São Paulo, quinta-feira, 29 de julho de 2004

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JANIO DE FREITAS

O país dos grampos

Com a novidade de que o governo pretende proibir a publicação de gravações telefônicas mesmo que legais, já são três os aspectos que, embora igualmente suscitados pelo vale-tudo entre Telecom Italia e Brasil Telecom, merecem tratamentos distintos e próprios. Os três têm implicações que excedem os limites do conflito de poder empresarial, mas dois deles têm dimensão política e pública de gravidade.
Um dos aspectos é, claro, o de verificar se e como a legislação foi transgredida nas investigações da Kroll Associates para a Brasil Telecom e em qualquer procedimento de uma ou outra parte do conflito.
Com dimensão diferente, o segundo aspecto é o indício de tráfico de influência implícito na informação, presente entre as conclusões da Kroll já publicadas, de que o ministro Luiz Gushiken e o presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, comprometeram-se no conflito das empresas privadas quando já integrantes do governo.
Não consta que o governo tenha adotado providência alguma para a apuração do indício. Se supõe que a omissão é o mais conveniente, engana-se: indício não apurado continua vivo e sempre lembrável. Em caso de dúvida, é só perguntar aos envolvidos nas marotagens telefônicas da privatização, ainda agora citados, todos, com direito a fotografias.
O mais recente dos aspectos sugere, de saída, uma pergunta: se o ministro Luiz Gushiken não aparecesse como um dos nomes proeminentes nesse caso de intrigas, processos, espionagem e poderosas fortunas em jogo, teria empolgado o Planalto a idéia de proibir a publicação de gravações telefônicas, ainda que autorizadas em juízo?
As afinidades naturais do poder com as soluções autoritárias querem, sempre, preencher a distância entre o questionamento e a reação. A pretendida proibição tem o mesmo berço dos "pingos nos is" que o ministro José Dirceu prometeu aos promotores e aos procuradores da República - única promessa petista cujo esquecimento, parece que real, é benfazejo.
No Brasil há gravações telefônicas, desde muito tempo, para todos os lados e propósitos. E não poderia ser diferente, no país em que os jornais até trazem anúncios assim: "Detetive [fulano], investigação empresarial [...] acompanhamentos, provas fotográficas, filmagens, gravações telefônicas, levantamentos em geral". O jornal que transcrevo tem oito anúncios semelhantes - e é um dia fraco. Podem dizer que as gravações e outros "levantamentos" só se fazem com autorização judicial. Pois sim.
As gravações clandestinas é que precisam do combate que não lhes é dado. Proibir a publicação só resulta em restrição antidemocrática à liberdade de ser informado sobre assunto de interesse público: tal proibição não restringe a prática das gravações clandestinas. O provável é que as torne ainda mais difundidas, porque a publicação eventual de um caso desses serve, sempre, para acautelar possíveis vítimas e advertir possíveis contratantes.
O propósito tão extremado do governo faz parecer que são freqüentes as transcrições de gravação nos jornais. Se mais houvesse, haveria menos corrupção e menos fraudes.


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