São Paulo, domingo, 29 de fevereiro de 2004

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CASO CC5

Com ajuda de banqueiros, nomes e documentos de centenas de pessoas eram compartilhados para remessa ilegal de dinheiro

Doleiros criam cooperativa de laranjas no país

RUBENS VALENTE
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Estudo da Receita Federal sobre operações ilegais de envio de dinheiro para o exterior por meio das contas CC5, registradas entre 1996 e 2002, revelaram a existência de uma "cooperativa de laranjas" na qual nomes e documentos de centenas de pessoas eram compartilhados por doleiros de diferentes Estados do país.
No disquete da Receita, com o registro de 412.705 operações de entrada e saída de dinheiro (totalizando R$ 500,1 bilhões), está a costureira Elvira Werle, 66, analfabeta e moradora de uma área doada pela Prefeitura de Foz do Iguaçu. Em dois meses, ela remeteu para fora do país cerca de R$ 18 milhões. "Nem entendo o que você diz. Por mês, vivo com R$ 240 de pensão e R$ 100 de costura", afirmou Elvira à Folha.
A dinâmica da "cooperativa de laranjas" foi detalhada a procuradores do Paraná por uma pessoa que fazia parte do esquema. O depoimento é mantido sob sigilo.
Segundo a apuração, doleiros, com a cumplicidade de donos de bancos, abriram contas no Brasil em nome de laranjas. Essas contas eram usadas no máximo por dois meses para não despertar a desconfiança de autoridades brasileiras, já que operações eram registradas no BC (Banco Central).
As quantias milionárias que saíram do Brasil abasteceram contas bancárias em nome de casas de câmbio em Ciudad del Este (Paraguai), Montevidéu (Uruguai) ou foram para contas de beneficiários nos Estados Unidos.
Enquanto os dados do laranja estavam "ativos", ou seja, não tinham sido rastreados pela polícia ou pela Receita, eram compartilhados por "doleiros amigos" do Paraná, do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais.
Levantamento da Folha com os 105 maiores laranjas mostra que foram enviados para fora do país cerca de R$ 4 bilhões. Ainda não há um dado preciso sobre o número de laranjas e o volume movimentado por eles.
"Os doleiros trabalhavam, e alguns devem trabalhar ainda, em sistema colegiado. Eles faziam operações recíprocas e, nessas operações, indicavam laranjas que poderiam ser usados naquele momento", afirmou o procurador da República Vladimir Aras, que compõe a força-tarefa.
Segundo Aras, a "cooperativa" funcionava com uma administração "underground [subterrânea], em que os depositantes eram indicados por vários doleiros a utilizar as laranjas ativas".
O foco do trabalho, segundo Aras, não são os laranjas. "É identificar remetentes, depositantes, beneficiários no exterior e pessoas de instituições financeiras que montaram o esquema de lavagem e de transição de dinheiro."
Por enquanto, 321 pessoas foram denunciadas (acusadas judicialmente), entre laranjas que sabiam do esquema, doleiros e agentes financeiros. Das 56 prisões pedidas, 20 foram cumpridas. Os demais estão foragidos.
O fato de o governo brasileiro depender da cooperação de outros países para rastrear o caminho do dinheiro dificulta a investigação. Alguns paraísos fiscais não repassam informações. Procuradores dos EUA, que se dedicam a investigações similares, têm compartilhado os dados.
Mas a dificuldade de informação, às vezes, começa no Brasil. A Receita só tomou conhecimento das movimentações porque um disquete com as operações foi entregue pelo BC a pedido da CPI do Banestado, criada pelo Congresso para investigar a evasão.


Colaborou VIRGILIO ABRANCHES, da Reportagem Local



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