São Paulo, segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

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"A gente paga pelas escolhas", diz Genoino

Isolado após a crise do mensalão, ex-presidente do PT afirma que não cometeu crime e não carrega arrependimento

Segundo ele, Lula conhece o PT mais que todos petistas e não impôs o nome de Dilma; sobre a crise, afirma que não recebeu nem pagou nada


MALU DELGADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 63 anos, José Genoino é, hoje, quase irreconhecível para quem acompanhou sua trajetória política. Antes polêmico, barulhento e provocativo, tornou-se um parlamentar discreto, que concentra sua atuação nas comissões e na defesa de projetos como o da reforma política. Evita os holofotes da imprensa, que antes perseguia. Após quase quatro anos recluso por conta do escândalo do mensalão, que o fez renunciar à presidência do PT e o tornou réu na ação penal que corre no STF (Supremo Tribunal Federal), Genoino recebeu a Folha em seu escritório, em São Paulo, para uma rara entrevista.
Ele sustenta que a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) não foi uma candidata imposta pelo presidente Lula ao PT, defende a política de alianças com o PMDB e se diz um defensor incondicional do governo Lula.
Diante de perguntas sobre o mensalão, responde, mas evita a polêmica. "Eu não tenho arrependimento. Foram escolhas políticas. E a gente paga por elas." Com os fios de cabelos totalmente brancos, uma certa fala mansa, mas firme, Genoino conserva um hábito em meio aos novos modos: em duas horas de conversa, acendeu três cigarros. "É o único vício do qual não me libertei."

 

FOLHA - Como foi retornar à Câmara depois da crise?
JOSÉ GENOINO
- Foi bom voltar à Câmara legitimado pelo eleitor. A solidariedade dos petistas, dos militantes e do eleitor petista foi muito importante para me colocar de novo lá.

FOLHA - O que fez antes?
GENOINO
- Fui dar aulas, como avulso. Aulas de política, de história. Dei um curso lá no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, durante seis meses, contratado. E fazia palestras. Foi assim que eu vivi em 2005 e 2006.

FOLHA - Em que se concentra sua atuação parlamentar hoje?
GENOINO
- Minha grande causa é viabilizar uma reforma política institucional. Tenho debatido a necessidade de cada partido discutir esses temas na campanha de 2010 e em 2011 a gente fazer um Congresso revisor para votar a reforma política. Trabalho com essas áreas, além da questão maior: a defesa intransigente do governo Lula.

FOLHA - Essa defesa do governo Lula é incondicional?
GENOINO
- Ela é uma defesa radical porque entendo que o PT e o governo Lula estão transformando o Brasil. Todas as medidas que o governo manda para a Câmara eu concordo, defendo.

FOLHA - O PT não tem mais nenhum papel crítico no governo?
GENOINO
- O PT e o governo Lula estão conduzindo um projeto estratégico. É um projeto processual: tem hora que a gente avança, tem hora que a gente recua. Mas está dando certo. É só ver os resultados, os indicadores. As lutas para ganhar a eleição, as dificuldades, os dilemas que nós enfrentamos são em função deste projeto. Tenho uma admiração e um respeito pela capacidade política, intuição, sensibilidade e competência do Lula. O PT, quando se divide, perde. Por isso sou defensor da unidade do PT e da política de alianças para ganhar as eleições, para governar. Dei minha contribuição, em todos os sentidos. Nunca fiz nada sem correr riscos.

FOLHA - O PT tem que se submeter ao PMDB pela eleição de 2010?
GENOINO
- A prioridade das prioridades é eleger a Dilma. Governar o Brasil por mais um mandato presidencial é uma vitória estratégica. Nos Estados, quem estiver melhor situado é cabeça de chapa, seja do PT, PMDB ou PSB. Eleger a Dilma, fazer bancadas na Câmara e no Senado, e eleição a governador: estou colocando nesta ordem.

FOLHA - O pragmatismo não mina a política?
GENOINO
- Isso não é pragmatismo. É uma exigência política de quem está transformando o Brasil. Para ganhar e governar, você tem que ter maioria.

FOLHA - É democrático Lula escolher a candidata e submetê-la ao PT?
GENOINO
- A interlocução e o diálogo em torno do nome foi transparente, consensual, e não houve imposição. A Dilma é uma companheira que tem uma história comum. O Lula não impôs. Aliás, o Lula conhece mais o PT que todos os petistas juntos. Está no DNA dele.

FOLHA - Há "democracia interna" no PT? Ser governo mudou o PT?
GENOINO
- A democracia interna continua vigorosa. Agora, nós temos a responsabilidade de ser governo. O importante é que o debate interno hoje no PT não é guerra, não é sectarismo. Há 20 anos caiu o muro de Berlim na nossa cabeça. E nós fizemos uma campanha extremamente radicalizada em 1989. Em 2009, 20 anos depois, caiu o muro de Wall Street na cabeça da direita.

FOLHA - O sr. se tornou melancólico depois da crise? Por que se isolou?
GENOINO
- Momentos de sofrimento, sim. De melancolia, não. Momentos de enfrentamento, sim. De arrependimento, não. Momentos de recomeçar, sim. Parar, não. Sempre recomecei a minha vida. Eu tenho momentos duros. Tudo isso foi feito com muita dureza. Não foi fácil. Eu não vivo a vida com o retrovisor. Eu não me isolei. É que eu deixei de ser presidente do PT, não era deputado, não tinha gabinete nem escritório.

FOLHA - O sr. evita dar entrevistas. Qual sua opinião sobre a imprensa?
GENOINO
- Acho que a imprensa tem o seu papel, e eu tenho o meu. Defendo radicalmente a liberdade de imprensa. Respeito a imprensa, respeito as pessoas que fazem a imprensa, mas são posições diferentes. Geralmente, quem faz julgamento em política tem uma grande chance de cometer injustiça. Eu não faço julgamento. Eu faço escolhas.

FOLHA - O sr. acha que foi prejulgado na crise do mensalão de 2005?
GENOINO
- Fui. Há duas coisas que eu quero falar: primeiro, os dois empréstimos que eu assinei são absolutamente legais e estão na Justiça Eleitoral. E o PT está pagando. Segundo, meu patrimônio, minha vida foram revirados de cima para baixo, e eu não tenho nada. Então, eu fui prejulgado. Na presidência do PT eu não cometi crime. Fui um dirigente político, que dirigiu o partido numa situação nova, que era governar o Brasil com o presidente Lula. E o PT não cometeu crime. Agora, sobre isso, quem fala sobre o processo são os meus advogados. Eu tenho consciência. Não recebi nada, não paguei nada. Então eu não tenho arrependimento. Foram escolhas políticas, e a gente paga por elas.

FOLHA - O PT, depois de 2005, está igual, pior ou melhor?
GENOINO
- Não dá para fazer uma comparação. Em cada fase da vida do PT, o partido enfrenta os desafios e vence. Quando o PT nasceu, muita gente dizia: não vai dar certo. Deu certo. Hoje atacam o PT, e não o Lula. Quando Lula não era presidente, atacavam o Lula, e não o PT.

FOLHA - A única pessoa do PT que foi expulsa foi o ex-tesoureiro Delúbio Soares. Foi justa a decisão?
GENOINO
- Sobre as pessoas citadas no processo você tem que ouvir as pessoas ou os advogados. Eu não falo sobre essas pessoas. Elas podem falar por si. Não vou opinar sobre isso. Eu não era da direção [quando foi decidida a expulsão], nem da presidência do PT.

FOLHA - O sr. tem contato com essas pessoas: Delúbio, José Dirceu, Silvio Pereira?
GENOINO
- A minha função como deputado não é tratar, numa entrevista, das minhas relações pessoais.


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