São Paulo, quarta-feira, 29 de agosto de 2007

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SABATINA FOLHA / DELFIM NETTO

EX-MINISTRO DO REGIME MILITAR QUESTIONA VERACIDADE DE RELATO OFICIAL SOBRE TORTURA NO PERÍODO, DIZ QUE INFORMAÇÕES AINDA PRECISAM SER "ANALISADAS E JULGADAS" E AFIRMA QUE DESCONHECIA "PORÕES" DA DITADURA; ECONOMISTA IRONIZA FHC E FAZ ELOGIOS A LULA

Delfim diz que "há dúvida" em relato sobre a ditadura

Caio Guatelli/Folha Imagem
Ex-ministro foi sabatinado por quatro jornalistas da Folha


EX-MINISTRO Delfim Netto lançou ontem dúvidas sobre a veracidade do documento oficial que descreve atos de tortura durante a ditadura militar (1964-1985). Ministro da Fazenda nos governos Costa e Silva e Médici, Delfim disse - à véspera da divulgação do livro - que "há sérias dúvidas se tudo é verdade". Participante da reunião do Conselho de Segurança Nacional que levou à promulgação do AI 5, Delfim afirmou desconhecer o que ocorria nos "porões". "Não havia ligação entre a área econômica e os ministros militares. Nunca houve", alegou ele, criticando uma indústria de indenizações no país. Ele foi sabatinado pelo editor de opinião da Folha, Vinicius Mota, pelos colunistas Clóvis Rossi e Vinicius Torres Freire e pelo repórter Fernando Canzian.

DA REPORTAGEM LOCAL

Apontado como pai do "milagre econômico", Delfim Netto diz que, durante a ditadura, manteve uma economia de mercado. "Do ponto de vista econômico, certamente [a ditadura] acertou muito mais que errou". Embaixador do Brasil na França durante o governo Geisel (1975-1978), ele voltou ao governo federal em 1979, como ministro da Agricultura (1979) e do Planejamento (1979-1985) de João Baptista Figueiredo. Hoje aos 79 anos, fala de sua aproximação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "O Lula nunca foi socialista. O Lula tem uma grande vantagem: nunca subiu uma escada escura do PCB."

 

DITADURA
Ninguém pode ser solidário com o que aconteceu nos porões do processo autoritário. Uma vida não vale, não é verdade? Não pode ser trocada por coisa nenhuma. Nunca teve a minha solidariedade, não terá hoje. Essas coisas têm que ser aprovadas, analisadas e julgadas. Não vejo razão para ser contra o livro, se o livro representar a verdade. É isso que vai ser julgado. Porque há sérias dúvidas se tudo é verdade. As coisas que aconteceram, e aconteceram de maneira desagradável, têm que ser realmente julgadas e os responsáveis responsabilizados.
Não havia ligação entre a área econômica e os ministros militares. Nunca houve. Nunca um assunto desse foi trazido à baila nas reuniões com o presidente. Quando ele se reunia era com três, quatro pessoas. Isso aconteceu no governo Medici, aconteceu no governo Figueiredo e já tinha acontecido no governo Costa e Silva. Era um processo que se deu ad latere. Tanto é que o regime econômico era totalmente independente que manteve economia de mercado, a despeito das dificuldades. Era na verdade a única esperança que você pudesse ter uma sociedade liberal no futuro.
Do ponto de vista econômico, certamente [a ditadura] acertou muito mais que errou.
Já acabou, já terminou [sobre revisão da Lei da Anistia]. Inclusive tem indústria formidável andando [pagamento de indenizações].

CASSAÇÃO DE COVAS
O Fernando Henrique, além de mentiroso...Diz que foi um brigadeiro. Deve ter sido um daqueles brigadeiros que a gente come que contou para ele isso. Não sabe as relações que eu tinha com o Covas.

LULA
Não sei se ele me ouve. Mas ele aprende. Aprende. O Lula é uma média geométrica entre tigre e raposa. E o peso varia. Ele vai escolhendo o peso para a média de acordo com a oportunidade. Não adianta ficar bravo. O Lula é um sobrevivente. Chegou onde chegou e está fazendo o que tinha que fazer.
O Lula nunca foi socialista. O Lula tem uma grande vantagem: nunca subiu uma escada escura do PCB.
Não adianta ir reclamar para o Lula. Dizer: o câmbio está fora de base. Ele olha para você e diz: "você é um idiota. Porque foi isso que me elegeu".
Quem mudou? Ele [Lula] aprendeu muito. Eu também.
[Sobre as diferenças entre ser ministro durante a ditadura e o homem influente de agora] As coisas mudam menos do que parecem. Visto de fora, a mudança é grande. Visto de dentro, é muito pequena.

TERCEIRO MANDATO
Não acredito que passe isso pela cabeça de Lula nem dormindo. O que você pode imaginar é que o Lula imagine que São Bernardo é como Colombey-Les-Deux-Eglises [casa de campo de Charles De Gaulle, que largou a política em 1952, mas em 1958 foram buscá-lo]: ele sai em 2010, vai para São Bernardo, e em 2014 vão buscá-lo lá. Isso é até possível. Agora, ele forçar a mão... Isso é coisa de intelectual. Essa é a vantagem do Lula, Deus meu!

FHC
Longe de mim. Eu não sou um acadêmico para discutir com o Fernando. Pelo contrário, eu não tenho nada de agressivo. Ele que me agride. Só dou reciprocidade.

CONGRESSO
O Congresso só se move a Executivo. Quando o Executivo não quer, não adianta insistir, as coisas não vão. Mesmo quando o Executivo está fraco.
A Casa, como todos os Congresso, tem lá os seus problemas. A Câmara, que eu conheço melhor, funciona bastante bem nas comissões, tem um sistema de assessoria que é muito bom. Quando você quer trabalhar, você tem condições de trabalhar. Um dos grandes problemas é que de cada oito leis, sete são empurradas por medidas provisórias. A MP é uma daquelas tragédias que entopem o Congresso e, cada vez que nós tentamos melhorar, pioramos.

REFORMA POLÍTICA
Era fundamental. Ainda é. Mas estou desesperançado.
Qual é a única coisa que as pessoas estão atrás? Que o financiamento seja por conta do governo. Por conta do governo, não. Por conta da sociedade.

CPMF
É um imposto que não é razoável. Agora, para eliminar a CPMF ela tem que ser precedida de você saber onde vai cortar despesa. Se você fizer um sistema que estabelece um limite para essa despesa em termos físicos, você pode ir reduzindo a carga tributária. Essa idéia que está aí, que diz: corte CPMF, e o governo que se arrume.
Só tem duas alternativas: ou o governo corta R$ 40 bilhões da despesa, aí seria uma coisa maravilhosa. Ou ele se endivida em mais R$ 40 bilhões.

REFORMAS
Nem sei se ele [Lula] quer fazer as reformas. Se o governo dedicasse, como dedicou no passado, 10% do esforço que está dedicando a renovar a CPMF para qualquer uma das reformas, já teria feito. Só não acontece a reformas quando não há realmente a ênfase que o governo pode pôr nelas.
Hoje existe na verdade uma certa maioria no Congresso que serve para alguma coisa, mas não serve para outras. Não serve para controlar despesas.

BOLSA-FAMÍLIA
"Desde o século 16 o Brasil tem algum programinha desses que você chama de assistencialista. Eram dirigidos em geral a setores. O Lula simplesmente democratizou isso.
Hoje, é uma coisa bastante razoável. O que a gente deve exigir? É que programas como esse contenham em si o germe da sua própria destruição, como dizia um velho companheiro [Hegel]. Se você permitir um programa em que as pessoas se acomodem, você vai destruir não só o sujeito apenas. Vai destruir a própria sociedade.

MENSALÃO
Na verdade, todos que estão em todos os partidos têm o mesmo tipo de constrangimento. Não há nenhum partido que esteja fora desse processo. O que está acontecendo é uma coisa muito boa para o Brasil. poucas pessoas acreditavam realmente no que aconteceu nos últimos dois dias. O relator analisou as coisas com muito cuidado e com muito inteligência. Fatiou aquilo de tal forma que estava todo mundo pensando que ia ser um processo físico. Mistura tudo. Não. Ele é químico. Ele separou quimicamente e conseguiu dar uma demonstração clara de que as instituições estão funcionando. Isso que eu acho mais importante. As instituições estão muito mais sólidas do que no passado. O que aconteceu ontem, nesta última semana, é uma coisa nova no Brasil. O Supremo conseguiu dar uma demonstração de que vai haver um razoável grau de justiça.

POR QUE NÃO FOI ELEITO DEPUTADO
Isso é que nem queda de avião, nunca se sabe a causa.

MANTEGA OTIMISTA
O que vocês querem do ministro da Fazenda? Só faltava o ministro da Fazenda ser pessimista. Aí vocês vão ter que virar otimistas, para sacanear o ministro.

LOBBY
Não se pode imaginar que um cidadão que é financiado por um determinado setor não olhe aquilo com um pouco mais de cuidado. Isso não exige que ele vote a favor daquele setor. Mas exige que pelo menos ele pense um pouco mais na hora de votar.


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