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NO PLANALTO
A última do Lula: um plano de metas para o ano 2022
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Não há mais dúvidas: Lula
é mesmo uma espécie de
caçador que foi à casa da Vovozinha para salvar a Chapeuzinho
Vermelho e acabou casando com
o Lobo Mau. Mas o presidente talvez esteja enojado da opção que
fez. Tanto que encomendou ao
camarada-estrategista Luiz Gushiken um plano de metas para vigorar até 2022. Duas décadas de
convivência com a desfaçatez é
tudo o que Lula e o ex-PT parecem dispostos a agüentar. A paciência do petismo tem limites.
Em carta recebida da Presidência da República, o repórter foi
convidado a ajudar a "construir o
Brasil do futuro". A mesma correspondência foi enviada a outros
49.999 brasileiros. Todos foram
instados a visitar um endereço
eletrônico (www.presidencia.gov.br/br3t). Ali, digitando-se
uma senha individual, as pessoas
são apresentadas a um tal "Projeto Brasil 3 Tempos".
O repórter alarmou-se com a
súbita responsabilidade acomodada sobre os seus ombros estreitos: "O projeto depende da sua
opinião". Com o auxílio de acadêmicos, o governo elaborou um
questionário. Coisa ambiciosa.
Aborda 50 temas -da política
cultural à nanotecnologia. "Com
a sua participação, esses temas
serão discutidos, formando o alicerce de um processo de gestão estratégica, que permitirá a construção de um futuro melhor", estimula a mensagem.
Embora sensibilizado com tanta deferência, o repórter achou
melhor declinar do convite para
participar da ambiciosa empreitada governamental. Súbito, lembrou-se de Stefan Zweig. Autor
do livro "Brasil, País do Futuro",
o escritor austríaco suicidou-se
em fevereiro de 42, em Petrópolis
(RJ), por não suportar o presente.
Observando a sem-vergonhice
dos dias que correm, o repórter
por vezes também sente as ânsias
da morte voluntária.
A colaboração com Gushiken
revolveria perigosamente os subterrâneos da psique do repórter.
O id poderia receber mal a idéia.
Decerto decodificaria as respostas
ao questionário do Planalto como evidências da cumplicidade
com o governo. Um governo que,
por indigno, não merece ajuda.
Seria arriscado. Muito arriscado.
Arriscadíssimo. Melhor evitar.
Não é hora de apressar o encontro com Stefan Zweig.
Nada como o presente para desacreditar o futuro. Enquanto
Gushiken, instalado no terceiro
andar do Palácio do Planalto,
finge construir 2022, Lula, na sala
ao lado, e José Dirceu, no pavimento superior, conduzem operações que destroem 2005.
Poder-se-ia imaginar que o
"tour-de-farsa" fosse coisa combinada. Lula e Dirceu mergulhariam o país no caos de propósito,
só para que Gushiken pudesse
erigir dos escombros uma nação
novinha em folha, nascida do zero. O mais provável, no entanto, é
que Gushiken esteja mesmo planejando um imaginário Brasil
das maravilhas, a ser gerido por
uma improvável Alice petista.
Às voltas com as contradições
de uma gestão convencional, o
ex-PT perde-se num ziguezague
incompatível com qualquer sonho de futuro. Ao autorizar o
chefão da Casa Civil a ajoelhar-se
diante de Roberto Jefferson, ao
permitir que sussurre súplicas ao
pé do ouvido de Anthony Garotinho, o presidente demonstra que
governos, assim como escritores e
repórteres, também flertam com
o suicídio.
Antes de elaborar o questionário que enviou ao repórter e a outros brasileiros mais ilustres, Gushiken realizou uma pesquisa de
opinião. Foi coordenada pelo Instituto de Estudos Avançados da
USP. Ouviram-se 104 pessoas.
Gente qualificada, com nível superior (100%), doutorado (41%),
pós-doutorado (5%) e mestrado
(12%). Entre os pesquisados, 80%
consideraram que, no futuro, o
brasileiro exibirá um sentimento
de "crescente intolerância à corrupção na vida pública". A despeito da conclusão óbvia, o governo não hesita em recorrer ao cangaço parlamentar para tentar inviabilizar a apuração da roubalheira que lhe corrói as entranhas.
Hoje, o maior inimigo do ex-PT
não é mais a elite conservadora.
Tampouco é neoliberalismo.
Muito menos o mercado financeiro. O principal adversário do
ex-PT é, e nisso vai uma extraordinária dose de ironia, o seu próprio passado. O partido virou um
boxeador zonzo. Encontra-se nas
cordas. Nos raros instantes em
que consegue abrir os olhos, percebe que o adversário que o soca
impiedosamente tem a mesma
cara do velho PT, aquela legenda
combativa de outrora, defensora
intransigente da ética.
Nada mais trágico para o "anjo" presumido do que acabar
confundido com os demônios que
sempre combateu. O petismo é vítima das próprias trapaças. O
"triunfo" do ex-PT converteu-se
na desgraça do PT. O "sucesso"
de um matou o outro. Não há
projeto de futuro capaz de subsistir a um presente tão promíscuo.
Um novo Brasil, organizado e
sério, exigiria respeito ao erário.
Mas Lula achou melhor não correr o risco de melhorar o país. Optou pelo arcaísmo de sempre. Preservou a névoa de atraso que recobre o vale-tudo da predação
patrimonialista. A covardia cobra agora o preço da desmoralização.
Por todas as razões, o repórter
quer distância do mirabolante
plano de metas de Gushiken.
Mas, levando-se em conta que está contribuindo com a bilheteria
do circo -o "Projeto Brasil 3
Tempos" custará à Viúva cerca
de R$ 900 mil-, sente-se no direito de dar um palpite gratuito
ao companheiro-estrategista.
Aí vai: se não puder ajudar a
consertar o presente, caro camarada, é melhor deixar o futuro em
paz. No rumo em que as coisas
vão, o amanhã terá o incômodo
semblante de anteontem. Em
2022, o país terá retrocedido a
uma era muito remota. Não haverá mais PT. Pior: não existirá
mais Brasil. Restarão apenas uns
poucos hominídeos. Entre eles o
"homo petebê erectus" e o "homo
dirceu sapiens". Travarão renhidas contendas, para decidir quem
controlará o último osso e quem
ocupará mais espaços na derradeira caverna, um buraco escuro,
úmido e fétido.
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