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CASO CC5
Com ajuda de banqueiros, nomes e documentos de centenas de pessoas eram compartilhados para remessa ilegal de dinheiro
Doleiros criam cooperativa de laranjas no país
RUBENS VALENTE
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Estudo da Receita Federal sobre
operações ilegais de envio de dinheiro para o exterior por meio
das contas CC5, registradas entre
1996 e 2002, revelaram a existência de uma "cooperativa de laranjas" na qual nomes e documentos
de centenas de pessoas eram
compartilhados por doleiros de
diferentes Estados do país.
No disquete da Receita, com o
registro de 412.705 operações de
entrada e saída de dinheiro (totalizando R$ 500,1 bilhões), está a
costureira Elvira Werle, 66, analfabeta e moradora de uma área
doada pela Prefeitura de Foz do
Iguaçu. Em dois meses, ela remeteu para fora do país cerca de R$
18 milhões. "Nem entendo o que
você diz. Por mês, vivo com R$
240 de pensão e R$ 100 de costura", afirmou Elvira à Folha.
A dinâmica da "cooperativa de
laranjas" foi detalhada a procuradores do Paraná por uma pessoa
que fazia parte do esquema. O depoimento é mantido sob sigilo.
Segundo a apuração, doleiros,
com a cumplicidade de donos de
bancos, abriram contas no Brasil
em nome de laranjas. Essas contas
eram usadas no máximo por dois
meses para não despertar a desconfiança de autoridades brasileiras, já que operações eram registradas no BC (Banco Central).
As quantias milionárias que saíram do Brasil abasteceram contas
bancárias em nome de casas de
câmbio em Ciudad del Este (Paraguai), Montevidéu (Uruguai) ou
foram para contas de beneficiários nos Estados Unidos.
Enquanto os dados do laranja
estavam "ativos", ou seja, não tinham sido rastreados pela polícia
ou pela Receita, eram compartilhados por "doleiros amigos" do
Paraná, do Rio de Janeiro, de São
Paulo e de Minas Gerais.
Levantamento da Folha com os
105 maiores laranjas mostra que
foram enviados para fora do país
cerca de R$ 4 bilhões. Ainda não
há um dado preciso sobre o número de laranjas e o volume movimentado por eles.
"Os doleiros trabalhavam, e alguns devem trabalhar ainda, em
sistema colegiado. Eles faziam
operações recíprocas e, nessas
operações, indicavam laranjas
que poderiam ser usados naquele
momento", afirmou o procurador da República Vladimir Aras,
que compõe a força-tarefa.
Segundo Aras, a "cooperativa"
funcionava com uma administração "underground [subterrânea],
em que os depositantes eram indicados por vários doleiros a utilizar as laranjas ativas".
O foco do trabalho, segundo
Aras, não são os laranjas. "É identificar remetentes, depositantes,
beneficiários no exterior e pessoas
de instituições financeiras que
montaram o esquema de lavagem
e de transição de dinheiro."
Por enquanto, 321 pessoas foram denunciadas (acusadas judicialmente), entre laranjas que sabiam do esquema, doleiros e
agentes financeiros. Das 56 prisões pedidas, 20 foram cumpridas. Os demais estão foragidos.
O fato de o governo brasileiro
depender da cooperação de outros países para rastrear o caminho do dinheiro dificulta a investigação. Alguns paraísos fiscais
não repassam informações. Procuradores dos EUA, que se dedicam a investigações similares,
têm compartilhado os dados.
Mas a dificuldade de informação, às vezes, começa no Brasil. A
Receita só tomou conhecimento
das movimentações porque um
disquete com as operações foi entregue pelo BC a pedido da CPI do
Banestado, criada pelo Congresso
para investigar a evasão.
Colaborou VIRGILIO ABRANCHES, da
Reportagem Local
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