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NO PLANALTO
Câmara adota tática da transparência obscura
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
É áspera a vida de deputados e senadores. À jornada
brasiliense -terça a quinta- soma-se o expediente nos Estados
-sexta a segunda. Rotina de
mouro.
Para financiar o contato com as
"bases", recebem um extra de R$
12 mil por mês. É a chamada "verba indenizatória". Goteja na conta bancária até durante os três
meses de férias anuais. Justo,
muito justo, justíssimo.
Neste início de 2004, a Câmara
jogou na internet a "prestação de
contas" dos gastos dos deputados.
Transparência pioneira, vangloria-se o petista João Paulo Cunha,
eleito presidente da Casa sob aura "renovadora".
Em vez de louvar o ineditismo,
certa imprensa enxerga no gesto
um quê de falácia. Queixa-se de
que foram expostas só as cifras.
Nem sinal de notas e recibos.
A crítica é injusta. Bem verdade
que expostos assim, a esmo, os
números dizem pouco. Mas sugerem muito. A meia prestação de
contas equivale à meia palavra.
Bom entendedor, o contribuinte
logo se dará conta de que continua a ser tratado como grandíssimo ...tário, autêntico ...iota, o
mesmo ...becil de sempre.
Os comprovantes de gastos encontram-se arquivados num setor
de nome grandiloqüente: Núcleo
de Fiscalização e Controle da
Verba Indenizatória do Exercício
Parlamentar. O "controle" é formal. A "fiscalização", inexistente.
O surto de "transparência" foi
inspirado pela Folha. Em agosto
de 2003, o jornal pediu à Câmara,
por escrito, acesso ao papelório
que escora a "verba indenizatória".
Desatendido, o jornal recorreu
ao STF. O Supremo ordenou, em
dezembro, a abertura dos arquivos. A decisão reconheceu o óbvio:
os dados são públicos.
Ouvido, o deputado João Paulo
Cunha disse que cumpriria a sentença. Mas, em conversas com
seus pares, foi convencido de que
era preciso impor limites ao lamentável hábito dos jornalistas
de querer informação.
João Paulo pediu e obteve a reconsideração da decisão do STF.
Foram dois os argumentos. Uma
patranha e uma promessa.
A patranha: alegou-se que o ofício da Folha não fora analisado
pela Mesa Diretora da Casa. A
promessa: as informações seriam
divulgadas. Não só para o jornal,
"mas para toda a coletividade".
Os dados de 2003, reivindicados
pelo jornal, jazem à sombra. Foram à internet, por ora, apenas os
lançamentos relativos a janeiro
de 2004.
Submetidos à meia verdade, os
repórteres, seres incorrigíveis, suspeitam que a metade exposta pode incorporar a parte mentirosa.
Tolice. Comparada ao silêncio
que vigorava anteriormente, a hipocrisia atual é um avanço ético.
Quem percorreu as cifras, descobriu, por exemplo, que 26 deputados gastaram em janeiro mais
do que os franqueados R$ 12 mil.
Um deles, Osvaldo Biolchi
(PMDB-RS) torrou o dobro: R$ 24
mil.
Só em "combustíveis", Biolchi
beliscou R$ 16.973,85. A título de
"divulgação da atividade parlamentar", mordeu mais R$
5.700,00. Em contato com o gabinete do deputado, o repórter pediu para tatear os recibos. Nada
feito.
A ciranda "indenizatória" funciona como uma espécie de cheque especial às avessas. Quem estoura os gastos é premiado. Recebe antes dos demais.
Cada deputado dispõe de R$ 72
mil por semestre. O conta-gotas é
acionado no início de cada mês.
Vai pingando até bater no limite
de R$ 12 mil. Os mais expansivo$
recebem a diferença, de uma vez,
no primeiro dia útil do mês seguinte.
João Mendes de Jesus (PDT-RJ),
vice-líder em gastos no mês de janeiro, petiscou R$ 22.843,58. Só
para "divulgar a atividade parlamentar", serviu-se de R$ 15 mil. O
repórter deixou recados em seu
gabinete. Não obteve resposta.
Severino Cavalcanti (PP-PE)
gastou R$ 18.736,89 -R$ 6.510,00
em "combustíveis" e R$ 12.226,89
em "locomoção, hospedagem e
alimentação". Sua assessoria informa que ele teve de cruzar o solo pernambucano para socorrer
vítimas de enchentes. Os comprovantes dos gastos? Não divulgou.
Cavalcanti é segundo-secretário
da Mesa Diretora da Câmara.
Nas discussões internas que João
Paulo disse ao STF que não ocorreram, o deputado se opôs às pretensões da Folha de apalpar notas e recibos. Deve ter os seus motivos.
Entre os vários deputados contatados pelo repórter, apenas o
tucano Walter Feldman (SP)
-gastos de R$ 17.453,54- topou
exibir os comprovantes fiscais.
Não por acaso, têm aparência asséptica.
Há um consenso entre os próprios deputados: muitas contabilidades não resistem à luz do sol.
A transparência de meia-tigela
adotada pela Câmara expõe gente decente a uma suspeição desnecessária.
Procurado, o presidente João
Paulo -gastos de R$ 9.616,00 em
janeiro- preferiu guardar silêncio. O repórter solicitou-lhe notas
e recibos. Julgou-se que apreciaria
dar o exemplo. Engano. Optou
pela sombra. Uma pena.
Os eleitores estão diante da rara
oportunidade de pressionar os
seus "representantes". A quem interessar possa, o e-mail de João
Paulo é: dep.joaopaulocunha@camara.gov.br
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