicitar empenho e articulação para a sua discussão e aprovação, sempre movido pelo espírito de ouvir, negociar e produzir consensos.
Uma boa relação da União com Estados e municípios será indispensável fator de coesão social, de estabilidade econômica e de impulso às campanhas prioritárias de âmbito nacional. A Constituição Federal de 1988 foi um grande passo na normalização institucional do país, mas não conseguiu por si só estabelecer um equilíbrio federativo estável. Diante da vinculação excessiva de rubricas no Orçamento federal, a União, para obter resultados fiscais, acabou introduzindo um conjunto de contribuições de caráter tributário que acentuam as disputas por repartição dos recursos federais, sem que as deformações no sistema tributário nacional tivessem sido corrigidas. No processo de estabilização da economia, a União levou a cabo uma ampla renegociação das dívidas dos Estados. Sabemos hoje que alguns Estados apresentam reais dificuldades de equilíbrio orçamentário. Seria um erro, contudo, pretender uma renegociação das dívidas ignorando o delicado momento das finanças nacionais. Um descontrole fiscal neste terreno seria letal para todos os entes federativos, uma vez que desarrumaria em curto prazo o já difícil equilíbrio macroeconômico do País. Isso não significa que o governo federal deva virar as costas para os novos governadores. Ao contrário, como tem afirmado V. Excia., é possível e necessário um esforço conjunto da União, dos Estados e Municípios quanto à questão fiscal. Na construção dos projetos de Reforma Previdenciária e da Reforma Tributária uma importante interlocução deve ser estabelecida entre os entes da Federação. Os déficits previdenciários estão na pauta da União e dos Estados. As medidas de simplificação tributária igualmente. Rever a legislação do ICMS em conjunto com todos os governadores pode trazer benefícios reais à qualidade das receitas públicas. Rever a legislação previdenciária pode colocar em perspectiva de solução o principal componente de déficit público em todos os níveis da Federação. Há portanto um urgente trabalho de articulação, negociação e construção de consensos no próximo período.
Sr. presidente, a pauta do próximo ano é de intenso trabalho. Serão desafios enormes a construção de programas e a estruturação das reformas. Um diálogo objetivo deve se estabelecer com o Congresso Nacional, o Judiciário, o Ministério Público, os Governadores e Prefeitos. No ambiente do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social estes temas poderão ter um adequado tratamento com a presença de interlocutores qualificados dos trabalhadores, do empresariado e da sociedade civil.
Quero, por fim, ressaltar a qualidade da equipe que V. Excia. designou-me para coordenar juntamente com o companheiro Luiz Gushiken e com o apoio permanente do companheiro José Dirceu.
Além das recomendações gerais deste presente relatório, V. Excia. e seus ministros receberão, das equipes temáticas, cuidadosos relatórios sobre todos os aspectos do Estado brasileiro e de cada ministério. Não tivemos a pretensão de dizer aos futuros ministros o que deve ser feito. Temos consciência de que V. Excia. escolheu a melhor equipe para governar, equipe que saberá traduzir seu programa de governo em ações consistentes a partir de 1º de janeiro próximo.
Os relatórios contém diagnósticos e sugestões com a qualidade que consideramos suficiente para auxiliar a fase inicial do nosso governo.
O clima em que transcorreu os trabalhos de transição demonstra, sr. presidente, a solidez das instituições republicanas de nosso país. A democracia é hoje um valor consolidado e perene. O governo que se encerra e o governo que se inicia souberam, cada um a seu modo, valorizar esse momento de grandeza democrática.
ANTONIO PALOCCI FILHO, coordenador da equipe de transição


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