São Paulo, quinta-feira, 29 de março de 2001

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OPOSIÇÃO

Crítica foi feita depois da apresentação do líder petista em seminário

Ex-assessor de Lula diz que PT está "desqualificado"

PAULO MOTA
COORDENADOR-ASSISTENTE

DA AGÊNCIA FOLHA
Declarações do líder petista Luiz Inácio Lula da Silva, na última segunda-feira, no seminário " Socialismo e Democracia", fazendo sérias restrições à prática revolucionária e propondo a revisão de aspectos centrais do ideário socialista, desencadearam uma reação violenta e um intenso debate entre intelectuais cariocas e militantes do PT.
Em e-mail enviado ao próprio Lula, a vários intelectuais e membros do PT, o editor Cesar Benjamim -ex-guerrilheiro na década de 60 e membro fundador do PT, do qual se afastou em 1994- diz que "nunca a esquerda brasileira foi dirigida por gente tão desqualificada. Teoricamente desqualificada. Politicamente desqualificada. Moralmente desqualificada."
"Não pensei que pudéssemos descer tão fundo", afirma Benjamin num texto em que também afirma ter sentido "a sensação física de nojo" ao ler as reportagens sobre a fala de Lula e da prefeita Marta Suplicy durante o seminário. Ex-coordenador econômico da campanha presidencial de Lula em 94, Benjamin destaca negativamente o que o líder petista disse a respeito da luta armada no país.
Ao discorrer sobre a trajetória do PT, Lula disse que militantes do partido foram para a Mata Atlântica, na década de 70, tentar fazer a revolução. "Em dois dias os pernilongos e as muriçocas os trouxeram de volta". A afirmação foi recebida com gargalhadas pela platéia que assistia ao seminário.
"Ao longo de alguns anos, quatrocentos companheiros deram suas vidas nessas jornadas, milhares foram torturados, e muitos ficamos cinco, oito, dez, doze anos em prisões um pouco piores que os hotéis de cinco estrelas que este senhor gosta tanto de freqüentar, fazendo turismo político", escreve Benjamin.
As referências a Marta Suplicy também são duras. Numa alusão ao regime chinês, a prefeita disse no seminário que o socialismo daquele país o torna "pior que os capitalistas".
Segundo Benjamin, Marta "mistura arrogância e ignorância típica de quem nasceu para mandar, não precisa aprender nada, nem tem a menor idéia do que são necessidades primárias, como fome, medo, insegurança". Prosseguindo, o ex-petista pergunta: "Sabe dona Marta como o povo chinês vivia antes e como vive agora? Sabe como vive o povo brasileiro, fora dos Jardins?".
O filósofo Carlos Nélson Coutinho foi um dos intelectuais que respondeu ao e-mail de Benjamin. Ex-militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e no PT desde 1989, Coutinho fez restrições tanto a Lula como a Benjamin. Referindo-se à menção anedótica do líder petista sobre a luta armada, Coutinho comentou: "Se foi aquilo mesmo que ele disse (tenho dificuldades em crer), trata-se de uma afirmação abjeta".
Coutinho ressalvou, no entanto, que não considera absurda a declaração de Marta sobre a China. "Nos países onde as lutas operárias inscreveram na institucionalidade conquistas democráticas (...) certamente estamos, os socialistas, mais próximos de obter vitórias na transformação social do que os socialistas chineses".
Num comentário sobre as transformações do PT, Coutinho diz: "Quando entrei no PT, em 89, estava à direita: como estou seguro de que não mudei de posição, estar hoje à esquerda é mais uma comprovação do que tem acontecido com o PT".
O rompimento de Benjamin com o PT ocorreu durante um congresso do partido, ocorrido em 1995. Em discurso que terminou em pancadaria, Benjamin criticou o presidente do PT, José Dirceu, pelo fato da sua campanha ao governo de São Paulo, em 1994, ter recebido recursos da empreiteira Norberto Odebrecht.
Procurado pela Folha, Lula não foi encontrado. Segundo sua assessoria, o líder petista não havia tomado conhecimento do e-mail de Benjamin até a noite de ontem.
Também procurada pelo jornal, Marta não havia respondido até o fechamento desta edição.


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